Entenda: o que motiva e desmotiva o jovem a ser professor

Leia edição da newsletter Folha na Sala desta quinta-feira (13)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Campinas

Esta é a edição da newsletter Folha na Sala desta quinta-feira (13). Quer recebê-la quinzenalmente no seu email? Inscreva-se abaixo:

Esta newsletter é produzida em parceria com o Itaú Social

O que motiva e desmotiva jovens a ingressarem na carreira de licenciatura?

A educação básica do país pode enfrentar um déficit de 235 mil professores até 2040.

A estimativa foi feita pelo Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior), com dados dos censos do ensino superior e da educação básica coletados pelo MEC (Ministério da Educação).

Sem atrair jovens para profissão, Brasil pode ter apagão de 235 mil professores - Allvision/Adobe Stock


O resultado foi apresentado no dia 29 de setembro no Fórum Nacional de Ensino Superior. Na ocasião, o ministro da Educação, Victor Godoy, disse que a responsabilidade de valorizar a educação e os professores não é apenas do MEC.

Leia as entrevistas e relatos abaixo para entender melhor o cenário. Você pode descer a página ou clicar na frase e avançar direto para cada relato.

Entrevista com a especialista


Isabela Palhares, repórter de educação da Folha

A baixa procura de jovens está relacionada com os salários? Sobretudo com os baixos salários. Porém, só esse fator não explica a baixa procura. A forma como o país trata a profissão também é determinante.

A qual fator podemos atribuir o baixo prestígio da profissão? O descaso com o entorno da educação acaba sendo um descaso com o profissional também. A sociedade precisa entender que tem responsabilidade com o trabalho do professor. É necessário colaborar com o cuidado dos jovens para que o profissional consiga dar conta da função de ensinar.

Essas questões se aplicam também à rede privada? Sim. Existem escolas particulares de diferentes tipos, nem todas são de qualidade. Grandes marcas são poucas e são caríssimas.

↪ "Os professores das escolas particulares com mensalidades mais baratas enfrentam as mesmas adversidades dos profissionais da rede pública. Muitas vezes os salários são até menores e sem estabilidade", disse a repórter.


Há poucas oportunidades de trabalho? Não. Por exemplo, a rede estadual de São Paulo, que é a maior rede pública do país, tem falta de professores. Eu diria que há baixas oportunidades com a qualidade desejada pelos profissionais.

Por que esse cenário se repete mesmo com políticos colocando educação como prioridade? O investimento que eles fazem não acompanha as necessidades dos profissionais. A mudança é grande, tem a ver com remuneração, com formação mais adequada para o que o professor vai encontrar em sala de aula, ter uma rede assistencial forte e políticas que busquem a igualdade no país.

Quando você entrevista professores, eles têm queixas sobre saúde mental? É extremamente recorrente. Eles lidam com questões pessoais em relação ao que estamos tratando aqui e com as questões dos estudantes também. A pandemia ainda colocou uma problemática nova, ainda mais difícil.

O que a Folha tem


Nesta edição, os conteúdos do jornal estão linkados nos relatos de aspirantes e professores jovens da rede de ensino de diferentes lugares do Brasil. Boa viagem!

"Fiquei preocupada com o retorno financeiro"

Professora negra sorri para a foto. Ela tem cabelos twists, usa óculos e esta vestindo uma blusa branca com listras pretas.
Monalisa Carmo, 29, educadora e pesquisadora de história - Arquivo pessoal

Monalisa teve receio de ser professora. "Quando fui aprovada [em 2012, na Universidade Federal de Viçosa (225 km de BH)], queria o bacharelado, mas durante a graduação me encantei pela licenciatura. Ainda sim, fiquei preocupada com o retorno financeiro", explica.

E... Dez anos depois, a jovem faz doutorado e já lecionou tanto na educação básica quanto no ensino superior.

Ela diz ser realizada, mas... "A busca por melhores condições me levou à pós-graduação. Eu trabalhava 40 horas semanais na universidade, sei o quanto a dedicação exclusiva faz diferença. Acredito que esse cenário é motivo de desistência para muitos jovens brasileiros."

Como parte da sua pesquisa, a educadora foi para Moçambique trabalhar na rede pública de ensino na região rural de Maputo, capital do país.

  • Lá... "Na primeira conversa com uma diretora, percebi que os desafios da educação básica são semelhantes aos daqui: preocupação com a defasagem causada pela pandemia, letramento das crianças e evasão escolar", disse.
  • Mas faz uma ressalva: "Diferente do Brasil, lá as escolas não fornecem alimentos para os estudantes, então deixa de ser um espaço de segurança alimentar como aqui."
  • E a profissão? A educadora escutou de um colega moçambicano que "os professores fazem uma greve silenciosa, pois não dá para dar o melhor de si quando as contas não fecham no fim do mês e as estruturas do trabalho não são boas".

"Estabilidade e progressão na carreira"

Estudante negro, com camisa social azul. Ele usa tranças e brincos alargadores pretos. Ele sorri para a foto
Gabriel Bezerra de Deus Silva, 31, graduando de letras português-espanhol - Arquivo Pessoal

Natural de Salvador (BA), Gabriel entrou na faculdade de letras em 2018 e optou pela licenciatura por conta da oferta de concursos públicos. "Isso proporciona estabilidade e progressão na carreira, e é uma oportunidade de estudar mesmo enquanto trabalho."

O estudante transferiu a graduação para a Universidade Federal da Integração Latino-Americana, em Foz do Iguaçu (636 km de Curitiba). No estágio, aproveitou para focar em uma educação antirracista e inclusiva.

Por que? "Moramos numa fronteira. Muitos indígenas aqui, infelizmente, são vistos como objetos. Por meio da educação, quero mostrar a humanidade desses povos", explica.

Falta inclusão. Gabriel diz que só teve um professor negro na educação básica, que se demitiu "por conta do racismo que sofria na instituição".

↪ Segundo ele, a graduação também precisa avançar na permanência estudantil para receber as pessoas negras (56% do país, segundo o IBGE), já que testemunha casos de abandono e desmotivação dessa população.

Há ainda o capacitismo. Gabriel faz parte do espectro autista. Ele relata que as pessoas, quando descobrem, "ou acham que não vou dar conta ou acreditam que tenho alguma habilidade especial".

"O futuro está em disputa. Marcar posição e lutar pela educação é imprescindível"

Professor branco esta sentado com um agasalho preto. Ele tem cabelos pretos e sorri para a câmera. ele está numa biblioteca
Luís Henrique dos Santos Barcellos, 28, professor - Arquivo pessoal

Luís nasceu em São José do Rio Preto (440 km de SP) e decidiu se tornar professor por meio de um programa de divulgação da Unesp (Universidade Estadual Paulista) –faculdade onde foi cursar pedagogia– nas escolas públicas.

As dificuldades... "Nós, pedagogos, muitas vezes temos nosso cargo inserido em planos de carreira de nível médio, com salários inferiores aos demais graduados de nível superior. Além disso, há desrespeito ao piso salarial e dificuldade em progressões de carreira", diz.

Desigualdade de gênero. Luís, que tem cargo na educação infantil, relata: "me lembro de ter só professoras mulheres no prézinho, bem como a predominância delas nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Já nos anos finais do fundamental e no Ensino Médio, não percebo tais diferenças".

Olhar para frente... O professor defende que o futuro está em disputa. "Marcar posição e lutar pela educação é imprescindível. Precisamos de gente com vontade e não somente quem vê na carreira algo fácil", argumentou.

"Me sentirei valorizada quando a figura da professora deixar de ser aquela altruísta"

Professora negra esta sentada em frente ao quadro verde. Ela usa uma calçapreta, camiseta verde e um cachecol marrom. Seu cabelo é afro e ela está olhando para o lado.
Vanessa Lopes, 25, professora de história e ativista - Arquivo pessoal

Vanessa cursou história na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais (262 km de BH). Hoje, trabalha na rede privada de ensino da cidade mineira.

Ela recomenda... Que jovens da licenciatura busquem qualificação sempre, inclusive em "espaços formativos como educação popular e outros modelos de ensino". "Estabelecer contatos também é importante para conseguir emprego."

Postura e presença... Influenciam a vida dos estudantes, na opinião da educadora. "As meninas do primeiro colégio que trabalhei viam uma mulher negra e se inspiravam. Veja, não falo de racismo e machismo [de forma direta] sempre, mas pontuo o gênero e a raça de quem conta a história", afirma.

Mas não é sobre altruísmo... A educadora aponta a necessidade de receber por horas investidas no preparo das aulas e correções de atividades. "Eu me sentirei valorizada quando a figura da professora deixar de ser vista como altruísta. Isso leva à sobrecarga de trabalho", falou.

↪ Vanessa explica que uma pressão para o "voluntariado", desde a graduação, reflete na situação financeira. "Se você comparar as bolsas de estágio de um estudante de direito, por exemplo, e as nossas, chega a ser ridículo o que recebemos."

↪ "O discurso da vocação atrapalha. Sou humana, quero ir para Búzios no final do ano e viver meu lazer sem ter que fazer só ações gratuitas", comenta em meio a risadas.

"Não nasci em um hospital, nasci dentro de uma escola"

Uma professora com cabelos cacheados pretos e roupas pretas está sentada perto de um mural da escola que diz: "Inovação"
Elizabeth Borges de Carvalho, 30, orientadora da Secretaria de Ensino e Cidadania de São José dos Campos - Arquivo pessoal

Elizabeth começou a graduação de letras com 17 anos na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Assis (433 km de SP).

Ela trabalha na rede de ensino básica de São José dos Campos (92 km de SP). Seu pai e sua mãe também são professores. "Não nasci em um hospital, nasci dentro de uma escola", brinca.

O aspecto financeiro... "É um grande percalço para se manter na profissão". A educadora conta que os pais tinham jornada de trabalho dupla para manter em dia as finanças.

Do outro lado. A professora de inglês relembra o dia em que presenteou um estudante que nunca tinha ganhado bolo de aniversário na vida. "Tudo valeu a pena quando vi ele comendo um pedaço e secando as lágrimas", conta com a voz embargada.

O valor das ações diárias. "Quando a gente decide por essa profissão, acreditamos que mudaremos o mundo. Para evitar desanimar, é preciso entender que isso ocorre em cada ação do cotidiano", disse.

"Misturar a geografia e o rap é um sonho para mim"

Estudante negro com cabelos afro castanhos sorri para foto. Ele usa uma camisa preta e está em local arborizado.
Nicolas Veiga, 23, estudante de geografia - Arquivo pessoal

Nicolas pega dois ônibus para chegar até a Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), e outros dois para voltar. Ele também trabalha, então a dedicação exclusiva ao curso não é sua realidade.

Por que ensinar? Nicolas escuta Racionais MCs, Sabotage e Quinto Andar desde os seis anos. Na adolescência, a combinação entre rap e família despertou nele o desejo de "participar da formação" de outras pessoas.

"Na rede particular, vi o olhar das crianças admiradas com minha idade. Depois na [rede] pública, o sentimento de irmão mais velho foi maior. Me perguntavam como eu fazia para ser o professor e queriam ser como eu".

Diálogo com o ensino superior. O jovem acredita que toda escola pública deveria ter uma integração maior com as universidades federais.

O rap como motivação. Nicolas já escreveu artigos sobre o gênero musical e defende a criatividade como uma virtude para superar os "desânimos da formação". "Para mim, a licenciatura é muito mais do que dar aula", defende.

"A carga teórica obrigatória raramente menciona pessoas com deficiência"

Mulher branca com cabelos cacheados sorri para a foto. Ela está em um biblioteca e usa camiseta preta com um agasalho vermelho.
Raquel Riera, 26, assistente de redação em colégio particular - Arquivo pessoal

Raquel tem bacharelado e licenciatura em literatura pela Universidade Estadual de Campinas (96 km de SP). Segundo ela, foi a habilitação para lecionar que ampliou as possibilidades de ingressar no mercado de trabalho.

O que a motiva: sua dedicação à formação cidadã dos alunos com quem trabalha. Ela usa metodologias para "ouvir os alunos e desconstruir a hierarquia muitas vezes consolidada na sala de aula" e diz que sua juventude ajuda nas práticas.

Mas há limitações... Raquel relata ter tido uma disciplina voltada ao aprendizado básico de Libras e vê limites para a inclusão cidadã na graduação.

↪ "Não me lembro de ter tido contato com a realidade de pessoas com deficiência ao longo do curso, principalmente por que a carga teórica obrigatória raramente os menciona", aponta.

Fica frio aí


Uma sugestão para fugir do que é notícia

Já ouviu falar em Abbot Elementary? A série de comédia estadunidense conta a rotina de um grupo de professores de diferentes gerações que trabalha em um colégio público. A história traz o lado humano dos profissionais dessa área. Leia a crítica da série feita por Luciana Coelho na Folha.

Cartaz de divulgação de série
Cartaz de divulgação da série Abbot Elementary' - Divulgação

Em debate


Discussões interessantes para levar para sala de aula

A pouco mais de duas semanas do segundo turno, a eleição invadiu escolas, virou bate-boca entre crianças e desafio para os professores. Como lidar? Há caminho para discussão?

Conflitos podem ser oportunidade. É possível explicar na prática às crianças princípios democráticos, como direito à participação política e respeito ao diferente.

Discussões politicas entre crianças do colégio Itatiai na Bela Vista levaram brigas até mesmo entre crianças pequenas. As professoras Jerusa Silva e Catarina Ávila Santos durante uma roda de conversa sobre politica na escola. - Rubens Cavallari/Folhapress


Política é assunto de crianças e jovens, sim. Especialistas defendem que o afastamento de crianças e jovens da política é prejudicial. Veja como abordar o assunto:

  • Aproveite a curiosidade: Aproveite as dúvidas que podem surgir para explicar, de forma adequada à idade, sobre o processo eleitoral, democracia e sistemas políticos;
  • Incentive a participação: Entender melhor a participação política é mais fácil em meio a decisões cotidianas. Por exemplo, é possível incentivar a escolha de um representante de turma;
  • Aprender pelo exemplo: É normal que crianças imitem falas de adultos, ainda que não as compreendam. A escola e os pais precisam ensinar convivência, tolerância e respeito a quem pensa diferente.
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.