Educação
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Por Bruno Alfano

Walisson Gomes recusou um convite para trabalhar na Alemanha como consultor na área de segurança cibernética da Bosch, uma das maiores empresas daquele país. Com 24 anos e apaixonado por automação, ele tem trabalhado em projetos das maiores montadoras do mundo e atingiu a meta de ganhar cerca de R$ 10 mil, salário que previa alcançar aos 30 anos. Tudo isso foi possível com uma sólida formação técnica no Instituto Federal de São Paulo (IFSP).

— Comecei a graduação, mas não consegui continuar por conta do volume de trabalho que tem aparecido. Por isso agradeço tanto ao instituto. Tudo o que alcancei foi pelo aprendizado que tive lá — conta Gomes, morador de Suzano (SP) e filho de uma pequena comerciante de bairro que vendia produtos sazonais como pipa e rabiola.

Num cenário em que 80% dos jovens não chegam à universidade e a taxa de desemprego nessa faixa da população é quase sempre o dobro da aferida para a população ativa geral, o ensino técnico aparece como uma excelente transição da vida escolar para a profissional. Segundo especialistas, ela ainda estimula a continuidade dos estudos.

Uma pesquisa recente do Itaú Educação e Trabalho, em parceria com a Fundação Roberto Marinho e a Fundação Arymax, mostrou que pessoas de 18 a 27 anos com ensino técnico completo têm mais chances de estarem ocupadas e contribuindo para o sistema de previdência do que aquelas com apenas o ensino médio completo. Além disso, esses jovens estão em ocupações com contratos formais e em serviços mais sofisticados.

—É urgente olhar para a educação profissional e tecnológica como uma agenda de investimento coletivo, com participação do poder público, do setor produtivo, de educadores e da sociedade em geral, para assegurar oportunidades para os jovens — defende Diogo Jamra, gerente de articulação do Itaú Educação e Trabalho.

O número de matrículas no país, no entanto, tem oscilado. Nos últimos cinco anos, passou de 1,79 milhão, em 2017, para 1,85 milhão, em 2021. Em 2020, porém, houve uma queda de quase 50 mil alunos no ensino técnico no país — mais da metade na rede federal, que tem 330 mil matrículas e vive uma crise de financiamento. Os dados são do Censo Escolar.

De acordo com o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), a rede tem sofrido com perdas e bloqueios. Só neste ano, o corte foi de R$ 184 milhões, o que impacta o pagamento de bolsas, investimento em escolas e até contas básicas, como água, luz e internet.

Egresso da rede federal, Walisson conta que desde muito novo fazia cursos profissionalizantes na área de informática por orientação da mãe, que reservava uma parte do orçamento apertado para a formação dos filhos. Aos 12, ele foi convidado para ser monitor no cursinho, mas a mãe não podia levá-lo todos os dias. Na adolescência, estudava literalmente o dia inteiro: de manhã no ensino médio regular, de tarde no curso técnico de eletroeletrônica e de noite em mais um técnico, de informática, na rede estadual.

— Podem pensar que estudei numa faculdade cara de São Paulo, que tive incentivo financeiro de pais com grana, mas quem acompanhou de perto sabe que foi um processo de formiguinha. Estudei muito e acabei com uma bagagem muito boa — conta.

Expansão maranhense

O Brasil viu seu primeiro programa robusto de ensino técnico ainda no Estado Novo, durante a chamada Reforma Capanema. A Constituição de 1937 previa o ensino “pré-vocacional destinado às classes menos favorecidas”. Na prática, os alunos que não eram selecionados, ainda no ensino fundamental, para seguir a trajetória que os levaria até a universidade poderiam seguir para a preparação para atividades industriais, comerciais, agrícolas ou de formação de professores.

Historiadores da educação chamam essa diferença de caminhos pedagógicos — uma preparação para a universidade e outra para o mundo do trabalho — de “dualismo”. No livro “O ponto a que chegamos”, o jornalista Antônio Gois cita um artigo escrito por Simon Schwarzman, Helena Bomeny e Vanda Costa no qual eles descreviam o ensino técnico, naquele momento, como “um ensino obviamente de segunda qualidade, sobre o qual o ministério colocava poucas exigências”.

A ideia de que universidade e ensino técnico são caminhos distintos ainda persiste no discurso de algumas autoridades do país. Em 2018, ainda como candidato, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a educação profissionalizante afirmando que o jovem brasileiro tem “tara pela universidade”. Essa distinção, no entanto, é combatida por especialistas.

— A condição de técnico garante que a pessoa possa já atuar, tendo renda. Mas a formação precisa abrir os horizontes dos alunos — explica Alex Oliveira, diretor-geral do Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (Iema).

No Maranhão, um estudo de Oliveira na rede estadual aponta que 25% dos egressos foram para o mercado de trabalho, 5% empreenderam e 65% deixam o ensino técnico em direção à universidade — a chamada verticalização. O estado tem ampliado sistematicamente o número de vagas de educação técnica nesta última década. Considerando os últimos cinco anos, foi o que proporcionalmente mais criou novas vagas, quadruplicando de 2,5 mil para 10,9 mil, entre 2017 e 2021.

O modelo, segundo a secretária de Educação do estado, Leuzinete Pereira da Silva, foi inspirado em diversas iniciativas brasileiras que garantem qualidade às escolas públicas: os institutos federais; o Centro Paula Souza, órgão do governo de São Paulo que gere as escolas técnicas naquele estado; e o modelo de educação em tempo integral pernambucano.

Além disso, a expansão das vagas foi realizada no interior do Maranhão, um dos maiores e com mais desafios econômicos no Brasil, levando em consideração a vocação regional e articulado com empresas, explica a secretária. Assim, só neste ano, 16 dos 20 alunos do curso de vulcanização oferecido pelo Iema Itaqui-Bacanga, em São Luís, foram contratados imediatamente após a formatura pela mesma empresa.

— Isso vai transformando a realidade local do estado. São jovens que passam a usufruir eles próprios do que produzem. É a escola contribuindo para o desenvolvimento econômico e fazendo a diferença — avalia.

A volta às salas de aula pode ser o melhor caminho para ingressar no mercado formal de trabalho. E ele tem sido trilhado majoritariamente por mulheres.

Mulheres dominam a formação profissional

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), o ensino técnico é composto predominantemente por alunos com menos de 30 anos, que representam 77,5% das matrículas. Com exceção dos estudantes com mais de 60 anos, existe uma predominância de matrículas de mulheres em todas as demais faixas etárias. A maior diferença observada está na faixa de 40 a 49 anos, em que 62,2% das matrículas são de mulheres.

Uma delas é Elizabeth Almeida Moreno, de 45 anos. Manicure e mãe de três filhos — a mais nova tem 17 anos e já se prepara para o vestibular —, ela decidiu voltar a estudar:

Ensino técnico: Elizabeth Moreno, de 45 anos, resolveu retomar seus estudos e mostra sua mesa de trabalho em sua casa — Foto: Filipe Redondo/Agência O Globo
Ensino técnico: Elizabeth Moreno, de 45 anos, resolveu retomar seus estudos e mostra sua mesa de trabalho em sua casa — Foto: Filipe Redondo/Agência O Globo

— Eu parei com 13 anos porque engravidei. Agora, meus filhos me incentivaram e fui fazer educação de jovens e adultos (EJA). Ali eu peguei gosto.

Animada, seguiu os estudos com um primeiro curso técnico, de técnico em qualidade, no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), e já está no segundo, de telecomunicações.

— Trabalhei a vida inteira, mas nunca tive carteira assinada. Agora eu quero encontrar uma vaga nesse meu novo ramo. Estou procurando estágio — conta a estudante, que ainda tem mais um ano para concluir a formação.

Para Elizabeth, os cursos técnicos não ensinaram apenas um ofício, mas uma nova maneira de enxergar o mundo e suas possibilidades.

— A escola mudou minha visão sobre determinados tipos de coisa. Minha visão para entender do que trata uma notícia que eu leio, do que as pessoas estão falando. Depois do estudo, a sociedade começa a te aceitar um pouco mais, a te ver com outros olhos, não mais como a menina que parou de estudar e começou a fazer unha. Agora tenho uma qualificação. Quero estar sempre me mantendo informada. A escola faz com que você não fique fechada num mundinho só — conta ela, que tem planos para o futuro: — Estudar, estudar e estudar mais um pouquinho. Enquanto tiver perna e aguentar, quero continuar estudando.

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