Ricardo Henriques
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Ricardo Henriques


A aprovação da reformulação da Lei de Cotas na Câmara, na semana passada, foi mais um passo importante (a ser confirmado no Senado) na luta pela democratização do ensino superior. No entanto, precisaremos de um esforço ainda mais amplo para reverter uma tendência preocupante verificada nos últimos anos. Desde finais da década de 90, o ensino superior brasileiro vinha se expandindo com redução de desigualdades. Dados mais recentes, porém, dão sinais de esgotamento desse processo. A partir de meados da década passada, tanto o percentual de jovens de 18 a 24 anos no superior quanto a proporção de negros entre universitários ficaram estagnados. Não fosse o crescimento de cursos privados a distância — com todas as questões sobre sua qualidade — as matrículas nesta etapa já estariam em queda desde 2015. A crise econômica e a pandemia explicam em parte o problema, mas a mera retomada do crescimento, com as mesmas políticas de antes, não serão suficientes.

Precisaremos aprofundar políticas de ação afirmativa. Isso exige, em toda a educação básica, um olhar prioritário para jovens negros, indígenas e de periferias. O objetivo maior é que todos concluam o ensino médio em condições de disputar uma vaga nos cursos universitários mais concorridos (onde o processo de inclusão ocorre de forma mais lenta), caso essa seja a escolha do jovem ao final da educação básica.

Sabemos que é também alta a evasão no ensino superior: entre 2012 e 2021, em média, seis em cada dez alunos desistiram do curso antes de sua conclusão. Aqui precisaremos redesenhar políticas de assistência e financiamento estudantil. Nas públicas, é fundamental recuperar o orçamento de custeio, estrangulado nos anos Bolsonaro, mas há ineficiências que também precisarão ser encaradas com coragem no planejamento de expansão. Nas particulares, o Fies, da maneira como foi conduzido recentemente, resultou em alta inadimplência e expansão desordenada, mas alguma participação estatal no financiamento estudantil segue sendo importante, desde que os principais beneficiados sejam os alunos, e não grandes grupos privados.

Temos também oportunidades de ir além do aperfeiçoamento das políticas já conhecidas. Depois da acertada prioridade dada pelo MEC às questões da educação básica, é possível avançar, por exemplo, no debate sobre a reorganização do ensino superior. A reforma do ensino médio, com as correções necessárias que o MEC começou a sinalizar, pode ser o ponto de partida para uma maior aproximação entre as etapas.

Há diversas formas de avançar nessa direção. Em vários países desenvolvidos, é possível aproveitar em cursos universitários créditos de disciplinas do médio. O marco legal do ensino técnico, sancionado pelo presidente Lula neste mês, inclusive já prevê essa possibilidade, que não precisa ficar restrita apenas à educação profissional. Uma vez definida a organização do ensino médio, os primeiros anos do ensino superior poderiam também ser reorganizados para que espelhem, em alguma medida, as divisões de áreas propostas na reforma do médio.

Esta pode ser uma oportunidade também para voltarmos a discutir, com a devida profundidade, a ideia de ciclos básicos. Nesse modelo, já adotado em diversos países, estudantes escolhem primeiro uma área de conhecimento mais ampla no superior, para só depois decidirem em qual carreira irão se especializar. Com alguma política de ação afirmativa também nessa transição, isso poderia ajudar a ampliar o percentual de alunos de menor nível socioeconômico em cursos mais concorridos, dando mais tempo para adaptação do estudante e permitindo adiar um pouco mais a escolha da carreira.

Por fim, para seguir neste debate, é importante refutar a tese de que o Brasil não necessita mais expandir seu sistema universitário. Marcelo Medeiros, Rogério Barbosa e Flavio Carvalhaes, no estudo “Educação, Desigualdade e Redução da Pobreza no País (Ipea, 2022)”, mostram que a redução da desigualdade pela via educacional só será substancial com a ampliação robusta do acesso dos mais pobres aos cursos universitários, especialmente os mais elitizados. O fato é que temos ainda uma proporção muito baixa de jovens trabalhadores (25 a 34 anos) com ensino superior (23%) na comparação com a média da OCDE (47%). Além disso, as estatísticas do IBGE revelam que ter um diploma universitário continua fazendo muita diferença positiva, em termos de renda e empregabilidade.

Aumentar a inclusão dos jovens mais vulneráveis no superior é não apenas uma dívida histórica que temos com essas juventudes, mas, também, condição para retomarmos uma trajetória sustentável de crescimento econômico no longo prazo, com redução de desigualdades.

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