Brasil Educação

Ensino religioso é alvo de críticas e debate nas escolas do Rio

Secretaria estadual de Educação decide manter educação ‘não confessional’
Adriana Facina preferiu que o filho Raul Luiz não frequentasse as aulas de religião por acreditar que esse é um assunto da família Foto: Paulo Nicolella / Agência O Globo
Adriana Facina preferiu que o filho Raul Luiz não frequentasse as aulas de religião por acreditar que esse é um assunto da família Foto: Paulo Nicolella / Agência O Globo

RIO — Durante as aulas de religião da escola municipal onde estuda, na Zona Norte do Rio, Raul, de 6 anos, fica na biblioteca com uma coleguinha que também não participa da atividade. A mãe, Adriana Facina, acredita que religião é um assunto que deve ser tratado em casa, abordando a diversidade de crenças e não apenas uma fé, como acontece no ensino religioso confessional oferecido pela rede municipal carioca.

— Ele chegou um dia dizendo que tinha “aula de Deus” e fui ver na direção o que era. Aqui em casa não temos religião, mas respeitamos e falamos sobre todas. Ao não fazer isso em sala de aula, parece que só existe uma crença — diz a antropóloga.

Em decisão polêmica, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na quarta-feira que as escolas públicas do país podem continuar a oferecer ensino religioso confessional , permitindo a promoção de apenas uma crença, e que as aulas — de matrícula facultativa — sejam ministradas por representantes de um credo específico. Segundo a Secretaria municipal de Educação, os pais podem optar, caso decidam inscrever seus filhos, por aulas de catolicismo, protestantismo ou de religiões de matrizes africanas.

— Fiquei triste com a notícia do STF. Não acho que o método confessional seja adequado para o Brasil pela nossa história de sincretismo religioso — lamenta o professor de cristianismo Sebastião Lindoberg Campos, da Escola Municipal Júlia Lopes de Almeida. — Em minhas aulas, tento dialogar ao máximo com outras crenças, mas essa não é a realidade de todas as escolas. Já soube de disputas ideológicas dentro de sala de aula.

As rixas, segundo o professor, podem criar divisões dentro da escola. Em quatro anos lecionando na rede municipal, Sebastião lembra de apenas dois ou três alunos que se autodeclararam seguidores de religiões de matriz africana e que, por isso, não quiseram participar das aulas de catolicismo. Para ele, muitos não revelam suas crenças por medo de sofrer preconceito.

Atualmente não existe uma diretriz sobre como o ensino religioso deve ser ministrado no país. Há apenas a garantia pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de que a disciplina deve ser oferecida no ensino fundamental, ainda que a matrícula não seja obrigatória. Desta forma, cada secretaria de educação adota um tipo de prática.

A rede estadual fluminense oferece o ensino religioso não confessional. O secretário estadual de Educação, Wagner Victer, afirma que o manterá dessa forma, independentemente da decisão do STF.

— Funciona muito bem para reduzir práticas de qualquer tipo de intolerância — explica Victer. — Não podemos ter extremismos nem dos que querem o confessional, tentando transformar a escola pública num instrumento de catequese, mas também não podemos deixar de oferecer o ensino religioso.

Atualmente, cerca de 195 mil alunos frequentam a disciplina de ensino religioso na rede estadual. Os professores podem ter formações diversas, como sociologia.

— Todas as religiões estão contempladas, assim como “não religiões", como o ateísmo — explica Maria Beatriz Leal, coordenadora do ensino religioso na rede estadual.

Para a socióloga Neca Setúbal, fundadora e integrante do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, cabe à sociedade evitar a promoção de uma só crença nas escolas. Segundo ela, a religião pode despertar fanatismo e gerar intolerância, por isso diz respeito ao âmbito privado. No entanto, como há previsão de seu ensino na lei, é recomendável adotar uma abordagem mais plural:

— A medida do STF pode vir na contramão da necessidade de um maior diálogo — avalia. — O Brasil é um país com muitas crenças e espiritualidade, e isso precisa ser respeitado. É muito interessante um ensino que apresente as diferentes religiões em termos históricos.

Roseane Santos, 56 anos, tia de uma aluna do 4º ano da Escola Municipal Vice Almirante Paulo de Castro Moreira da Silva, tem opinião diversa.

— Acho bom o ensino confessional. Quando juntamos pessoas de várias crenças numa mesma sala para falar sobre religião acaba gerando confusão.