Ensino profissional transforma vida de jovens no Nordeste

Formação direcionada ao mercado e cursos enxutos são diferenciais que pavimentam entrada no mercado de trabalho

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Salvador

Lorenna saiu de Candeias, região metropolitana de Salvador, para eventos globais de tecnologia. De trabalhador rural atrasado na escola, Jilcélio alçou o mestrado. Valdiléia fez do seu quintal ícone da agricultura familiar.

Os três tiveram suas vidas transformadas por meio de ensino profissionalizante.

Foi no curso de automação industrial do IFBA (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia) que Lorenna Vilas Boas, 23, desenvolveu a paixão pela robótica. Aos 13, egressa como bolsista do Serviço Social da Indústria, já saía da periferia de Candeias às 5h e percorria 50 km até Salvador, para a aula.

Em 2017, selecionada em uma feira de robótica por ter desenvolvido um sistema de localização para deficientes físicos, Lorenna foi à Alemanha e aos Estados Unidos.

Lorena em Candeias (BA), com medalhas conquistadas na área de robótica
Lorenna em Candeias (BA), com medalhas conquistadas na área de robótica - Rafael Martins/ Folhapress

A partir daí, seu passaporte ganhou muitos carimbos. A estudante passou a ser embaixadora no Brasil do movimento global iamtheCODE, cuja meta é formar um milhão de programadoras até 2030. “Esses eventos me fizeram observar que é rara a presença feminina na área de tecnologia, sobretudo de negras.”

Por isso, criou o Clube Digital, com 25 meninas de bairros pobres de Salvador, em parceria com o Projeto Quabales e financiamento de multinacionais e da embaixada dos EUA.

Hoje, faz engenharia elétrica na Universidade Federal da Bahia, é estagiária na Braskem e mentora na ONG Safernet. “O ensino técnico me abriu muitas portas, mas não quero ser exceção à regra.”

Se Lorenna, aos 13, já iniciava o ensino técnico, aos 14, Jilcélio de Almeida estava na 4a série primária, em Miguel Calmon (360 km de Salvador), onde alternava a escola com a lida diária na zona rural, recebendo às vezes R$ 1,50 por dia.

“Tinha vez da gente comer banana verde com leite de babaçu para matar a fome na seca”, conta ele, o sexto de 11 filhos, pais semianalfabetos.

Jilcélio ainda estava na oitava série aos 21. Em 2007, topou com o filho de um fazendeiro a quem prestava serviço, professor na antiga Escola Agrotécnica Federal de Senhor Bonfim (hoje Ifbaiano, Instituto Federal Baiano), que sugeriu a ele prestar concurso para estudar na unidade a 180 km de sua casa.

Jilcélio passou de primeira para o curso de técnico agrícola. Por três anos, sobreviveu com R$ 80 por mês, enviados pela família.“Aprendi a administrar para dividir o aluguel na república, comer à noite e no fim de semana. A escola dava café e almoço”.

Curso completo, foi trabalhar numa empresa de zootecnia, e comprou a primeira geladeira da família para a mãe.

Jilcélio fez licenciatura em ciências agrárias, também no Ifbaiano, onde cursa agora mestrado profissional. Aos 35, leciona em uma escola técnica em Quixabeira. “A formação técnica foi o divisor de águas. Quero fazer doutorado e concurso público. Hoje, minha renda é R$ 2.600. Para o que eu tinha, estou rico.”

A 300 km de Teresina (PI), em Oeiras, a família da técnica em agropecuária Valdiléia Silva, 26, virou modelo de sucesso. Onze irmãos estudaram ou estudam na Escola Família Agrícola de Caldeirões.
Quem puxou a fila foi o mais velho. A partir de uma atividade escolar de cultivo de hortaliças, ele ergueu a base para a atual fonte de renda vinda da agricultura familiar, com piscicultura, caprinocultura, avicultura e fruticultura.

“A educação profissional foi o caminho que encontramos. Viramos referência na região, e famílias que antes mandavam os filhos para outras cidades agora mantêm os jovens no campo, há perspectiva de vida melhor”, diz Valdiléia.

Formação direcionada ao mercado e cursos enxutos são diferenciais que pavimentam a estrada ao mundo do trabalho, diz o superintendente de educação profissional do Piauí, José Barros. O estado tem 53 centros da modalidade, que ‘‘transforma a vida do trabalhador com salário melhor e aquece a economia”.

O IFBA de Salvador atende três mil alunos, em nove cursos no formato técnico integrado ao ensino médio e seis na categoria subsequente. O diretor, Ives Lima de Jesus, diz que o instituto fomenta a formação humana e cultural dos jovens. ‘‘Isso permite a saída da situação de vulnerabilidade e abre caminho ao trabalho e à continuação dos estudos.”

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