Rumos da Economia
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Por Marsílea Gombata — De São Paulo


Cláudia Costin, da FGV: há uma evolução em aprendizagem e em permanência na escola, mas ainda não é o suficiente — Foto: Carol Carquejeiro/Valor
Cláudia Costin, da FGV: há uma evolução em aprendizagem e em permanência na escola, mas ainda não é o suficiente — Foto: Carol Carquejeiro/Valor

O conhecimento repassado aos alunos precisa ensiná-los a pensar. Para isso, é crucial fomentarmos o pensamento crítico, se quisermos nos sobressair em relação a robôs, diz Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceipe). “Não é errado repassar conhecimentos, mas eles têm de ser associados a um processo de ensinar a pensar”, diz. “É preciso cada vez mais fomentar pensamento crítico. É o que vai permitir que nos diferenciemos dos robôs”.

A especialista, que foi secretária de Educação do Rio de Janeiro, diretora do Banco Mundial e integrante da Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho, observa que, apesar do mau desempenho em avaliações internacionais, o Brasil vem evoluindo no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Ela diz, contudo, que a nossa educação ainda está muito aquém do país que somos. “Ainda não está à altura de um país que é o 13º em termos de PIB.”

Leia a seguir trechos da entrevista ao Valor:

Valor: Como avalia as perdas na educação levando em conta o último governo e a pandemia?

Cláudia Costin: São coisas conectadas. O prolongamento da pandemia tem a ver com algumas ações na política sanitária do governo Bolsonaro, e a resposta educacional à covid-19 foi praticamente ausente da parte do governo federal. Criou-se um vácuo, diferentemente de outras repúblicas federativas, como Áustria, Alemanha ou mesmo Argentina, em que o governo assumiu certo protagonismo na articulação dos entes subnacionais para garantir aprendizagem em casa, preparar as escolas do ponto de vista sanitário, priorizar a vacinação de professores ou até deixar refeitórios abertos para alimentação daqueles que estão abaixo da linha da pobreza, algo que o Brasil não fez. As perdas se potencializaram pela concorrência desses dois fatores. E fomos um dos países que mais tempo ficou com escolas fechadas, não só por conta da vacinação, mas pela grande insegurança em relação ao momento certo para voltar.

E, em alguns lugares, o fato de haver prefeitos em 2021 em seu primeiro ano de administração, quando muitos tendem a economizar recursos para deixar obras ou investimentos mais para o fim de governo, não se voltou às aulas quando se poderia. Fui mentora de 50 secretarias municipais e várias reportaram que a prefeitura vizinha não havia voltado até o fim de 2021 ou começo de 2022 para cortar gastos em educação. As perdas foram grandes, tanto em aprendizagem medida em 2021, quanto na evasão escolar. Houve perdas importantes nos anos Bolsonaro, e elas só não foram maiores porque o Conselho Nacional de Secretários de Educação [Consed] se organizou para haver trocas entre os secretários. A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação [Undime] também. Essas associações acabaram ocupando o vácuo deixado pelo governo federal. [Isso] não substitui o governo, mas foram mitigados alguns danos.

Valor: Quais os focos emergenciais da educação básica? É possível recuperar o que foi perdido?

Cláudia: Não gosto da narrativa de geração perdida, quando se varrem os problemas para debaixo do tapete, fingindo que não houve perda de aprendizagem. Houve, são graves e levará anos para recuperá-las. Dá para recuperar, mas tem de ter intencionalidade forte.

Alguns municípios e governos estaduais fizeram coisas muito interessantes, como usar férias para pegar crianças que perderam mais em aprendizagem, algumas porque estão abaixo da linha da pobreza - e aí junta a questão da alimentação com a da alfabetização, onde houve maiores danos. Temos alunos de 4º e 5º anos não alfabetizados. Criar sistemas de recuperação de aprendizagem é muito importante. Outra estratégia que vem sendo adotada na Europa e nos EUA se chama “teaching to the right level”, que é agrupar algumas vezes por semana alunos em uma sala para recuperar aquilo que foi perdido em português e matemática. Essas estratégias vêm tendo um olhar do governo federal, que finalmente está voltando a ter interlocução com Consed e Undime.

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Valor: Quais as medidas mais relevantes no que vem sendo feito?

Cláudia: Foram lançadas iniciativas voltadas ao resgate da alfabetização. Outra coisa que vem sendo feita agora é a retomada de um incentivo forte para o tempo integral. Países do mesmo nível educacional que o Brasil têm de sete a nove horas de aula por dia, e nós estávamos caminhando com quatro. Isso é insuficiente, especialmente na nova estratégia de ensino de uma educação mais mão na massa e menos de despejar conteúdo na cabeça do aluno, com o aluno copiando e devolvendo [o que aprendeu em uma prova], naquilo que Paulo Freire chamava de educação bancária - ou seja, você deposita na cabeça do aluno e saca em uma prova. Isso não faz mais sentido em tempos de ChatGPT. O aumento do repasse para alimentação também merece destaque. Voltamos ao mapa da fome, e a escola é um dos lugares [para se combater isso]. Uma das estratégias de segurança alimentar que o Brasil construiu ao longo dos anos foi a merenda escolar.

Valor: Sobre a educação mão na massa, deveríamos ter mais construtivismo e menos conteudismo?

Cláudia: O que importa são competências, porque incluem conhecimentos. Não é errado repassar conhecimentos, mas eles têm de ser associados a um processo de ensinar a pensar. Hoje, em que robôs substituem postos de trabalho, é preciso cada vez mais fomentar pensamentos crítico, sistêmico, histórico, matemático e científico. É o que vai permitir que nos diferenciemos dos robôs. O construtivismo é muito importante em educação, mas houve no Brasil uma tradução da expressão para a alfabetização, de que ela é inata no ser humano, que aprender a ler é simplesmente colocar a criança em ambiente letrado que ela aprende. As pesquisas não confirmam isso. Não é inato, tem de ser ensinado.

Cabe ser conteudista nos dias de hoje? Não mais, isso não faz mais sentido. Mas não quer dizer que não devemos ensinar os conhecimentos e o conteúdo de cada disciplina. Temos de pôr as disciplinas em diálogo, não as extinguir.

Valor: A senhora disse recentemente que os grandes desafios estão nas práticas pedagógicas. Por quê?

Cláudia: A estratégia de ensino é fundamental. Há um saber associado ao como ensinar. É importante, especialmente em um país em que sete de cada dez professores são formados por educação à distância, que a gente olhe com a mesma seriedade para a formação de professores com que se olha a de médicos. Precisamos atrair e reter para a profissão de professores. Isso passa por salários, mas também por formar para a prática.

Valor: Em relação à avaliações, o Brasil vai mal em comparação aos países da OCDE e aos seus vizinhos. Quais índices, de fato, importam?

Cláudia: O Pisa, que permite comparar sistemas educacionais, porque é baseado nas competências que um aluno tem aos 15 anos para ter uma vida adulta significativa, tanto do ponto de vista de trabalho, quanto do da cidadania.

Mas o Saeb, avaliação que o país faz a cada dois anos, dá indicativos importantes. O Brasil vem melhorando a cada edição. É importante não entrar na narrativa de que o Brasil é um desastre. Se olharmos o Saeb de 2019, melhoramos de apenas 39% com aprendizagem adequada para leitura no 5º ano para 61%. Em matemática, passou de 19% para 52%. Há uma evolução em aprendizagem e em permanência na escola. Mas ainda não está à altura de um país que é o 13º em termos de PIB. Vamos ter de avançar mais e mais rápido.

Valor: E o novo ensino médio?

Cláudia: O MEC foi ausente na gestão anterior, inclusive na implementação do novo ensino médio. Cada Estado acabou implementando-o como achava certo, e alguns deixaram as escolas soltas para definir. Alguns Estados fizeram 20 itinerários formativos, e é muito confuso implementar tantas áreas de aperfeiçoamento. Outros fizeram quatro. Aconteceram outras disfunções, como a ideia das 1.800 horas como valor bruto de carga horária. Algumas coisas merecem aperfeiçoamento.

Valor: Temos de ampliar o ensino técnico profissionalizante? Isso não significa menos ambição por mais ensino universitário de qualidade?

Cláudia: Um não invalida o outro. Pode-se pensar em ser técnico em uma determinada área para depois fazer universidade na área correspondente. Por exemplo, ser técnico em mecatrônica e virar um engenheiro mecatrônico, inclusive com créditos do ensino médio reconhecidos no ensino superior.

Hoje, 80% dos alunos do ensino médio terminam um curso que é preparatório para o ensino superior, e não vão para ele. Temos de preparar as pessoas para a vida, e a vida inclui o mundo do trabalho.

Valor: Qual o futuro da educação? Estamos preparados para ele?

Cláudia: O futuro está associado a formar capital humano para a quarta revolução industrial e cidadãos capazes de se informar e se preparar para um mundo em que a cidadania se mantém frágil e, portanto, propensa a ser capturada por todo tipo de populismo.

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