Opinião

Ensino médio sem aberração

Maioria termina sem saber um mínimo de matemática e de linguagem, e fica com título que lhe serve de muito pouco na vida

A poucos meses das eleições, antes que o governo termine, o Ministério da Educação se mobiliza para organizar o novo ensino médio, reformado pela Lei 13.415, de fevereiro de 2017. Há pouca clareza, no entanto, sobre como isso será feito, e muitas críticas baseadas em pouca informação sobre o problema e possíveis encaminhamentos.

A necessidade da reforma é clara: dos jovens que têm hoje 25 anos, 13% completaram o ensino superior, 15% ainda estão estudando neste nível, 41% só completaram o ensino médio, e 31% não chegaram lá. Todas as escolas preparam para um exame único, o Enem, que obriga todos a estudar um monte de matérias que serão esquecidas no dia seguinte, e só beneficia um pequeno número que consegue entrar nas universidades públicas ou se beneficiar das bolsas do Prouni. Dos que entram em uma universidade, pública ou privada, metade abandona antes de terminar. Entre 2004 e 2014, o Brasil triplicou os investimentos por aluno no ensino médio, mas a qualidade permanece estagnada: a grande maioria termina sem saber um mínimo de matemática e de linguagem, e fica com um título que lhe serve de muito pouco na vida.

A lei da reforma tentou juntar propostas que já vinham sendo elaboradas pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, liderada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) e pelo Conselho de Secretários Estaduais de Educação, e acomodar diferentes pontos de vista que foram se manifestando nos debates da proposta inicial, apresentada como medida provisória. Ficou meio tosca, mas algumas coisas importantes foram aprovadas:

Ao invés de obrigar todo mundo a estudar tudo, os estudantes passam a se aprofundar em determinadas áreas (os “itinerários formativos”), a partir de um conjunto mínimo de áreas comuns de formação.

O ensino técnico de nível médio, que até hoje tem sido uma área adicional ao currículo tradicional, passa a ficar dentro, como um dos itinerários de formação.

Ao invés de organizar o currículo por matérias e aulas tradicionais, os conteúdos passam a ser estabelecidos por grandes temas e competências.

O tempo de aula, que hoje é de quatro ou até menos horas por dia, passa a cinco horas e, na medida do possível, para tempo integral.

Com isso, o ensino médio no Brasil deixa de ser uma aberração e se torna mais parecido com o que ocorre no resto do mundo. Para que isso funcione, existem muitas coisas que precisam ser feitas. Primeiro, definir com clareza qual é a parte comum e quais as principais trajetórias, ou itinerários formativos, que os alunos podem seguir. O documento da Base Nacional Curricular Comum publicado meses atrás pelo MEC tentou fazer parte disso, mas não ficou bom. Segundo, substituir o atual Enem unificado por um conjunto de provas distintas a serem feitas pelos alunos conforme suas trajetórias e expectativas de estudo. Terceiro, fortalecer o ensino técnico e profissional de nível médio, que pode ser a melhor opção para muitos, mas não pode ser um beco sem saída para quem queira continuar estudando. Quarto, acabar efetivamente com o ensino médio noturno, que não funciona na prática e ainda é a realidade de 25% dos alunos.

Mais complicado do que tudo isto será mudar a cultura das escolas e a prática tradicional de nossos professores, de que a educação se reduz a horas de aula com os mestres falando e os alunos repetindo. No novo ensino médio, devem preponderar o aprofundamento dos temas, o desenvolvimento de projetos, os altos padrões de exigência e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que nem todos podem fazer de tudo, mas cada um deve poder fazer o melhor dentro de suas escolhas e suas possibilidades.

O MEC e o Conselho Nacional de Educação fazem bem em querer terminar este ano com pelo menos as linhas mestras do novo sistema já esboçadas. Mas é importante entender que este é só o começo de um longo processo, que precisa ser acompanhado de outras reformas, não menos importantes, na educação pré-escolar, fundamental e superior.

Simon Schwartzman é cientista político

N. da R.: Dorrit Harazim volta a escrever dia 26