Brasil Educação Enem e vestibular

Enem terá prova diferente para candidatos com deficiência auditiva

Exames em vídeo com enunciados em libras serão aplicadas em 5 e 12 de novembro
Alunos do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) fazem simulado para o Enem Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Alunos do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) fazem simulado para o Enem Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO- O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) terá uma novidade neste ano que fará com que sejam aplicadas, para grupos diferentes, duas provas com questões distintas. Candidatos com deficiência auditiva poderão, pela primeira vez, fazer a avaliação com o apoio de vídeos que narram os enunciados na língua dos sinais — o que ocasionou a elaboração de dois exames distintos, mas que também serão aplicados nos dias 5 e 12 de novembro.

— Foram escolhidas questões com enunciados mais objetivos e que não demandem conhecimento auditivo prévio dos candidatos. O nível deste exame será igual ao de todos os outros que realizarão a prova nos mesmos dias — relata Eunice Santos, diretora de Gestão e Planejamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia federal que organiza o Enem.

Ao todo, foram 6,7 milhões de inscrições confirmadas para a prova federal. Quem precisava de qualquer recurso de acessibilidade teve que fazer o pedido no ato da inscrição, com laudo médico, e não poderá requisitar no dia da aplicação das provas, como acontecia em alguns casos nos anos anteriores.

A questão da segurança também foi avaliada para que o Inep decidisse pelas duas provas.

— O nível de segurança e sigilo das provas é o mesmo, não muda. Mas, caso ocorra algum problema com este novo tipo de prova, o impacto não será em milhões de candidatos — pondera Eunice.

Apesar de conseguirem ler em português, esta não é a língua fluente para a maioria dos surdos. Por este motivo, é necessária uma avaliação que contemple a língua brasileira dos sinais (libras).

— Pensa em uma pessoa que saiba japonês e tem o português como segunda língua. É isso. Você pede para que ele resolva 180 questões com texto base, alternativas e enunciado em uma língua que não é a dela — exemplifica André Lima Cordeiro, professor de Espanhol do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines). — Um surdo vai escrever tendo a estrutura de pensamento em libras e não em português. Na escrita, ele vai ter o mesmo problema. Enquanto você compõe uma frase, por exemplo, pensando são “sete horas”, ele vai estruturar como “horas sete”.

ESCOLA JÁ SIMULA MODELO

André foi um dos coordenadores que elaborou um simulado para que sua escola, especializada neste grupo, treinasse seus alunos para o exame. Os professores fizeram questões que foram filmadas na língua de sinais e transferidas para dispositivos individuais para que os estudantes as assistissem e respondessem.

A aluna Mariana Rios, de 20 anos, foi uma das que fez o simulado e pediu este recurso para o exame oficial. Igual a ela, outros 1.634 candidatos também pediram e outros 1.357 requisitaram um intérprete de libras ao vivo.

— Existem muitas palavras que a gente não conhece. A prova em libras ajuda por isso. Já não foi fácil fazer a prova com este recurso, mas é muito mais difícil sem ele — conta a aluna, que sonha fazer faculdade de Matemática para lecionar também para alunos surdos.

Mariana é do Ceará, mas já está há quatro anos morando na Rocinha. Luiz Henrique, seu colega de classe de 24 anos, também frequenta o instituto para se preparar para o exame e mora em outra comunidade, a Mangueira. Diariamente, os dois se deslocam até o bairro de Laranjeiras para estudar para as quatro provas de áreas de conhecimento distintas e a redação.

— O simulado, para mim, foi muito bom, foi mais perto do que considero normal. Algumas sinalizações não estavam claras, alguns sinais eu não conhecia, mas a maior dificuldade mesmo é a redação — conta Luiz Henrique.

O professor André Lima Cordeiro diz que esta prova é uma constante reescrita para candidatos surdos.

— Uma coisa é preparar para o conteúdo, outra é para dinâmica da prova. Na redação, primeiro ele tem que estruturar seu pensamento, depois como seria em libras para passar para a formatação do português. É um trabalho muito maior e com diferentes esforços.

Nem todo o exame estará disponível em libras. Os textos que servem como base da questão da prova de Linguagens e suas Tecnologias (incluindo os itens de língua estrangeira) deverão ser lidos na forma impressa, mas terão seus enunciados e alternativas traduzidos em vídeo.

— Uma das habilidades que a prova exige é a da leitura. Isto para todos os candidatos. Por este motivo, estes textos devem ser lidos. O que muda é que nas questões escolhidas, a leitura será mais objetiva. Mas esses itens são de um banco já aprovado e que poderia estar na outra prova sem problema — afirma Eunice, do Inep.

O instituto disponibilizou 60 questões em seu site com o mesmo modelo que será aplicado em novembro. Nele, o Inep afirma que a iniciativa ainda está em “caráter experimental”, mas para Giovany Teixeira, de 25 anos e morador da Lapa, esta novidade tem que ser regular.

— Para quem é surdo, esta é uma forma da gente conseguir o acesso à universidade. Sem isso, fica quase impossível — afirmou o estudante que sonha em cursar História.

Neste ano, outra novidade é que os cadernos de questões serão personalizados com o nome e o número de inscrição do participante. Ou seja, desde a impressão do exame, o material já vai estar direcionado a um candidato específico em uma das mais de 182 mil salas de provas distribuídas em 1.725 cidades Para os candidatos surdos, foram produzidos 8.508 DVDs de videoprova.

CONCURSO MAIS INCLUSIVO ESSE ANO

Não são só os candidatos surdos que terão recursos de acessibilidade no Enem. A organização também prevê provas ampliadas para pessoas com baixa visão, auxílio transcrição para participantes incapacitados de escrever, ajuda na leitura, mobiliário mais acessível, sala de fácil acesso para quem tem locomoção reduzida, tradutor para quem não quiser utilizar os vídeos com a narrativa das questões em libras, além de tempo adicional de prova. Os profissionais que auxiliam na prova ficam restritos à descrição do conteúdo do exame e não podem fornecer nenhum outro tipo de ajuda, nem mesmo na interpretação de dúvidas em textos. Para poder atuar como um deste mediadores é necessário já ter feito o mesmo trabalho em outros dois concursos.