Brasil Educação

Enem: revisão de questões de 'fundo ideológico' pode comprometer qualidade

Especialistas temem que comissão criada para excluis ritens que expressem 'ideologia de gênero' possa prejudicar prova
RI Rio de Janeiro (RJ) 11/11/2018 - ENEM 2018. Estudantes chegam a unidade Maracana da Universidade Veiga de Almeida para prestarem a segunda parte do exame. Foto: Leo Martins / Agencia O Globo Foto: Leo Martins / Agência O Globo
RI Rio de Janeiro (RJ) 11/11/2018 - ENEM 2018. Estudantes chegam a unidade Maracana da Universidade Veiga de Almeida para prestarem a segunda parte do exame. Foto: Leo Martins / Agencia O Globo Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO- A decisão do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de instituir uma comissão para revisar o Banco Nacional de Itens, de onde são extraídas as questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), repercutiu mal entre educadores. De acordo com especialistas, a medida é "grave" e pode até mesmo colocar em risco a excelência da avaliação.

Nesta quarta-feira, O GLOBO revelou que o Inep pretende criar uma comissão composta por quatro pessoas, sendo dois representantes do Ministério da Educação (MEC), um do próprio Inep e um da sociedade civil, para fazer uma devassa nos itens que subsidiam as avaliações do país da educação básica ao ensino superior.

— O principal problema é técnico. Leva-se muitos anos para construir um banco de itens consolidado e que garanta o direito a uma avaliação justa para todos. Criar uma comissão como essa vai restringir a qualidade das questões. Isso é muito grave. Além do que o projeto não está claro, não está aberto — criticou Cleuza Repulho, que é especialista em Educação.

Ela destaca que a construção do banco de itens é complexa e que interferir nesse processo pode macular o Instituto e comprometer a qualidade dos exames:

— Há pessoas de todo país contribuindo para esse banco, não é um grupo pequeno. São pessoas que mantém o sigilo para garantir a qualidade das questões. O Inep é um órgão respeitado no mundo, que tem uma história. Não está em jogo uma questão ideológica e sim uma questão de qualidade da avaliação.

Além da qualidade dos testes, outra preocupação apontada pelos pesquisadores é o fato de questões que promovam de alguma maneira a igualdade sejam encaradas pelo governo como algo negativo, sob uma perspectiva de "doutrinação". Nesse sentido, a educadora Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que o governo está desalinhado com as tendências internacionais.

— O governo de um país do tamanho do Brasil levar a sério essa ideia falsa de "ideologia de gênero" é completamente absurdo e beira o ridículo, se colocado em perspectiva internacional. Qualquer país do mundo que se diga minimamente progressista tem políticas voltadas à igualdade de gênero e ao combate às discriminações. Isso está previsto em diversos tratados internacionais e também é meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, agenda pactuada pelo Brasil na ONU — afirmou.

Pellanda criticou ainda o fato de a comissão ser composta por um grupo restrito, o que, na opinião dela, dá margem para falta de transparência.

— A construção de uma comissão formada por quatro pessoas, de forma sigilosa, sem alguma transparência e ainda por cima para fazer um processo de controle e censura de governo a uma política de Estado histórica e de sucesso como é o Enem é altamente preocupante, nada democrático e de uma fragilidade institucional sem medidas — disse.