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Enem em risco: entenda como debandada de servidores atinge quatro de seis pilares do Inep

Servidores do Inep e ex-presidentes do órgão apontam diretorias de órgão que foram abaladas e se preocupam com prova a ser aplicada nos dias 21 e 28 de novembro que já está impressa e distribuída
Danilo Dupas Ribeiro, novo presidente do Inep Foto: Divulgação/ABMES
Danilo Dupas Ribeiro, novo presidente do Inep Foto: Divulgação/ABMES

BRASÍLIA E RIO - A debandada dos servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), na última semana, atingiu o coração do órgão. Os 37 servidores que pediram exoneração nos últimos dias estão distribuídos entre quatro das seis diretorias que são os pilares do instituto. A atuação desses servidores abrange áreas estratégicas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), colocando em xeque não só o monitoramento da avaliação deste ano, mas sua próxima edição.

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As funções vão desde a preparação dos itens e montagem das provas até a sua distribuição e o atendimento ao participante; passando pela coordenação e treinamento dos aplicadores do exame. Os servidores também estão envolvidos em outros cargos estruturantes, como atribuições responsáveis pelo acompanhamento e fiscalização dos contratos que colocam a prova de pé.

Servidores do Inep e ex-presidentes do órgão apontam que, neste momento, a prova que será aplicada nos dias 21 e 28 de novembro já está impressa e distribuída. Por isso, na avaliação deles, os maiores riscos são de problemas inesperados que podem surgir — o que não é incomum.

— Esses problemas chegariam até aos coordenadores que têm experiência para tomarem decisões de como resolvê-los. Agora, sem eles, não sei com quem o atual presidente, que nunca fez esse trabalho, poderá contar — avalia um ex-presidente do instituto.

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Esta é a maior crise interna vivida pelo Inep em sua história, segundo ex-presidentes da autarquia. A situação ganha contornos ainda mais graves por ter impacto sobre o Enem, principal exame desempenhado pela instituição e que desde 2009 passou a ser a principal via de acesso ao ensino superior no país, reunindo ao longo de 13 edições 78,4 milhões de inscritos.

Servidores ouvidos pelo GLOBO, que ajudaram a cruzar os pedidos de exoneração com as funções desempenhadas no Inep, opinam que com a reação ao presidente da autarquia, Danilo Dupas, tão pulverizada, dificilmente ele terá condições de gerir o órgão caso permaneça no cargo. Na última quarta-feira, ele tentou se reunir com os funcionários, mas recebeu uma negativa.

Entre aqueles que colocaram o cargo à disposição estão pessoas que atuam na logística cuidando da distribuição das provas e do monitoramento da operação do Enem. Caso seja registrado algum incidente ao longo da preparação do exame ou em sua aplicação, essas pessoas devem agir para corrigir esses problemas. No caso de necessidade de interrupção da aplicação da prova por um evento como a queda de energia, por exemplo, cabe a esses servidores definir como o problema será conduzido.

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Há ainda funcionários ligados à preparação dos editais do exame, que são aprimorados de uma edição para a outra a partir das experiências colhidas ano a ano. Uma das coordenadoras que pediu para sair era responsável pelo canal de atendimento ao candidato 0800 do Inep. Sem ela, na avaliação de funcionários do instituto, há riscos até de informações serem passadas de forma equivocada aos inscritos.

Problemas para o futuro

Outro ponto sensível afetado pela crise é a equipe responsável por preparar questões que vão compor as provas, montar as avaliações e realizar pré-testagem antes que um item passe a integrar o exame do próximo ano. Por fim, há ainda servidores que coordenam a fiscalização criteriosa dos contratos firmados pelo Inep para garantir que a legislação seja respeitada e que não sejam cometidos atos de improbidade.

Os técnicos desempenham essas mesmas funções em outras avaliações de peso feitas pelo órgão, como o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), que avalia o rendimento dos estudantes de graduação e será realizada hoje, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), e o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), o Celpe-Bras, um exame para certificar proficiência em Língua Portuguesa.

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Coordenadores que lidam com exames internacionais, como a aplicação do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) no Brasil, também figuram na lista dos pedidos de exoneração. Mesmo a estrutura básica para que o Inep continue operando pode ser afetada com a saída de servidores que cuidam da infraestrutura de Tecnologia da Informação do órgão, responsável pela rede de computadores do Inep e da gestão de pessoas do órgão.

— Não há condição de governabilidade para o presidente do Inep por causa do clima instalado de desconfiança e insegurança por parte dos servidores. Além de membros das quatro diretorias, tivemos inclusive servidores do gabinete que entregaram denúncias de assédio moral — afirmou Alexandre Retamal, presidente da Associação de Servidores do Inep (Assinep). — Todo Inep está envolvido num clima em que os servidores não confiam no presidente, por conta disso digo que não há possibilidade de que ele continue no cargo.

A Assinep encaminhará até quinta-feira denúncias formais contra Danilo Dupas à Controladoria Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU). O documento será feito pela assessoria jurídica da associação e reunirá relatos das denúncias dos servidores sobre os casos de assédio moral por parte do presidente do órgão.

De acordo com servidores ouvidos pela reportagem, a apresentação de Dupas na Comissão de Educação da Câmara, na última quarta-feira, serviu apenas para aprofundar o fosso entre a presidência e os técnicos do instituto. Isso porque, na opinião deles, ficou claro o despreparo de Dupas ao ficar lendo papeis e mensagens repassadas por seus assessores, sem demonstrar conhecimento sobre o trabalho no Inep. Diante do cenário, o presidente se viu isolado no órgão, com apenas poucos assessores próximos apoiando sua gestão.

Durante assembleia na quinta-feira, ao longo de quatro horas, entre outros temas, os servidores discutiram se seria o caso de desconsiderá-lo presidente por iniciativa própria, mas a ideia acabou sendo deixada de lado devido às legislações que regem os funcionários públicos e princípios ligados à hierarquia. Cerca de 120 servidores participaram da reunião.

Após o encontro, foi divulgada uma nota na qual os funcionários do órgão se disponibilizavam a se reunir com Dupas desde que todos os servidores pudessem comparecer e tivessem direito à fala. Na quarta-feira, Dupas chegou a convidar a Assinep para uma reunião, mas a iniciativa foi vista como uma tentativa de “emparedar” os servidores, ao reunir, no mesmo encontro, assessores diretos do ministro da Educação, como o chefe de gabinete do MEC, Djaci Sousa.

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— O presidente perdeu completamente as condições de governabilidade frente aos servidores diante da pífia apresentação que fez no Congresso. Ele não reúne mais condições de estar à frente do Inep — disse ao GLOBO um servidor do instituto.

A “fritura” de Dupas esquentou ainda mais depois que veio a público um ofício encaminhado internamente pelo diretor de Avaliação da Educação Básica, Anderson Oliveira, responsável pelo Enem, em apoio aos servidores.

Como O GLOBO mostrou, Oliveira prestou solidariedade aos servidores do órgão e endossou suas reivindicações. Segundo ele, há um cenário de escassez de mão de obra no instituto, o diretor afirma que caso haja sobrecarga de trabalho, políticas como o Enem Digital serão afetadas.

Denúncias

Há pouco mais de uma semana, os servidores do Inep começaram a denunciar o presidente da autarquia por assédio moral, censura e má conduta à frente da instituição. Em manifesto, os funcionários afirmam que o “medo é a tônica” na instituição. Entre os relatos, eles apontam interferências da presidência em conteúdos produzidos pelos servidores, alterações de documentos no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), trocas de servidores de funções. Os funcionários afirmam, ainda, que o presidente se nega a assumir funções sob sua responsabilidade.

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Nos próximos dois domingos, o Enem será realizado nas versões impressa e digital. Em 9 e 16 de janeiro, haverá mais uma aplicação que atenderá pessoas privadas de liberdade e, neste ano, quase 300 mil alunos que não tiveram direito à gratuidade e se inscreveram depois que MEC foi obrigado pelo STF a reabrir o prazo.

— Essa é uma aplicação preocupante também. Normalmente, tem cinco mil pessoas fazendo essa prova e o tempo para corrigi-la e entregar seus resultados é muito exíguo — afirmou um ex-presidente do instituto.

Além do Enem e do Enade, o Inep está às voltas com uma intensa agenda de avaliações até o fim do ano. Entre novembro e dezembro, também está programada a aplicação Saeb 2021, uma das operações mais complexas e importantes do instituto. A prova mede o desenvolvimento das escolas brasileiras num momento fundamental pós-fechamento das salas de aula e seus resultados vão compor o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A previsão é que cerca de 6,8 milhões de alunos sejam avaliados até 10 de dezembro em todos os municípios brasileiros.

O GLOBO questionou o Inep e o MEC sobre a crise no instituto e a permanência de Dupas à frente do órgão, mas não obteve resposta. Na última segunda-feira, o governo anunciou que o cronograma do Enem está mantido e não será afetado pelos pedidos de exoneração em massa no Inep.