Brasil Enem e vestibular

Enem: dobrar número de salas é caro e diminuir questões prejudica prova, dizem especialistas

Inep estuda as duas medidas para aplicar o novo Enem com mais segurança
Aglomeração não era problema no Enem de 2019 Foto: Marcelo Theobald/10.11.2019 / Agência O Globo
Aglomeração não era problema no Enem de 2019 Foto: Marcelo Theobald/10.11.2019 / Agência O Globo

RIO - As duas soluções estudadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para aplicar o Enem com mais segurança tem problemas em suas concepções, avaliam especialistas em avaliação. O GLOBO revelou no fim de maio que o órgão pode reduzir a quantidade de itens na prova para aplicá-la em apenas um dia ou reduzir o número de estudantes dentro de sala de aula , o que precisaria do dobro do número de salas.

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No entanto, a primeira alternativa, que não tem muita adesão dentro do órgão, comprometeria a qualidade da prova e a segunda teria o custo muito elevado — podendo passar dos atuais R$ 537 milhões gastos no Enem para a casa dos R$ 900 milhões.

Atualmente são 45 questões para cada uma das quatro áreas: Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza, além da redação. A equipe do Inep avalia cenários que giram de 25 a 35 questões por área. Especialistas em avaliação, porém, consideram esse número baixo demais para conseguir com precisão as gradações de desempenho dos estudantes.

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— Se diminuir até 40, ok. Mas não pode ser 30, 25 questões. Vai cair o nível da prova. Quando você está avaliando o aluno num processo de seleção tem que ter uma medida bem precisa. Alunos com proficiência diferente tem que ter nota diferente. A prova tem que discriminar isso para ser justa — defende Dalton Francisco de Andrade, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e um dos maiores especialistas do país em teoria de resposta ao item (TRI), o modelo matemático usado para a correção do Enem.

As 45 questões foram estabelecidas em 2009 após um estudo do Inep, que teve a participação de Dalton. Naquele momento, a prova deixava de ser usada para avaliação do sistema de educação brasileira no ensino médio para se aprofundar como um grande vestibular nacional.

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— O calendário das universidades está atrasado. As aulas não vão retornar amanhã. Então, o primeiro semestre de 2021 só vai começar no meio do ano que vem. Não precisa ter pressa para fazer esse Enem — defendeu Dalton. — Espera para quando for possível.

Ex-presidente do Inep (2016-2018), Maria Inês Fini afirma ser um “verdadeiro absurdo” diminuir o número de questões. A pedagoga também vê com ceticismo a possibilidade de dobrar o número de salas utilizadas.

Isso porque o custo de aplicação é o maior para a realização do Enem e, segundo ela, este também dobraria nesse cenário. Fini explica que, dos R$ 537 milhões gastos no Enem do ano passado, R$ 412 milhões foram com aplicação de prova. São quase 400 mil trabalhadores e 148 mil salas de aplicação.

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— Com certeza esse custo de aplicação dobraria porque não há aplicação em salas com menos de 35, 40 alunos, que em geral preenchem todo o espaço das salas. Só o que não aumentaria era o custo de impressão, que é cerca de R$ 70 milhões — afirma.

Fini defende a ideia de que o exame seja adiado por tempo indeterminado. Segundo ela, é um “absurdo” pensar em aplicar o Enem em dezembro ou janeiro, como prevê o plano do MEC.

— O ano letivo de 2021 também não começará da mesma forma que o natural para as universidades brasileiras. Só marcaria o Enem depois que as escolas conseguirem repor as aulas. É preciso esperar uma certa volta da normalidade — aponta.

Presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), Maria Helena Guimarães afirma que não cortaria o número de questões. Segundo ela, o Inep precisa dialogar com as universidades para encontrar uma solução.

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— Se dobrar o número de salas, com certeza vai aumentar o valor da aplicação. Mas eu não diminuiria o número de questões. O Enem tem uma matriz curricular que os alunos estão seguindo — diz Guimarães. — E que tipo de adequação da prova as universidades aceitariam tendo em vista que o Enem é usado pelo Sisu? O Inep precisa conversar com as federais até para saber se elas vão adiar o calendário já que as aulas estão paradas.

Já Wagner Rezende, professor e pesquisador do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF), afirma que o MEC precisa articular com os estados a garantia de que os alunos aprendam o que está estabelecido nos currículos.

— Não tem que haver mudança no teste para viabilizar o Enem. O problema é a garantia da finalização do ensino médio para marcar o exame — defende.

O  Inep foi procurado, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Redação

Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, entidade que representa as mantenedoras de ensino superior privado no Brasil, aponta que o setor preocupa-se com o cumprimento do calendário escolar. Ele diz que entende o adiamento da prova do Enem para não prejudicar alunos das escolas públicas que estão sem estudar neste período de pandemia, mas propõe mudanças estrutura do exame para que os resultados sejam obtidos mais rapidamente.

— A primeira mudança que a gente sugere é que a prova do Enem seja refeita de uma forma mais leve e que permita uma correção muito mais rápida. Se ela, por exemplo, passar de dois para um dia, já é um avanço porque você tem menos prova para corrigir — afirma.

Outra sugestão das universidades privadas é eliminar a redação da prova do Enem. Segundo ele, a questão é polêmica, mas precisa ser discutida. O setor pede celeridade porque, em geral, os alunos esperam todo o processo de seleção das universidades públicas para, só depois disso, se matricularem em instituições privadas.

— Pode parecer um absurdo, mas vamos lembrar que estamos num momento extremamente excepcional. O que não pode é adiar o Enem em 30 dias e depois esperar mais 60 dias para corrigir a prova, para aí entrar no processo de Sisu, Prouni e assim por diante. Isto é inviável, porque assim não vamos conseguir cumprir o calendário letivo no ano que vem — diz Capelato.

Ex-diretora de educação do Banco Mundial, Claudia Costin defende que, para que a próxima edição do Enem seja minimamente justa, é preciso que os candidatos tenham tido pelo menos quatro meses de aula. Ela afirma ainda que um exame sem redação traria grande prejuízo à avaliação dos candidatos:

— Uma competência fundamental para a vida universitária é a capacidade de se comunicar por escrito, e ela é medida pela redação. Nas faculdades americanas mais prestigiadas, a redação é o que define a admissão do candidato.

Lucas Fernandes, gerente de estratégia política da ONG Todos pela Educação, também vê problemas em diminuir o número de questões.

— Isso pode aumentar a margem de erro da escala de avaliação (que leva em consideração não apenas o nível de dificuldade da questão, como também se ela foi respondida correta ou incorretamente pelos demais candidatos). Em cursos mais concorridos, é ela quem decide quem entra ou não nas vagas ofertadas — explica.

Para a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), o cenário atual do novo coronavírus não permite apontar uma data ideal para a realização da prova, que inicialmente estava marcada para novembro.

A presidente da entidade estudantil, Rozana Barroso, diz que esta e outras decisões deveriam ser tomadas por uma comissão a ser formada por profissionais da saúde e representantes do MEC, do Inep, dos estudantes e dos professores do ensino básico e superior.

— Respeitamos e acreditamos na ciência e por isso é essencial que qualquer medida a ser tomada seja embasada nos estudos. O adiamento deve ser debatido de forma responsável, e essa comissão pode estabelecer como vai se dar a realização do Enem. Não falamos apenas de uma prova, mas de sonhos da juventude brasileira. Eu, por exemplo, sonho em ser a primeira pessoa da minha família a ingressar em uma universidade — diz Barroso, aluna de um pré-vestibular comunitário.

Soluções no mundo

Um levantamento do Instituto Unibanco, publicado no último dia 11, apontou que apenas cinco de 27 países consultados mantiveram a data dos exames de acesso à universidade: Colômbia, Japão, Alemanha, Chile e Egito. Locais como Singapura, China, Espanha e Estados Unidos adiaram as provas. Em quatro países, o formato do exame sofreu alteração: Estados Unidos, Chile, Egito e Espanha.

Nos Estados Unidos, a College Board, ONG que comanda o SAT, o maior teste padronizado para admissão em universidades públicas do país, anunciou que a edição deste ano pode ganhar uma versão digital a ser realizada pelos candidatos em casa, caso a pandemia continue exigindo o distanciamento social. O ACT, outro teste amplamente usado por universidades americanas, deve seguir o mesmo caminho.

Essa seria uma das maiores mudanças na história dos testes de aptidão realizados nos Estados Unidos, que acontecem, em geral, dentro de um ambiente fortemente vigiado, monitorado por um examinador.

No Reino Unido, alguns testes da Universidade Cambridge acontecerão por uma plataforma online de exames admissionais, onde o candidato é observado por webcam, microfone ou acesso remoto à tela de seu computador.

*Estagiário, sob supervisão de Eduardo Graça.