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Enem: Diretora de escola denuncia exigência para troca de professoras por policiais como aplicadores da prova

Segundo Hélida Lança, que dirige unidade estadual em São Paulo, duas aplicadoras não teriam passado em uma avaliação da Polícia Federal
Servidores do Inep realizaram assembleia sobre a conduta do presidente do órgão diante da instituição Foto: Paula Ferreira / Agência O Globo
Servidores do Inep realizaram assembleia sobre a conduta do presidente do órgão diante da instituição Foto: Paula Ferreira / Agência O Globo

SÃO PAULO - Uma diretora de uma escola estadual, onde o Enem será realizado , em São Paulo, denunciou, nesta sexta, que foi exigida a retirada de duas professoras da listagem original de aplicadores da prova, para darem lugar a dois policiais. Na sua conta do Twitter, Hélida Lança, que também é professora na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), informou que a comunicação veio através da Fundação Cesgranrio, organizadora do exame . Em uma outra postagem, a diretora informou que o motivo da troca seria uma avaliação da Polícia Federal, que não teria aprovado as professoras.

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As postagens foram publicadas na noite desta sexta. Primeiro, ela disse que "uma pessoa da Cesgranrio mandou mensagem, informando que é pra gente retirar dois aplicadores da lista, que entrarão dois policiais federais no lugar. Tá bom pra vocês?". Em seguida, chegou a postar uma atualização, em que levantava a possibilidade da denúncia ter surtido efeito, e evitado a necessidade de troca: " Escutei muito bem o aviso inicial, mas agora estão dizendo que não será bem assim. Se a minha denúncia serviu pra mudarem o rumo das coisas, então viva!".

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Numa nova atualização, porém, ela transmitiu a versão que teria sido dada a ela pela Fundação Cesgranrio: "na verdade, as duas profs foram tiradas porque não passaram pela avaliação da Pol Federal, em razão de terem sido alocadas por último". A partir deste ano a PF avalia fichas dos aplicadores (???!!!) É eita atrás de eita!"

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A diretora Hélida Lança agradeceu a solidariedade recebida após a postagem, que já teve 17 mil curtidas e quatro mil compartilhamentos. Numa outra publicação, na manhã deste sábado, a professora se posicionou sobre o Enem 2021: "As vagas na universidade pública devem ser ocupadas. Toda essa turbulência também é uma estratégia pra que os jovens desanimem e acabem desistindo. Está bacana o ENEM? Não. Vamos desistir em razão disso? TAMBÉM NÃO."

Perplexidade com policiais aplicadores de prova

Em entrevista ao GLOBO, a diretora se disse perplexa ao ser informada que dois policiais federais fariam as vezes de aplicadores da prova no lugar de professoras da escola do no Tatuapé, bairro da Zona Leste paulistana.

— A impressão que tive é que estávamos no “ENEM de 1968” — diz, em referência à fase mais truculenta da ditadura militar no Brasil.

A diretora explicou que é comum o envio de aplicadores indicados pela Cesgranrio para complementar o time de professores da escola envolvidos na prova. No começo dessa semana, ela conta, o representante da instituição afirmou que precisaria da força extra de duas pessoas do colégio, além do que havia sido combinado anteriormente. Mas na última sexta-feira o arranjo foi desfeito.

— A justificativa foi a de que não deu tempo de a PF avaliar a ficha delas. Nunca vi isso acontecer antes. No ENEM de 2020, realizado em janeiro deste ano por conta da pandemia, substituímos um aplicador do dia da prova porque ele estava com sintomas gripais. Esse novo aplicador também não passou por avaliação da PF — diz a diretora, que também informou desconhecer que tipo de avaliação a Polícia Federal faria dos professores.

Com a repercussão do tuíte, o representante da Cesgranrio, de acordo com a diretora, colocou panos quentes na situação e, diz Lança, pediu que ela "ficasse tranquila". As professoras, contudo, não voltaram ao quadro de aplicadores da prova. Também não se sabe quem serão os dois novos escolhidos para participar da execução do exame.

As profissionais excluídas pela Cesgranrio são responsáveis pelas disciplinas de Biologia e Quimica no mesmo colégio. A primeira, inclusive, já participou de outras aplicações do ENEM neste mesmo colégio. Hélida conta que elas não são filiadas a partidos nem sindicalizadas, e que normalmente utilizam suas redes sociais para falar de suas áreas de estudo. Portanto, uma patrulha política no perfil on-line de ambas não seria motivo para a exclusão do quadro de participantes.

— Sou servidora concursada e com estabilidade. Faço questão de defender a educação pública em todos os sentidos. Quero que esses estudantes cheguem na universidade. Se há qualquer ilegalidade, tenho que denunciar — afirma.

A diretora conta ainda que não foi procurada por nenhuma autoridade ligada ao Exame Nacional do Ensino Médio.

Outro lado

A Polícia Federal negou que tenha solicitado a substituição das fiscais. Por meio de nota oficial, a corporação informou que questinou os organizadores da prova sobre as acusações feitas pela diretora e foi informada de que as duas professoras tiveram de ser sacadas por terem sido cadastradas para atuar na aplicação do exame depois do prazo previsto.  "A mensagem vinculando o indeferimento à Polícia Federal, segundo o representante da empresa, foi um “erro de comunicação”, diz o comunicado.

A PF admitiu, contudo, que analisa as fichas não só de colaboradores do Enem, como dos estudantes inscritos. "O motivo deste procedimento é de uma clareza solar, qual seja, a verificação se existem indivíduos com mandados de prisão em aberto ou que já tenham envolvimento em fraudes, para antecipar medidas especiais no sentido de evitar burlas ao certame", alega a PF.

Procurado, o Inep não respondeu os questionamentos do GLOBO.

Edição do Enem marcada por polêmicas

Há duas semanas, 37 servidores do Inep p ediram exoneração, alegando "fragilidade técnica e administrativa da atual gestão" , além de acusarem o presidente do instituto, Danilo Dupas, de assédio moral e interferências políticas na organização das provas. Alguns dos funcionários chegaram a denunciar a entrada de um agente da Polícia Federal a uma área restrita do Inep com pedidos de mudanças em perguntas que tratavam da "história recente do país".

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Nesta sexta, a Associação dos Servidores do Inep (Assinep) acusou o governo Bolsonaro de "censurar" a publicação de um artigo científico que mostrava a evolução nos indicadores de alfabetismo no país em função do Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), um programa do primeiro mandato do governo Dilma Roussef.

Na terça, Milton Ribeiro, ministro da Educação, negou denúncias de interferência política na elaboração da prova do Enem e atribuiu a crise interna no Inep a uma "questão administrativa, de pagamento ou não de gratificação". Mas, em uma assembleia no começo do mês, funcionários também destacaram que há indícios de que processos sejam deletados do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), onde são registrados todos os andamentos administrativos feitos pelos órgãos públicos.

Falhas durante o governo Bolsonaro

A aplicação do Enem tem apresentado problemas sistematicamente durante a gestão Jair Bolsonaro. No primeiro ano, o exame teve o maior erro de correção da história do Enem. Foram identificados problemas em 5.974 provas – 96,7% estavam concentrados em 4 cidades: Alagoinhas (BA); Viçosa (MG); Ituiutaba (MG) e Iturama (MG).

No ano passado, o exame teve o maior número de abstenções da história. O índice alcançou a casa de 55,3% dos inscritos com a prova realizada no meio da pandemia. O registro de 29.555 mortes daquele mês só não ultrapassava os picos de junho e julho de 2020, com 31.627 mortes . O mês foi também o maior em número de novos casos, com 1.386.005 pessoas contaminadas pela Covid no país.

Por fim, o exame que começará a ser aplicado no próximo dia 21 já teve o menor número de inscritos da história. O MEC não havia autorizado a inscrição gratuita a quem faltou ao último exame, de 2020, por causa da pandemia de coronavírus.

Com isso, o Enem deste ano teria apenas 3,1 milhões de candidatos, o menor número desde 2005. Entidades civis, como a Educafro, entraram na Justiça e conseguiram a reabertura das inscrições para garantir a isenção a quem faltou no ano anterior, o que conseguiu mais 300 mil participantes.