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Enem começa a ter prova digital a partir do ano que vem, e 100% até 2026

Em 2020, exame já será aplicado digitalmente para 50 mil candidatos; meta do MEC é aposentar versão impressa da prova
Enem é a principal via de acesso ao ensino superior no país Foto: Jorge William / Agência O Globo
Enem é a principal via de acesso ao ensino superior no país Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA e RIO- O Ministério da Educação ( MEC ) anunciou nesta quarta-feira que em 2020 vai aplicar o Exame Nacional do Ensino Médio ( Enem ) digitalmente para 50 mil candidatos, em 15 capitais do país. Os planos do MEC são de que em 2026 já não haja mais a prova impressa. Os estudantes que prestam a prova neste ano, no entanto, não serão afetados com nenhuma mudança.

No ano que vem, os candidatos poderão optar pela prova digital. Os 50 mil que participarão do piloto serão selecionados por ordem de inscrição. Eles farão a avaliação em dois domingos: 11 e 18 de outubro (inclusive a redação). Os participantes do Enem regular terão uma outra data: 1º e 8 de novembro de 2020.

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O número de aplicações aumentará progressivamente. Em 2021, serão feitas duas edições do Enem digital. De 2022 a 2025, a ideia é ter quatro provas ao longo do ano, ainda no formato opcional. E, em 2026, extinguir de vez o papel. As regras de taxa de inscrição e correção da prova serão as mesmas para os dois públicos: do Enem digital e do tradicional.

Segundo o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Alexandre Lopes, a intenção é que se chegue a um modelo de agendamento da prova. Ele apresentou as novidades à imprensa ao lado do ministro da Educação, Abraham Wreintraub, e do diretor do Inep, Camilo Mussi.

— A ideia é fazer vários Enems ao longo do ano por agendamento — disse Lopes.

O custo da aplicação do Enem digital, para 15 mil candidatos em 2020, será de R$ 20 milhões — uma média de R$ 400 por participante. É superior ao valor atual, considerando dados apresentados na coletiva, de que o exame hoje demanda mais de R$ 500 milhões para atender a 5 milhões de inscritos, ou seja, cerca de R$ 100 por aluno.

No entanto, esses valores do Enem tradicional não consideram as quantias arrecadadas com taxa de inscrição dos pagantes no Enem (cerca de 50% dos inscritos este ano, segundo o Inep). Lopes afirmou que, com a ampliação do exame digital, os custos vão diminuir.

— Os custos envolvem implementação e aplicação da prova, mas, com ganho de escala, esse custo vai caindo — afirmou Lopes.

Segundo ele, o governo não comprará computadores para o Enem digital. A forma de aplicação seguirá o modelo atual, de contratar uma empresa para cuidar dessa parte, que engloba organizar as salas de aplicação, garantir os fiscais, e, agora, também viabilizar as máquinas. O governo, por sua vez, de acordo com Lopes, vai "fornecer as informações das bases instaladas nos computadores das escolas".

— O consórcio será responsável por obter as salas para aplicação digital. E a gente ajuda nessa parceria com as secretarias de educação estaduais e municipais — explicou o presidente do Inep.

— Com isso, a gente se livra de duas ou três grandes empresas. A gente vai muito mais próximo à concorrência perfeita do que o oligopólio — comentou Weintraub, referindo-se a poucas gráficas no país que atendem aos parâmetros exigidos para o Enem.

O ministro garantiu ainda que a segurança da prova estará preservada com a tecnologia já existente no país. Em diversos momentos, ele citou exames feitos em meio digital no mundo, dizendo que o Brasil ficou "para trás". Além disso, ele enfatizou que a maior parte dos procedimentos envolvendo a prova, como a correção, já é informatizada, exceto a aplicação.

— A gente sempre tem que ficar atento porque bandido é sempre criativo, mas hoje achamos que a segurança e a tecnologia que o Brasil tem permite fazer isso. Além disso, é só essa última etapa da aplicação é analógica, o resto todo é digital — disse o ministro.

Prova terá mais versões

Além de modernizar o exame, fazer mais de uma edição por ano e reduzir custos no futuro, o Enem digital é defendido pelo governo como uma forma de introduzir na prova os itinerários formativos. Esses itinerários são as cinco áreas específicas nas quais o aluno poderá se aprofundar em parte do ensino médio, segundo estabeleceu a reforma dessa etapa escolar, feita no governo de Michel Temer.

Ao passar a cobrar os itinerários, a prova do Enem terá de ter mais versões, com essa parte específica, explica Lopes. Ele diz que a previsão é que as escolas adotem os itinerários formativos no ensino médio a partir de 2021.

— A gente fará casado para coincidir. Quando as escolas estiverem implementando os itinerários, a gente estará apto a fazer também (...). Imagine o quanto aumentaria o custo e a complexidade para fazer essa diversidade de provas (em meio físico) — disse o presidente do Inep.

Embora a reforma do ensino médio preveja que o estudante pode fazer mais de um itinerário formativo na parte optativa da etapa escolar, o candidato, ao se inscrever no Enem, terá que optar por uma das áreas, de acordo com o curso superior almejado. Camilo Mussi, diretor do Inep, disse que nada impede às universidades de fazer a segunda fase (parte específica) por conta própria, como já ocorre hoje em algumas instituições, caso queiram.

De acordo com o Inep, a versão digital da prova viabilizará questões que utilizem games, vídeos e infográficos. Também será possível, segundo a autarquia, aplicar o Enem em mais municípios. Hoje, segundo o Inep, muitos alunos acabam perdendo ou faltando ao exame pela distância da cidade onde moram daquela mais próxima que conta com a avaliação.

Matriz do Enem precisa ser definida

Ex-presidente do Inep e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), Chico Soares afirma que a iniciativa é positiva, mas que há questões mais urgentes a serem tratadas sobre o Enem.

— Com a Reforma do Ensino Médio,  precisamos saber o que o Enem vai cobrar. O que está sinalizado seria um primeiro dia de conteúdos gerais e um segundo dia de conteúdos específicos relacionados à área da carreira escolhida, mas isso não está definido e é uma decisão absolutamente necessária e essencial — argumenta Soares. — Antes de pirotecnias do que utilizar para aplicar a prova, precisamos saber o que vai estar no Enem. O que as escolas precisam é da matriz de referência da prova e menos do formato. Isso é urgente.

A Reforma do Ensino Médio foi sancionada em 2017 e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da etapa foi aprovada em 2018 e havia uma previsão de que as mudanças nos currículos e avaliações sejam implementadas até 2020.

De acordo o educador, é importante garantir que a prova digital não seja apenas uma reprodução do exame impresso. Para ele, a mudança só faz sentido se servir para explorar ferramentas que tornem a avaliação mais dinâmica.

— Hoje há a possibilidade de se fazer questões que vão muito além da múltipla escolha. O melhor exemplo disso é o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).Se o que está sendo pensado é fazer o mesmo Enem de múltipla escolha mas no ambiente digital isso é automatizar o jurássico — afirmou Soares, dizendo ainda que a mudança deve ser debatida com as escolas. — O Inep precisa criar canais de comunicação com as escolas e ouvir quem tem algo a falar e quem vai ser afetado pela mudança. É preciso pensar no impacto que teria para alunos que estão em escolas com sistemas de informática ainda muito defasados.

Infraestrutura deficiente

A avaliação de quem está presente no dia a dia de quem se prepara para o Enem é semelhante. Para o coordenador de vestibular do colégio Q.I, Renato Pellizzari, a aplicação digital do Enem pode favorecer uma avaliação mais completa das habilidades dos alunos, mas por outro lado, poderá encontrar obstáculos devido à pouca infraestrutura das escolas do país.

— O Enem ser 100% digital já era algo previsto há algum tempo, porque o modelo de avaliação baseado na Teoria de Resposta ao Item (TRI) acaba sendo mais bem aplicado se tivermos uma prova nesses moldes, já que permite descobrir as habilidades dos candidatos de forma mais adequada que uma prova feita no papel, pois pode utilizar ferramentas como vídeos, jogos e conduzir a aplicação da prova de acordo com as aptidões do aluno —  afirma Pellizzari.

No entanto, o professor considera irreal a proposta do governo de fazer a prova totalmente nesse modelo até 2026:

—  Não sei se vamos conseguir em pouco tempo a inclusão digital de toda população brasileira que tem interesse de ingressar em uma universidade. É arriscado fazer uma previsão como essa para 2026. Se paralelamente fosse uma pauta do governo desenvolver um processo de inclusão digital no brasil, levando internet e capacitação para todas as escolas públicas, com infraestrutura de computadores, talvez essa meta pudesse ser alcançada. Mas isso não está dentro das propostas do governo.

Consulta pública em 2015

A ideia de fazer um Enem digital não é nova. Em 2015, o ministério da educação chegou a realizar uma consulta pública sobre a questão. Na ocasião, o MEC recebeu mais de 27 mil colaborações sobre o tema.

Em outubro daquele ano o então ministro Aloízio Mercadante afirmou que o ministério trabalhava com a ideia de ter mais de um Enem por ano, por meio de um exame eletrônico. Um piloto do exame digital estava nos planos do governo para o próximo ano, mas a presidente Dilma Rousseff acabou sendo retirada do cargo.

Outros países

Nos Estados Unidos, o maior exame admissional para universidades é o Scholastic Aptitude Test (SAT). A aplicação da prova é inteiramente presencial em centros autorizados, sem o auxílio de computadores. O processo vale tanto para estudantes americanos quanto para alunos estrangeiros. O SAT é usado como base na maior parte do país, mas alguns estados usam o American College Testing (ACT) como referência. Em 2017, o ACT começou a aplicar provas online, mas ainda não contemplou todos os inscritos. Algumas universidades americanas oferecem testes online para estudantes internacionais.

Na Índia, com uma população superior a 1,3 bilhão de pessoas, o governo pretende unificar o acesso para faculdades públicas. O sistema, inspirado no SAT, começará a ser testado na Universidade de Nova Délhi. A ideia é que os exames sejam aplicados por computador. Atualmente, a Armênia utiliza computadores em parte do processo de seleção de candidatos às universidades do país.

A nível mundial, o Program for International Student Assessment (Pisa), organizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é aplicado online desde a edição de 2015. A prova é realizada em mais de 80 países, de três em três anos, desde 2000.



Veja as capitais que terão aplicação da prova digital já em 2020:

  • Belém (PA)
  • Belo Horizonte (MG)
  • Brasília (DF)
  • Campo Grande (MS)
  • Cuiabá (MT)
  • Curitiba (PR)
  • Florianópolis (SC)
  • Goiânia (GO)
  • João Pessoa (PB)
  • Manaus (AM)
  • Porto Alegre (RS)
  • Recife (PE)
  • Rio de Janeiro (RJ)
  • Salvador (BA)
  • São Paulo (SP)

*Colaborou Johanns Eller