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Sociólogo, membro da Academia Brasileira de Ciências e ex-presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Simon Schwartzman escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Enem – avaliação ou seleção?

Com a diversificação do ensino médio, a prova única não pode continuar existindo

Atualização:

Em 2022 entra em vigor o novo ensino médio, com a possibilidade de os estudantes optarem por diversas áreas de formação e também por cursos técnico-profissionais, o que significa que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deverá também mudar. Em sua origem, o Enem tinha por objetivo ser uma avaliação, referência de qualidade para as escolas de ensino médio. Mas em 2009 ele se transformou num exame nacional de seleção para as universidades federais, o que fez com que todas as escolas se organizassem para preparar seus alunos para a prova. Atualmente, as redes escolares públicas e privadas estão se organizando para dar início ao novo ensino médio, e uma das dificuldades é não saber que tipo de avaliação os estudantes terão pela frente.

O Ministério e o Conselho Nacional de Educação estão trabalhando sobre o tema e é provável que cheguem a alguma conclusão nos próximos meses, o que influenciará o destino de milhões de jovens nos próximos anos. É a oportunidade para avaliar a experiência até aqui à luz das experiências de outros países e entender melhor para que serve esse exame e quais seriam as alternativas.

O que deve ser o Enem? Uma avaliação dos alunos que terminam o ensino médio, ou um grande exame vestibular para as universidades? Qual a diferença e qual a importância disso?

Muitos países, sobretudo na Europa, têm sistemas nacionais de avaliação dos alunos ao término do ensino médio, como os Baccalauréats franceses, o Abitur alemão, os A-Levels ingleses e os exames nacionais do ensino secundário em Portugal. Mas poucos têm um grande exame vestibular nacional, como a China, a Turquia, o Chile e o Brasil.

São coisas muito diferentes. As avaliações nacionais marcam o término do ensino médio, especificando que tipo de formação os alunos tiveram e que resultados alcançaram, enquanto os exames são provas de ingresso no ensino superior para pessoas já formadas. Nas primeiras, há um leque de opções que os alunos fazem conforme seus interesses e as áreas de concentração, mais acadêmicas ou mais profissionais. Nos segundos é uma prova só.

Outra diferença é que, nas primeiras, os resultados das provas influenciam o acesso dos estudantes ao ensino superior, mas as universidades mantêm sua autonomia para selecionar seus alunos entre os que se qualificam, combinando com outros critérios.

A terceira diferença é que, além das provas que habilitam para o ensino universitário, há outras que habilitam para atividades profissionais e cursos de técnicos pós-secundários.

Nos Estados Unidos não existe nem uma coisa nem outra. Algumas instituições privadas oferecem testes padronizados para pessoas que querem candidatar-se ao ensino superior, como o Scholastic Assessment Test, American College Test e o Graduate Record Examinations e outros mais especializados, que as universidades e escolas superiores podem usar ou não, com maior ou menor peso.

Quando o Enem se transformou num vestibular nacional, a ideia foi de que ele ajudaria a democratizar o ensino superior, fazendo que os estudantes, com uma só prova em sua cidade de residência, pudessem se candidatar a qualquer universidade federal do País. Mas a prova única acabou criando uma grande discriminação a favor dos filhos de famílias mais educadas e que estudaram em escolas privadas, os quais conseguem as notas mais altas e entram nas universidades e carreiras mais prestigiadas. São menos de 300 mil vagas para 6 milhões de candidatos a cada ano, com problemas operacionais que se repetem. Nem o sistema de cotas consegue tornar o sistema mais igualitário, porque todos necessitam de médias altas para conseguirem uma vaga.

Com a diversificação do ensino médio, a prova única do Enem não pode continuar existindo. Mas o Brasil não tem ainda condições de criar um sistema de provas nacionais qualitativas como as dos países europeus, que decidem quem se forma, e com que nota ou conceito. Faz mais sentido um sistema como o norte-americano, em que as escolas continuam dando os diplomas, mas os estudantes podem se apresentar, voluntariamente, para avaliações que produzem certificados de competência que podem ser utilizados pelas universidades para selecionar seus alunos e também para o exercício de profissões técnicas.

Uma dessas avaliações deve ser de tipo mais geral, para todos, de competência no uso da linguagem, raciocínio matemático e conceitos básicos de ciências sociais e naturais, semelhante ao exame do Pisa, ou o GRE geral americano. Outras serão mais específicas, alinhadas com as grandes áreas profissionais de nível superior, como ciência e tecnologia, ciências da saúde, ciências sociais e letras e humanidades. E outras mais específicas ainda, de certificação de competência técnica em áreas como serviços de saúde, processos industriais, informação e comunicação e gestão de negócios.

Esses exames não precisam ser feitos no mesmo dia, nem precisam ser feitos todos pelo MEC.

É esse o caminho que deveria ser seguido, saindo da camisa de força do atual Enem.

SOCIÓLOGO, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Opinião por Simon Schwartzman
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