A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) pede a anulação de três questões que julga serem "de cunho ideológico e sem critério científico ou acadêmico" aplicadas no primeiro dia de provas do Enem, nesse domingo. Em nota nesta segunda-feira, a bancada ruralista afirma que irá convocar o ministro da Educação, Camilo Santana, para prestar esclarecimentos no Congresso sobre os itens 89, 70 e 71 do caderno branco do exame, que tratam, entre outros temas, sobre agronegócio e desmatamento.
O documento afirma que "as perguntas são mal formuladas, de comprovação unicamente ideológica e permite que o aluno marque qualquer resposta, dependendo do seu ponto de vista". Ainda segundo a FPA, as questões representam "negacionismo científico" contra um setor que traz "a segurança alimentar ao Brasil e ao mundo". (Veja abaixo os conteúdos das questões)
"A anulação das questões é indiscutível, de acordo com literaturas científicas sobre a atividade agropecuária no Brasil e no mundo, em respeito à academia científica brasileira", argumenta.
Inep nega cunho ideológico
Em nota ao GLOBO, o INEP reforça que "as questões do Enem são elaboradas por professores independentes, selecionados por meio de edital de chamada pública para colaboradores do Banco Nacional de Itens (BNI)" e nega cunho ideológico nos itens da prova aplicada:
"O Inep não interfere nas ações dos colaboradores selecionados para compor o Banco. O processo envolve as etapas de elaboração e revisão pedagógica dos itens, além de validação pelo trabalho de uma comissão assessora. Os itens selecionados para a edição de 2023 passaram pelo fluxo estabelecido nas normativas do BNI", destaca a autarquia ligada ao MEC e responsável por produzir as provas do Enem.
Enem avalia capacidade de interpretação, diz especialista
O diretor-geral do Colégio e Curso Ao Cubo, Rafael Pinna, que acompanha todas as edições do Enem, aponta que as questões dispostas nas provas avaliam exclusivamente as habilidades e competências dos estudantes. Ou seja, trata-se de um processo técnico, muitas vezes de interpretação, que deve ser feita pelo candidato a partir do contexto exposto pelo autor no enunciado da questão.
— Em todas as áreas do conhecimento presentes no Enem há habilidades ligadas à capacidade que o aluno tem de compreender e interpretar as informações que estão nos textos. As questões normalmente demandam simplesmente que o aluno mostre que conseguiu entender o que o autor afirmou, tarefa que evidentemente muitas vezes vai exigir que o próprio aluno tenha certos conhecimentos históricos, geográficos, sociológicos ou mesmo linguísticos — explica.
Nas três questões criticadas pela Frente Parlamentar da Agropecuária, o professor aponta que essas características do exame ficam evidentes:
— Numa delas o comando claramente é "na visão do autor, o problema é desencadeado por (...)”. Na outra, “os elementos descritos no texto demonstram que há (...)”. Portanto, não se trata de concordar ou discordar do autor e sim apenas demonstrar que entendeu a ideia dele — afirma Pinna.
Na Matriz de Referência do Enem, a área de Ciências Humanas tem pelo menos três habilidades que estão diretamente ligadas à interpretação de textos motivadores relacionados aos assuntos cobrados nas três questões apontadas pela FPA:
- Habilidade 14: Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca das instituições sociais, políticas e econômicas.
- Habilidade 20: Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
- Habilidade 26: Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem.
Políticos do PL criticaram questões
As questões citadas também foram criticadas nas redes sociais por políticos que se opõem ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Um deles foi Nikolas Ferreira (PL-MG), que afirmou que irá tomar providências contra a questão 89 que, segundo ele "ataca o agro brasileiro, seus trabalhadores e produtores".
Já o deputado federal Daniel Freitas (PL-SC) disse que a educação está "absolutamente tomada por essa praga chamada marxismo cultural". "Se o candidato não fingir ser vegane, comuniste, elu/delu, tá fora", publicou o parlamentar.
Deputado membo da FPA, Rodrigo Valadares (União-SE) afirma ser "um desserviço o que eles prestam aos alunos, uma vez que tentam macular a imagem da agropecuária no Brasil estimulando e promovendo divisões dentro do setor". Na mesma linha, a deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) disse que "com enunciado de viés político, a esquerda mais uma vez, estimula conflitos agrários dentro do Brasil".
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Veja as questões criticadas:
- O item 89 do caderno branco abordou fatores negativos do agronegócio no bioma do Cerrado, mencionando a "superexploração dos trabalhadores" e as "chuvas de veneno", causadas pelo uso de agrotóxicos
- O item 71 do caderno branco trata da nova corrida espacial financiada por bilionários e discute as perspectivas que ela aponta
- A questão 70 da prova branca aborda o avanço da cultura da soja e o desmatamento na Amazônia