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Enem 2019: Gráficas já disputam impressão

Antigas licitações para prestar o serviço tiveram disputas judiciais e governo garante que cronograma será cumprido
Gráfica RR Donnelley, que rodava a prova do ENEM e declarou falência Foto: Terceiro / Agência O Globo
Gráfica RR Donnelley, que rodava a prova do ENEM e declarou falência Foto: Terceiro / Agência O Globo

Um dia após a gráfica que imprimia o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) desde 2009 decretar falência — na mesma data em que seu contrato havia sido prorrogado para cobrir a edição deste ano —, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia federal que organiza a prova, afirmou que sua aplicação (em 3 e 10 de novembro) não será postergada. O órgão disse ontem que “existem alternativas seguras sendo avaliadas”, mas o histórico de disputa para imprimir as questões mostra outra realidade.

A gráfica RR Donnelley tornou-se a fornecedora deste serviço para o Inep logo após o episódio do vazamento da prova em 2008. Desde então, o último edital de licitação foi feito em 2016, mas seu resultado é alvo de um embate judicial. A Plural, gráfica que prestava serviço na época do vazamento e foi inocentada por não ter tido funcionários ligados ao crime, alegou que houve um favorecimento no edital, direcionando o resultado para a vitória da RR Donnelley. A representação chegou até o Tribunal de Contas da União (TCU) e recebeu um parecer do auditor Daniel Aguiar, que listou alguns pontos errôneos reparados na licitação.

TCU vê restrição no edital

A principal discordância apontada no relatório do TCU está na exigência de uma unidade gráfica reserva com padrões de segurança equivalente para casos de desastres. A única empresa que obedeceria a esse critério, segundo o TCU, seria a RR Donnelley, e o Inep não teria justificado com embasamento histórico este pedido.

“Concluímos que a exigência de unidade redundante própria (...) fere a isonomia e restringe indevidamente a competitividade do certame 6/2016”, informa o parecer do auditor. Ao chegar ao plenário do TCU, ele teve sua votação interrompida por um pedido de vista do ministro Benjamin Zymler.

A reportagem pediu um posicionamento do ministro sobre a interrupção do processo, mas o TCU informou que o mesmo encontra-se de férias. Procurado, o Inep também não se manifestou.

Desde a publicação do edital em 2016, o Inep utiliza os serviços da RR Donnelley e, sem casos de vazamento ao longo destes anos, renovou o seu contrato com a empresa a cada edição da prova.

A segurança na gráfica é rígida. Nenhum funcionário tem acesso a totalidade das questões e a impressão é dividida em espaços separados para cada dia de prova. Além disso, o parque gráfico é montado de tal maneira que quem trabalha nele não consegue ter contato visual com a impressão. A diagramação da prova é feita em chapas de ferro que recebem jatos de tinta que impossibilita a leitura de seu conteúdo. Depois disso, as provas são dobradas e recortadas de maneira automatizada para serem armazenadas e distribuídas.

O instituto elaborou também outros editais para o mesmo tipo de serviço em outras avaliações. Uma delas, para provas como o Saeb, deve ter seu resultado divulgado nesta semana, e a Plural alega que contém os mesmos problemas do anterior.

— Soltaram um edital na calada da noite, no final de dezembro, sem falar com ninguém. Esse edital continha os mesmos vícios do edital anterior, contestamos— afirma Carlos Jacomine, presidente da Plural — O Inep não acolheu e entramos com uma ação liminar.

O pregão chegou a ser suspenso, mas foi retomado após decisão judicial contra a Plural, que pretende recorrer.

Em seu pedido de falência, a RR Donnelley, gráfica que produziu as últimas edições do Enem, trata o contrato com o Inep como “historicamente estável e previsível”, mas afirma que as receitas com ele vinham caindo a cada ano — em 2019, ela recebeu cerca de R$ 544 milhões pela tarefa.

Menos provas

Isso aconteceu porque o Inep fez ajustes para diminuir a taxa de alunos ausentes no exame, o que fez com que o número de inscritos diminuísse: em 2016, foram 9,2 milhões de inscritos; no ano passado, 5,5 milhões.

A diminuição fez com que o custo — e o dinheiro passado para a gráfica — também caísse. Outra alegação dada é que o Inep somente paga pelo serviço após a realização do serviço.

No pedido de falência, a gráfica diz que um dos objetivos é zelar pela “boa realização do Enem”.

“Isto porque, com o pedido de autofalência nesta data, o Inep terá tempo de se organizar na busca por fornecedores de serviços gráficos com a antecedência necessária para que o exame possa ser realizado nas datas previstas”, informa.

O tempo para impressão, segundo João Scortecci, diretor do segmento editorial da Associação Brasileira da Indústria Gráfica, é viável até as datas da aplicação.

O problema seria a mobilização do Inep em articular uma nova licitação o mais rápido possível. O instituto está sem presidente desde a semana passada, quando Marcus Vinicius Rodrigues foi exonerado depois de suspender a avaliação de alfabetização.

Após sua demissão, o diretor de Avaliação da Educação Básica, Paulo César Teixeira — responsável pela realização do Enem —, também pediu exoneração.