Por Bárbara Almeida, G1 Triângulo Mineiro


Um especialista contratato pelo Ministério Público Federal (MPF) realizou uma perícia no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) devido ao Enem 2016, realizado em duas datas.

O procedimento ocorreu entre 5 e 9 de fevereiro após uma ação civil pública instaurada em Uberlândia.

O motivo da perícia é verificar se o fato de as duas aplicações do Enem 2016 terem números tão diferentes de candidatos influenciou no resultado final, prejudicando os alunos da segunda aplicação.

Em 2016, por causa das ocupações estudantis, o exame foi aplicado duas vezes: a primeira em 5 e 6 de novembro com a participação de 5,8 milhões de alunos, e a segunda em 3 e 4 de dezembro em que fizeram as provas menos de 170 mil candidatos.

Enem 2016 foi realizado nos meses de novembro e dezembro — Foto: Divulgação/Ari de Sá

O Inep informou ao G1 nesta quinta-feira (15) que foram periciadas informações sob guarda do Inep e o procedimento foi acompanhado por um equipe do instituto que orientou e esclareceu dúvidas.

O procurador da República Leonardo Macedo explicou que o objetivo é utilizar as informações sobre o desempenho dos candidatos das duas aplicações do Enem 2016 para a realização de um estudo técnico sobre a metodologia do exame, a Teoria de Resposta ao Item (TRI), e verificar se o número total de candidatos de cada aplicação afeta ou não o resultado dos estudantes.

A perícia realizada em Brasília foi feita por um especialista na metodologia usada no Enem (a TRI), professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Os dados periciados estão dentro de um ambiente físico seguro e controlado pelo Inep, para evitar o vazamento de informações sigilosas ou pessoais dos candidatos. O MPF afirma que escolheu o especialista, por ele ser o único entre os pesquisadores do tema que não têm vínculo direto com o Inep.

De acordo com o MPF, o resultado da perícia, que ainda não tem data para ser divulgada, será analisado e inserido na ação civil pública.

Enem 2016 teve uma aplicação extra devido às ocupações estudantis — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

Aplicações do Enem

Normalmente, o adiamento do Enem ocorre todos os anos, mas afeta apenas alguns milhares de estudantes por motivos externos que impedem a aplicação do exame, como queda de energia no local de provas. Nesses casos, os candidatos ganham o direito de fazer uma nova aplicação do Enem, feita durante a semana para pessoas privadas de liberdade (por causa disso, essa aplicação é conhecida como Enem PPL).

Em 2016, porém, a onda de ocupações estudantis em escolas públicas em 23 estados e no Distrito Federal fez o Ministério da Educação adiar a aplicação do Enem para mais de 270 mil candidatos, o que inviabilizaria uma segunda aplicação durante a semana. Por isso, o Enem 2016 teve duas aplicações. Na época, o Ministério da Educação (MEC) assegurou que haveria isonomia nas avaliações dos candidatos independentemente do momento em que fizessem as provas.

Apesar do grande número de candidatos afetados pelo adiamento, o total deles representou menos de 5% dos mais de 8 milhões de inscritos. Na primeira aplicação, pouco menos de 6 milhões de candidatos fizeram as provas, com uma abstenção de 30%. Já na segunda aplicação, do Enem 2016 adiado, a abstenção subiu para 40%.

Reclamação dos candidatos afetados

A investigação do MPF sobre o Enem 2016 teve início após a divulgação dos resultados das provas em janeiro de 2017. Na ocasião, estudantes de todo país procuraram o Ministério Público relatando inconformismo com as notas resultantes da primeira e da segunda aplicação do exame. Eles haviam feito a segunda aplicação da prova.

De acordo com o MPF, uma análise das notas dos candidatos que fizeram a reclamação mostrou grande diferença, quando os resultados eram comparados com os de candidatos da primeira aplicação. O procurador explicou que alunos que fizeram a primeira prova tiveram notas maiores. Ele alega que o motivo suspeito é a metodologia da TRI.

"Nessa TRI é considerado o número de candidatos. É necessário levar em conta as diferenças do percentual de 'treineiros' participantes de cada aplicação, na maior abstenção da segunda aplicação em relação à primeira e no tipo de candidato participante dos locais das provas da segunda aplicação", explicou o MPF na ação.

Cronologia do caso

3 de outubro de 2016: Uma onda de ocupações estudantis em escolas e universidades começou no Paraná e se espalhou pelo Brasil. Os estudantes protestavam contra uma série de medidas, principalmente a reforma do ensino médio e a PEC 241. O Enem 2016 estava marcado para os dias 5 e 6 de novembro, e parte dessas escolas ocupadas seria usada pelo governo federal como locais de provas.

19 de outubro de 2016: Um levantamento do MEC afirmou que ocupações em 181 escolas do Brasil comprometiam o Enem para 95 mil alunos.

27 de outubro de 2016: Um levantamento divulgado pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) mostra que havia 1.154 ocupações em escolas, institutos e universidades estaduais, federais e municipais em pelo menos 21 estados e no Distrito Federal.

4 de novembro de 2016: Na véspera da primeira aplicação do Enem 2016, o MEC anunciou o adiamento do exame em 364 locais de prova. Segundo o governo, esses alunos fariam o exame nos dias 3 e 4 de dezembro.

5 e 6 de novembro de 2016: A primeira aplicação do Enem 2016 é realizada com abstenção de cerca de 30%. Cerca de 5,8 milhões de pessoas fizeram essas provas.

3 e 4 de dezembro de 2016: O Inep realiza a segunda aplicação do Enem. No total, 277.657 pessoas estavam inscritas para essas provas (273.524 porque foram afetadas pelas ocupações e 4.133 porque, em seus locais de prova, houve algum imprevisto que impediu a aplicação do Enem). A abstenção dessa aplicação foi de cerca de 40%, o que quer dizer que o universo de estudantes que realizou estas provas foi de cerca de 166 mil.

18 de janeiro de 2017: O Inep divulga os resultados do Enem 2016. Porém, estudantes que fizeram a segunda aplicação reclamaram que não tiveram acesso à nota. No dia seguinte, o Inep afirmou que um erro técnico fez com que o resultado de 20 mil candidatos ainda não tivesse sido inserido no sistema.

janeiro de 2017: Procurado por diversos candidatos da segunda aplicação do Enem, que se sentiram prejudicados por notas que eles consideraram mais baixas que a de candidatos da primeira aplicação, o Ministério Público Federal começou a investigar a suspeita de que a discrepância no número total de estudantes fazendo cada versão da prova pudesse ter prejudicado o grupo menos numeroso. De acordo com a ação civil pública protocolada em dezembro, o MPF passou meses em contato com o Inep e o MEC para avaliar a denúncia. Segundo o MPF, o Inep considera que a isonomia do exame não foi ferida pela existência de duas aplicações do Enem em 2016.

setembro de 2017: Ainda de acordo com o Ministério Público Federal, o Inep aceitou conceder a um especialista na metodologia da Teoria de Resposta ao Item o acesso aos dados sigilosos dos desempenhos dos estudantes para realizar uma perícia e verificar se de fato o número total de candidatos afetou o resultado deles no exame. A ação afirma, porém, que o perito viajou até Brasília para realizar a perícia, mas foi barrado pelo Inep.

7 dezembro de 2017: Sem conseguir acesso aos dados para realizar a perícia, o Ministério Público Federal ingressou na Justiça com uma ação civil pública para solicitar o acesso, e com outra ação na qual denuncia diretoras do Inep por improbidade administrativa. O motivo da segunda ação é o desperdício de dinheiro público com a viagem realizada pelo perito até Brasília. A Justiça julgou o processo extinto, pois o MPF não conseguiu demonstrar nenhum indício de má-fé na hipótese sob análise.

15 de dezembro de 2017: O Inep afimou em nota que não negou o acesso aos dados sigilosos para uma perícia solicitada pelo MPF sobre os resultados da edição 2016 do Exame Nacional do Ensino Médio. Segundo o Inep, o perito não apresentou as identificações necessárias para que pudesse ter acesso aos dados.

Entre 5 e 9 de fevereiro de 2018: a perícia contratada pelo MPF foi realizada em dados sigilosos do Inep.

Outras ações

A aplicação do Enem 2016 em duas datas foi alvo de reclamação do MPF também no Ceará. Na época o órgão solicitou a suspensão e o cancelamento do exame, mas a Justiça Federal negou os pedidos e alegou que "apesar da diversidade de temas que inafastavelmente ocorrerá com a aplicação de provas de redação distintas, verifica-se que a garantia da isonomia decorre dos critérios de correção previamente estabelecidos", diz a decisão.

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