Exclusivo para Assinantes
Brasil Educação

‘Emocionalmente, ainda não estou bem’: o drama de professores vítimas de violência nas escolas

Segundo ranking internacional, cenário educacional brasileiro é o mais agressivo entre 36 países analisados
Francisco Potiguara, professor da rede estadual, foi xingado por um aluno Foto: Andre Lima / Agência O Globo
Francisco Potiguara, professor da rede estadual, foi xingado por um aluno Foto: Andre Lima / Agência O Globo

RIO - “Alguns professores não conseguem retornar à sala de aula, eu sei que não é fácil. Voltar não foi uma vitória minha, mas do tratamento para ansiedade e depressão. Se não fosse por esse apoio, não conseguiria”. O relato é da professora de Língua Portuguesa e Literatura Marcia Friggi, de 53 anos, que há pouco mais de um ano teve uma foto sua, com o rosto ensanguentado, compartilhada nas redes sociais. Em agosto de 2017, ela foi agredida por um de seus alunos, um adolescente que desferiu socos contra ela após ser expulso de sala por mau comportamento.

LEIA MAIS: Delegado de Rio das Ostras começa a ouvir alunos que humilharam professor em sala de aula neste domingo

Aluno que participa de vídeo humilhando professor vai responder por corrupção de menores

A professora não voltou à escola onde ocorreu a agressão e acha que nunca conseguirá fazer isso. Ficou seis meses afastada da sala de aula e agora leciona apenas em uma escola estadual em Santa Catarina:

— Aquele fato não pode destruir a minha profissão, a importância do professor e do conhecimento. Preciso aprender com o que ocorreu para contribuir com a sociedade, melhorar a nossa situação.

Na última semana, o caso do professor Thiago dos Santos Conceição, humilhado por alunos de uma escola em Rio das Ostras, gerou comoção. Os casos de violência em sala de aula se repetem. Aqueles que passaram por esse tipo de situação — e que inclusive geraram forte repercussão nas redes sociais — afirmam que, depois que a comoção passa, o trauma fica, evidenciado em marcas psicológicas ou físicas.

Marcia, por exemplo, hoje trabalha na criação de um projeto de lei, ao lado de um inspetor do Rio também agredido, com foco no amparo aos profissionais da educação que sofrem violência e na prevenção destes casos.

Professora Marcia Friggi, que foi agredida por um aluno em uma escola em Santa Catarina, no ano passado Foto: Reprodução/Facebook
Professora Marcia Friggi, que foi agredida por um aluno em uma escola em Santa Catarina, no ano passado Foto: Reprodução/Facebook

De acordo com um levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o primeiro entre 34 países em um ranking de violência em escolas. Na pesquisa, feita com dados de 2013, 12,5% dos professores ouvidos no país disseram que são vítimas de agressões verbais ou intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), de julho deste ano, a cada três dias um professor é ameaçado dentro de escolas no estado do Rio. Ao todo, em 624 ocasiões, professores denunciaram à Polícia Civil ameaças dentro de estabelecimentos de ensino no estado de 2014 a 2017.

No fim de agosto, o professor de matemática recém-formado Tiago Assis Silva, de 25 anos, de Camanducaia, em Minas Gerais, também se viu como parte dessas estatísticas. Ele foi agredido fisicamente por dois alunos, depois que pediu que parassem de jogar bola em sala. Os estudantes foram transferidos da escola, mas ele continuou. Não tem sido fácil, e, agora, o professor busca atendimento psicológico.

— Se eu tivesse mais experiência, poderia até ter contornado a situação. Mas é preciso começar de alguma forma — diz ele, que completa: — Emocionalmente, ainda não estou bem. Não estou mais contente em dar aula. Mas quero continuar a vida acadêmica.

MEDIDAS PEDAGÓGICAS

A violência atinge também quem já tem larga experiência, como o professor de Sociologia da rede estadual do Rio Francisco Potiguara Cavalcanti, agredido verbalmente por um aluno durante uma aula sobre ética e moral. Em décadas de docência, foi a primeira vez que passou por isso.

— Disse (a um grupo de estudantes que mexia no celular) : “Se quiserem, podem usar o aparelho, mas lá fora". O aluno jogou o livro na carteira, bateu a mesa na parede e saiu. Eu o repreendi e a partir da aí ele me mandou “tomar no c...”. Mais de uma vez — lembra.

LEIA MAIS:

'Para ser bom professor, é preciso ter compaixão’, diz ativista indiano

Salário mínimo pago ao professor no Brasil é um dos piores do mundo

Para o professor, a escola tem que aprender com situações como essa e optar por medidas pedagógicas, além da punição. Um dos caminhos seria convocar um “conselho escolar”, com a participação dos professores, alunos, funcionários e pais, para discutir o problema:

— Parte da indisciplina é em função de uma escola que conversa pouco com a juventude e os elementos do século XXI.

A educadora Miriam Abramovay concorda e chama a atenção para uma valorização do aluno como parte integrante da escola.

— É importante que os jovens tenham voz e uma escola em que se enxerguem. É preciso ensinar também o que tem a ver com o cotidiano deles. Temos que repensar que educação essas crianças e jovens querem e que podemos dar para o seu futuro. Ou então teremos outros casos como do professor Thiago (de Rio das Ostras) — afirma a coordenadora de juventude e políticas públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.

É preciso ainda, diz ela, reverter um clima escolar que muitas vezes é marcado pela violência. Soluções imediatistas, como a presença da polícia, não são o ideal, enfatiza.

A prevenção, portanto, é o caminho, dizem especialistas. Nesse sentido, trabalhar um ambiente de paz nas escolas através do respeito às diferenças e da boa convivência é função da escola, segundo Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Unicamp.

— É preciso pensar em ações em que ensinem os jovens a controlar impulso, a substituir agressão por diálogo — destaca. — A família é a primeira instituição socializadora, mas educa para o âmbito privado. A escola, para o público.

Alex Trentino, um dos coordenadores do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio, destaca que faltam profissionais e estrutura nas escolas.

— Há muitos alunos por turma e defasagem idade/série, o que faz com que o professor não consiga estabelecer vínculo com o aluno ou detectar quem precisa de ajuda. Escola não é só o professor, faltam profissionais, como psicólogos, orientadores... — diz.

Colaborou Paula Ferreira