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Brasil

‘Não temos que acelerar volta às aulas, mas melhorar ensino à distância’, diz especialista italiano

Professor da Universidade Católica de Milão, Pier Cesare Rivoltella, que participa de evento brasileiro, afirma que Europa também viveu desigualdades educacionais por causa da Covid-19
Pier Cesare Rivoltella é professor da Universidade Católica de Milão Foto: Divulgação
Pier Cesare Rivoltella é professor da Universidade Católica de Milão Foto: Divulgação

RIO - Em vez de trabalhar com a perspectiva de volta, gestores responsáveis por políticas públicas educacionais devem se concentrar em garantir um mecanismo de educação remota eficiente, afirma Pier Cesare Rivoltella, professor da Universidade Católica de Milão. Isso porque, diz ele, tudo pode mudar. Na Itália, depois de quatro semanas de escolas abertas, o país precisou recuar: apenas alunos de creche e dos seis primeiros anos do ensino fundamental seguiram em sala de aula, por causa da segunda onda de Covid-19 que assolou o país. Os mais velhos voltaram para as aulas em casa.

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— Em vez de imaginar como voltar, é preciso focar as atenções em como fazer uma didática à distância de qualidade — afirmou Rivoltella, em entrevista ao GLOBO.

O especialista é um dos convidados do 2º Seminário Internacional Sesi de Educação — Educação para o Tempo Presente. O evento, que começou na segunda e vai até amanhã, é promovido pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) e pela Fundação Roberto Marinho/Canal Futura. Com a participação de especialistas nacionais e internacionais, são cinco dias de debates, das 17h às 19h, no YouTube do Sesi. As mesas já realizadas ficam disponíveis no canal do Sesi na internet.

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Inovação

A experiência do professor anterior à pandemia é que fez a diferença. Aqueles que já tinham boas práticas, que eram inovadores, não tiveram problemas. Ao contrário, fizeram um ensino emergencial fantástico. O problema era aquele que não tinha prática, um professor muito tradicional e que não lidava com a tecnologia na prática cotidiana. Quando ele precisou dar aula à distância, foi uma pena. Isso causou uma enorme desigualdade. A gente teve experiências de ponta e outras muito ruins.

Desigualdade

Na Itália, nem todas as crianças tinham equipamentos e conexão para estudar de forma remota. Na Europa, onde havia pobreza econômica, faltaram conexão e equipamentos adequados. Também tivemos um grande problema de inclusão. Uma coisa que a gente não pensaria. Não é verdade que todo mundo está conectado, mesmo aqui na Europa. Nem na cidade de Milão. Participei há alguns anos de uma pesquisa na Bahia e conheci a realidade do interior do estado. Não tinha nada disso. Imagino como foi, para essas escolas, passar para o ensino à distância, onde não tem nada de tecnologia.

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Soluções

Os países adotaram diferentes estratégias para minimizar essa falta de internet. Algumas escolas mais equipadas distribuíram formas de conexão e ferramentas grátis. Outras precisaram disponibilizar materiais impressos e usaram o WhatsApp para enviar uma aula em vídeo. Claro que é diferente, mas assim o professor poderia manter uma ligação com o aluno.

Volta às aulas e segunda onda

O tempo de aprendizagem com ensino híbrido ( parte em casa, parte na escola ) durou muito pouco porque logo chegou a segunda onda. Foram quatro semanas, no máximo. Não quero te desesperar. Mas logo antes de começar a nossa conversa, estava com meu reitor e ele estava falando que temos que nos preparar para um segundo semestre de novo à distancia. Em vez de imaginar como voltar, é preciso focar as atenções em como fazer uma didática à distância de qualidade. O que precisamos agora é de política pública planejada para a qualidade remota.

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Ensino remoto de qualidade

Uma política pública para qualidade no ensino remoto precisa disponibilizar conexões não pagas; plataformas de fácil acesso ao estudante; e, claro, capacitação de professores, formação de competências digitais e pedagógicas. Não é suficiente que o professor saiba usar a ferramenta, tem que ser de forma educativa.

Paulo Freire e tecnologias educacionais

Tem um livro do Sérgio Guimarães, um psicólogo argentino, que entrevistou o Paulo Freire por três meses que tem um depoimento do educador muito interessante. O Paulo Freire achava que a mídia era uma grande oportunidade porque a imagem e o som não precisam de letramento para ser entendidos. Isso é muito interessante. Assim, conseguia trabalhar com gente de comunidade que não sabia ler ou escrever. A mídia foi extremamente interessante para dar acesso as formas da cultura tb pelo mundo. Depois ele falava que assistia TV, rádio, novela. Para criticar, mas assistia. Ele dizia: “se eu como intelectual não considerar a mídia seria me colocar a distância do meu tempo”.

Tragédia em Milão

Não tem quase nenhuma família que eu conheça que não tenha tido ao menos uma pessoa falecida pela Covid-19. É uma experiência muito próxima com a da guerra. Houve uma percepção de fragilidade e de falta de esperança, mas junto disso a gente experimentou muita solidariedade.