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Em oposição a educadores e gestores, ministros defendem educação domiciliar na Câmara

Milton Ribeiro, da Educação, e Damares Alves, da Família, afirmaram que regulamentação da modalidade é questão de 'liberdade'
Ministro da Educação, Milton Ribeiro. Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Ministro da Educação, Milton Ribeiro. Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

BRASÍLIA— Em sessão na Câmara dos Deputados, nesta segunda-feira, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, e a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, defenderam a regulamentação do ensino domiciliar no país. Segundo eles, é uma questão de "liberdade" das famílias optar pela educação em casa. Os ministros foram vozes dissonantes entre especialistas na área e gestores estaduais e municipais, que se opuseram a esse modelo de ensino.

No começo de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso a lista de suas prioridades para este ano, entre elas, a única pauta da área da educação citada por Bolsonaro foi regulamentação do homeschooling. A prática, segundo estimativa da Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned), tem cerca 18 mil alunos no país, o que corresponde a apenas 0,04% do total de estudantes brasileiros no ensino regular.

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—  Uma das coisas é que envolve liberdade de escolha das famílias. O que nós queremos nesse governo que às vezes é carimbado como autoritário, e que nao é... Estamos dando à familia uma opção, uma liberdade de escolha daquilo que ela julga ser melhor para seu filho — afirmou Ribeiro, minimizando o fato de que o tema atinge poucas pessoas no Brasil:

— A aprovação dessa lei vai  dar segurança jurídica às famílias que optarem pela educação domiciliar. O fato de ser minoria, que é 0,000%, que seja, mas para essas pessoas que têm essa possibilidade de aderir a essa modalidade de educação para elas é 100%. No Brasil pode ser uma dízima, mas para elas é 100% — disse ele, argumentando que o Brasil é um país que "se preocupa com minorias."

O projeto de regulamentação da educação domiciliar estava parado no Congresso desde 2019. No mês passado, no entanto, voltou a andar com a nomeação da deputada Luísa Canziani (PTB/PR) como relatora do tema na Câmara. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que familiares só poderiam retirar estudantes da escola em locais onde houvesse regulamentação do tema. Os ministros concordaram que Constituição Federal não proíbe a prática, mas como não há lei que regulamenta o tema, não teria como esse modelo ser instituído no país.

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Ferrenha defensora do tema, a ministra Damares Alves afirmou que há famílias "que sofrem" pela falta de regulamentação do ensino domiciliar. A ministra disse que o momento é "especial" para discutir o tema já que muitas crianças estão em casa devido à pandemia.

Damares negou que a regulamentação da modalidade oferecerá risco aos estudantes, uma vez que a escola é um dos principais instrumentos da sociedade para identificar crianças vítimas de abuso e violência.

— É exatamente para proteger crianças que precisamos regulamentar esta lei e a modalidade, porque na hora que a gente regulamenta, essas famílias vão estar inscritas no processo do ensino domiciliar e nós saberemos quem são essas crianças e poderemos acompanhá-las. Enquanto não houver regulamentação, não sei quem são essas crianças. A lei vem para proteger crianças que estão na modalidade e assim o Brasil pode avançar no combate às violações de direitos — afirmou Damares.

A ministra disse ainda que não acredita que famílias optaram por esse modelo para "abusar de seus filhos."

— Eu fui abusada dos 6 aos 8 anos e eu estava no âmbito da escola e a escola naquela epoca, claro que é uma relidade totalmente diferente,  não percebeu e nao leu os sinais que eu estava mandando de quando estava sendo violentada. Não justifica dizer que essas famílias que querem educar seus filhos vão optar pela modalidade para abusar de seus filhos — disse.

Os argumentos dos ministros foram amplamente rebatidos por educadores e gestores da área a nível estadual e municipal. O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Angelo, questionou a capacidade do sistema educacional de acompanhar de fato as famílias que vierem a incorporar a educação domiciliar.

— Qual a capacidade hoje do Estado brasileiro, não só o governo federal, mas as redes estaduais e municipais, de fazerem esse acompanhamento? Quero citar como referência a falta de dados hoje em nível nacional a respeito dos alunos e estudantes que estão em suas residências em ensino remoto.— opinou. — Se não fosse iniciativa das redes estaduais e municipais teríamos muito poucos dados hoje sobre quantos estudantes estão recebendo atividades remotas, seja na forma impressa ou na mediação de tecnologia. Quantos estudantes retornam essas atividades que recebem? Quantos estudantes aprendem e o quanto aprendem? Esses dados simplesmente não existem em nível nacional.

Falta de estrutura de monitoramento

A vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Márcia Baldini, questionou se haverá disponibilidade orçamentária no Ministério da Educação (MEC) para estruturar uma rede de monitoramento das famílias que optarem pela modalidade.

—  O MEC tem condições, previsão orçamentária, condição de dar suporte técnico e financeiro para todas as escolas das diversas redes de ensino que compõem nosso país? Temos que ter muito claro qual o papel da educação, da escola. O direito da criança na socialização do conehcimento científico, o acompanhamento permanente. Como será o trabalho do tutor? Qual a formação desse tutor? — questionou.

Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), a educadora Maria Helena Guimarães também se posicionou contra a proposta. Ela argumentou que familiares não estão preparados para garantir aprendizagem dos estudantes e defendeu ainda a escola como ambiente para socialização dos alunos.

— A proposta de regulamentação da educação domiciliar nesse momento tem problemas que dizem respeito a necessidades de competências didáticas e pedagógicas sobre como ensinar e como as pessoas aprendem, à restrição à convivência com diferentes grupos sociais, que é uma parte essencial do processo educativo e de humanização.— disse Maria Helena. — Reflete certo prejuízo na identificação de comportamentos de risco dentro dos ambientes familiares como abuso sexual, violência doméstica e exploração.