Em livro, ex-ministro conta os bastidores da pátria educadora

Titular do MEC sob Dilma, Janine reflete sobre governo e futuro da educação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Ex-ministro da Educação de Dilma Rousseff, Renato Janine Ribeiro, 68, apresenta em seu novo livro um raro testemunho de quem esteve dentro de um governo posteriormente interrompido pelo impeachment e marcado por um slogan educacional que se tornou armadilha para a própria gestão petista.

“A Pátria Educadora em Colapso” (Ed. Três Estrelas, do Grupo Folha, empresa que edita a Folha) traz reflexões de Janine, professor titular de ética e filosofia política da USP, sobre a derrocada de Dilma e o futuro da educação no Brasil.

O ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro
O ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro - Marlene Bergamo/Folhapress

Sob olhar de um pensador que nunca havia sido parte da chamada classe política e que tampouco era filiado ao PT, a obra esmiúça a política real, seus atores e aspectos éticos e práticos das políticas públicas e dos desafios do país.

Para Janine, a pátria educadora, citada no título do livro e que virou slogan de governo sem consulta ao Ministério da Educação, logo passou de bom lema a alvo perigoso.

“Num período de crise econômica e orçamento apertado, o lema dava a todos os jornais, de bandeja, um mote para ridicularizar qualquer fracasso que ocorresse na educação, pública ou privada, federal ou estadual ou municipal.”

A chegada do professor da USP à Esplanada dos Ministérios se deu cercada de simbolismos, em meio à crise intensificada no começo de 2015, logo depois das eleições.

O ex-governador do Ceará Cid Gomes havia sido escolhido em janeiro para a pasta da Educação, mas saiu em menos de três meses, após chamar Eduardo Cunha —deputado hoje preso por corrupção— de “achacador” no plenário da Câmara.

O convite feito por Dilma a Janine veio uma semana depois. “O que mais me surpreendeu —e falei disso a ela quase no final do encontro— foi que a presidente me parecia surpreendentemente calma, tendo em vista o bombardeio ininterrupto que já sofria. Dilma respondeu que jamais perdia o controle em situações daquele tipo —as quais acabariam se prolongando por um ano inteiro até o impeachment”, escreve o ex-ministro.

Mesmo apontando falhas na conduta de Dilma, Janine faz um retrato positivo da petista —que só receberia o então ministro da Educação em três ocasiões ao longo dos seis meses em que ele ficou na pasta.

Em setembro de 2015, Dilma tirou Aloizio Mercadante da articulação política na Casa Civil para tentar acalmar a oposição. No movimento, Mercadante voltou ao MEC, em cargo que já ocupara no mandato anterior da petista, e Janine acabou demitido.

A notícia de que sairia do governo saiu antes na imprensa, conta o ex-ministro no livro. “De minha parte, não dei maior importância à forma como tudo ocorrera, simplesmente porque já não via futuro na ação do governo em geral, nem na do MEC, sem que se fizesse pelo menos uma enorme revolução cultural”, diz.
Na segunda parte do livro, Janine se desvia do colapso da pátria educadora para investir na reflexão sobre a educação. Passa por conceitos de sociedade, igualdade e educação até análises específicas sobre projetos, como PNE (Plano Nacional de Educação) e Fies (financiamento estudantil).

Sob Janine, ocorreram os principais ajustes do governo petista no Fies —que havia sido um dos destaques na campanha eleitoral petista, mas cujo descontrole de gastos se tornou insustentável.

‘Educação fica de lado em eleições porque ignorância não dói’

Para escrever “A Pátria Educadora em Colapso”, Renato Janine Ribeiro diz ter retomado uma pergunta feita em um encontro com Barack Obama, ex-presidente dos EUA, sobre a transição da teoria à prática.
Em entrevista à Folha, Janine é cético quanto à presença da educação no debate eleitoral. “Ignorância não dói”, diz. 

 

Qual foi a motivação para escrever um livro sobre esse período?

Estive numa situação quase única. Alguém que trabalha com política conceitualmente e num certo momento tem algum tipo de poder nas mãos. Acho que, numa situação desse tipo, é muito importante fazer uma reflexão. Quando visitei Obama, ao participar da visita da presidente Dilma à Casa Branca, ele teve particular interesse no Ministério da Educação. Ele perguntou a minha formação, e [depois] a pergunta dele foi óbvia: Como é passar da teoria à prática? Acho que essa é a grande questão.

Como foi construir diálogo com movimentos de esquerda e ao mesmo tempo com a área econômica do governo?

Com a área econômica não havia o que fazer. Comento a questão do Fies, que Dilma mandou liberar no segundo semestre, mas a Fazenda fez o que quis e não soltou dinheiro novo. Com a Fazenda é muito difícil negociar. O Lula mandava a Fazenda fazer. Mas ele tem diálogo e tinha verba. Dilma não tinha dinheiro, o que limita qualquer possibilidade de governar. E ela não tinha uma comunicação boa.

O sr. comenta que a pátria educadora passou de um bom lema para uma armadilha. Já havia essa impressão quando chegou ao MEC?

Não, na hora achei que era prioridade. Achei que a crise econômica poderia ser vencida. O principal erro do governo na época foi não ter se comunicado bem para explicar a crise. Deveria ter ido direto para as pessoas que mais necessitam. A educação mal tinha lugar na agenda da presidente. Ela estava preocupada em salvar a economia, com razão.

O sr. acredita que a educação vai ter relevo no debate eleitoral deste ano?

Não, nenhum. Pode ter se algum candidato assumi-la com tema. O problema é que sempre comparo com a saúde. Doença dói, ignorância não dói. Um dos traços fortes da ignorância é não saber que é ignorante. A pessoa mais ignorante está mais convicta de que sabe do que a pessoa que conhece coisas.


A Pátria Educadora em Colapso
Renato Janine Ribeiro, ed. Três Estrelas. R$ 51,90 (351 págs.)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.