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Brasil

Em dois anos de pandemia, colégios privados perderam quase um milhão de alunos

Maior baque foi na educação infantil, que representou quase 600 mil — 298 mil na creche e 308 mil na pré-escola, uma queda de 21% e 25%, respectivamente
Emmanuel, de 8 anos, foi em 2020 para uma escola pública, em que foi alfabetizado, e não vai retornar para o ensino privado Foto: Reprodução / Agência O Globo
Emmanuel, de 8 anos, foi em 2020 para uma escola pública, em que foi alfabetizado, e não vai retornar para o ensino privado Foto: Reprodução / Agência O Globo

RIO - As escolas privadas brasileiras perderam quase um milhão de estudantes nos dois primeiros anos da pandemia. O número representa uma queda de quase 10% de matrículas, interrompendo uma série histórica de crescimento.

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O maior baque foi na educação infantil, que representou quase 600 mil — 298 mil na creche e 308 mil na pré-escola, uma queda de 21% e 25%, respectivamente.

Especialistas e representantes do setor apontam que a educação infantil é uma etapa escolar que muito dificilmente pode ser adaptada para o ensino remoto, já que crianças muito pequenas têm pouca ou nenhuma autonomia para estudarem sem acompanhamento especializado. Além disso, a creche não é uma etapa obrigatória, e por isso, os pais não precisavam nem buscar uma escola pública para as crianças.

Em fevereiro de 2020, Luca, de 3 anos, foi matriculado pela mãe, a bibliotecária Carina Volotão, numa escola privada de Rio Bonito, na região metropolitana do Rio. No entanto, a crise sanitária fez com que Luca passasse a ter aulas remotas com apenas um encontro em tempo real por semana. Com a nova dinâmica e o aperto financeiro da família, os pais decidiram matriculá-lo em uma escola pública no final do ano.

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— Além de o meu filho não ter se adaptado ao online porque as aulas não prendiam a atenção dele, existia uma cobrança pedagógica muito grande da escola para entregar semanalmente desenhos, pinturas, atividades, e estávamos em um período muito conturbado. Como eu estava pagando por algo que não estava sendo aproveitado e por, na época, pela idade, ainda não ser obrigatório que o Luca estivesse matriculado, esperamos acabar o ano e tiramos ele da particular — relata Carina.

Presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares, Bruno Eizerik afirma que a pandemia causou um distúrbio no setor. Com a volta das aulas, em 2022, as famílias buscaram matricular de novo filhos nas escolas privadas. No entanto, com o fechamento de muitos colégios, os que continuaram funcionando não conseguem atender a toda a demanda.

— As que conseguiram manter as portas abertas estão recusando alunos por falta de vagas— afirma Eizerik, que acredita na normalização do mercado só em 2023.

A família de Luca decidiu matricular a criança numa escola privada, após a liberação das aulas presenciais. Apesar de ter aprovado o ensino público, Carina entendeu que a estrutura da instituição seria mais segura à saúde do filho.

— A escola pública não deixa nada a desejar, é muito similar ao que a particular está entregando agora. Fizemos essa escolha por questões mais estruturais: de merenda, bebedouro, espaço em sala de aula. Na escola particular, posso até cobrar mais da instituição que respeite as normas impostas pela pandemia.

Impacto na rede pública

A saída da rede privada também gera problemas para a pública. A creche e a pré-escola são etapas em que o país ainda não garante vaga para todas as crianças. Diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV-RJ e ex-secretária municipal de Educação do Rio, Cláudia Costin aponta outro problema gerado nesse último ano: a dificuldade de planejamento.

De acordo com a especialista, as secretarias de educação fazem o planejamento de vagas de um ano para o outro baseado no total de matrículas das redes pública e privada No entanto, um fenômeno muito comum em 2020 e 2021 foi o de pais que decidiram tirar seus filhos da creche e pré-escola da rede privada e não os colocaram na rede pública.

— Nesse ano, quando essas crianças chegaram no 1º ano do fundamental, essas famílias procuraram a rede pública, que, em alguns casos, foram pegas com um planejamento subdimensionado. Em São Paulo, por exemplo, faltou vaga porque ninguém tinha calculado essas crianças — explica Costin.

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Eizerik confirma que as escolas privadas também estão vendo cada vez mais os alunos chegarem ao 1º ano sem terem cursado a educação infantil — o que, na avaliação de Costin, traz problemas pedagógicos importantes. O Brasil decidiu, em 2014, que a pré-escola é uma etapa obrigatória de ensino para as crianças de 4 a 5 anos.

— Os impactos de não cursar pré-escola não são pequenos. É uma etapa que desenvolve com mais intencionalidade as chamadas competências socioemocionais, como a persistência, o trabalho em grupo, saber lidar com os colegas e entender que eles também têm direitos. São habilidades que vão ser fundamentais para as crianças desenvolverem competências cognitivas — alerta Costin. — Além disso, é nesse momento em que se faz a exposição ao mundo letrado. Neste momento, a professora conta histórias de livros, a criança entende o som da letra, cria consciência fonológica.

Mais novos, mais afetados

No ensino fundamental, os anos iniciais (do 1º ao 5º) das escolas privadas foram os mais afetados. Nessa etapa, houve uma perda de 265 mil estudantes, o que significa uma queda de 9% do total das matrículas.

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Esse é o caso de Emmanuel de Oliveira Pereira, de 8 anos, que saiu da escola particular na metade de 2020, quando cursava o primeiro ano do ensino fundamental. Os primeiros seis meses de ensino remoto e as mais de cinco horas em frente ao computador diariamente fizeram com que a mãe Juliana dos Reis Oliveira optasse por tirar Emmanuel da instituição privada e matriculá-lo em uma pública, em Juiz de Fora (MG).

— Quando eu vi que não estava tendo rendimento e que a rotina exaustiva estava abalando ele, busquei informações sobre uma escola estadual que meu sobrinho estudava e matriculei o Emmanuel. Quando a vaga surgiu, tirei da escola particular — explicou.

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Outro fator determinante para a troca foi a renda da família, que foi reduzida na pandemia. Atualmente desempregada, Juliana diz que a escola relutou em reduzir a mensalidade.

— A escola particular não quis dar desconto. Infelizmente muitos pais tomaram essa decisão — disse.

De acordo com Juliana, o ensino na rede estadual foi melhor porque a dinâmica das tarefas era diferente: as atividades não eram feitas e tempo real, e enviadas diariamente via Whatsapp à professora. Os alunos poderiam fazer em um horário que fosse bom para eles e para os pais. A dinâmica menos estressante ajudou o menino a aprender a ler com mais facilidade.

— Emmanuel começou a ler no período que eu passei ele para a escola pública. Pode ter sido empenho dele e dedicação minha, mas o material enviado era muito bom. Quando precisava tirar alguma dúvida, as professoras estavam disponíveis — afirmou Carla, que manteve o filho na escola pública em 2022.

Os anos finais do fundamental (do 6º ao 9º) tiveram uma contração de 2%, com a perda de 37 mil estudantes. E só o ensino médio conseguiu manter o mesmo patamar de estudantes.

— O ensino remoto conseguiu atender esses alunos, por isso não houve evasão — argumenta Eizerik.