Em contato com a natureza, escola de Goiás educa para a felicidade - PORVIR
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Em contato com a natureza, escola de Goiás educa para a felicidade

Na Escola Vila Verde, alunos escolhem o que vão estudar, exploram o cerrado para entender como protegê-lo e aprendem a lidar com as próprias emoções

por Fernanda Nogueira ilustração relógio 15 de fevereiro de 2018

Uma escola onde os alunos aprendem por projetos, valorizam o meio ambiente e exercitam o autoconhecimento: é assim a Escola Vila Verde, localizada no meio do cerrado, em Alto Paraíso de Goiás (GO). Particular e filantrópica, a escola foi criada em 2010 por um grupo de pais preocupados com a qualidade do ensino na cidade de cerca de sete mil habitantes.

Com uma área de 46 hectares ao lado do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, a escola – construída sem muros ou cercas – tem como missão “educar para a felicidade e educar para a cultura da paz”. Desde 2014, é mantida e gerida pelo Instituto Caminho do Meio, braço social do Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB).

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Reconhecimento nacional e internacional

Por trabalhar aprendizagem ambiental de forma inovadora, a Vila Verde ganhou menção honrosa no desafio internacional Edumission, rede de escolas inovadoras de todo o mundo criada pela empresa de impacto social israelense Education Cities. Para participar da competição, a escola produziu vídeos em que explica seu trabalho.

Além disso, foi apontada em 2015 pelo Ministério da Educação (MEC) como uma escola de referência pelo ensino inovador e criativo. Foi escolhida ainda, no ano seguinte, pela Ashoka, organização sem fins lucrativos que busca a transformação positiva da sociedade, em parceria com o Escolas Transformadoras do Brasil, do Instituto Alana, para integrar um grupo de 300 escolas consideradas transformadoras pelo mundo, sendo 18 delas do Brasil.

Aprendizagem baseada em projetos

O aprendizado por projetos, em que os alunos escolhem o que querem estudar ao invés de apenas assistirem a aulas expositivas sobre alguma disciplina, é baseado, segundo o diretor Fernando Leão, nos estudos do americano John Dewey, que, no final do século 19, desenvolveu o movimento da escola progressiva nos Estados Unidos, valorizando a relação entre a escola e a sociedade e a relação da criança com o currículo. Outra inspiração para a escola são os estudos do espanhol Fernando Hernández, que focou seu trabalho na relação entre currículo e aprendizado.

A escola tem 70 alunos, entre 4 e 15 anos, com turmas desde o ensino infantil até o último ano do ensino fundamental. As salas, com no máximo 16 crianças ou adolescentes, são divididas entre alunos de duas séries, que estudam juntos. Eles participam ainda de oficinas, chamadas de GEI (Grupos de Estudo por Interesse). Algumas opções são culinária, marcenaria, desenho, pintura, trabalhos com o corpo, dança, música, aromaterapia, massagem e meditação. As oficinas podem ser oferecidas pelos próprios professores, pelos pais, estudantes ou pela comunidade. Os pais são presentes na escola. Participam de atividades e acompanham o desenvolvimento das crianças.

Dentro da condução dos projetos, trabalho o que eles têm interesse

Professora tutora de projetos da turma que tem estudantes de sexto e sétimo ano do ensino fundamental, Daniela de Campos Razuk, 34, está em seu quarto ano de atuação na escola. É formada em psicologia, pedagogia e tem pós-graduação em psicopedagogia. “Dentro da condução dos projetos, trabalho o que eles têm interesse. O tema escolhido sempre engloba diferentes áreas e diferentes matérias”, explica Daniela. Os alunos também têm aulas com professores especialistas, como matemática, inglês e ioga.

Os projetos são bimestrais. A quantidade varia de acordo com a série. Na turma de Daniela, os estudantes desenvolvem um projeto de sala, a partir do interesse deles, mas que envolva conteúdos exigidos pelo MEC. O projeto pessoal é completamente livre, sobre qualquer assunto. Há também um projeto feito com turmas diferentes, que mistura faixas etárias.

Os diferentes tipos de projetos são conduzidos a partir de escolha do tema, do objetivo, de por que se quer estudá-lo, da função social. “A gente conversa com eles de não haver o estudar por estudar, o conteúdo morto. Na escolha tem que pensar no objetivo, como elaborar, como contribuir para o meio social, para a comunidade ao redor, de que forma vai usar. Fazer questionamentos para construir as ideias”, explica Daniela.

A partir disso, os estudantes e professores organizam o tempo, as tarefas e as pesquisas a serem feitas. A cada aula, os educadores orientam os alunos sobre o que precisam fazer e como se manterem no planejamento. “A parte de busca de informações, de respostas, fica a cargo deles com a nossa tutoria. A gente não dá aula. São eles que vão buscando conhecimentos, conteúdos”, diz Daniela.

No fim do bimestre, os estudantes apresentam os produtos finais. “Pode ser uma aula para os colegas, pode ser uma construção física, pode ser uma campanha de conscientização. Tem que culminar em uma questão prática, chegar em algum lugar e ter um propósito naquilo”, explica a professora. Alguns exemplos de projetos foram uma mão hidráulica, construída com materiais simples, como seringas, uma campanha para evitar incêndios acidentais no cerrado e uma palestra sobre como prevenir a depressão e o suicídio.

A estudante do oitavo ano do ensino fundamental Laís Rodrigues Gojvscek, 15, está na Vila Verde desde o quinto ano. “É legal. Já me acostumei bastante com o jeito dos projetos. Gosto bastante. Tem possibilidade de escolher o que quer trabalhar, diferente de escola tradicional, porque você pode opinar sobre o que vai fazer, como vai fazer”, conta a aluna.

Sinto que aprendo mais. A gente vê no que evolui, em que precisa melhorar

Laís explica que também gosta de não ter de fazer provas e de poder se autoavaliar. “Sinto que aprendo mais. A gente vê no que evolui, em que precisa melhorar.” Neste início de ano letivo, ela e seus colegas de sala fazem reflexões. “Não começamos os projetos individuais ainda. Estamos falando sobre quem somos nós, sobre descobrir o que queremos, o que nos deixa felizes”, diz. Ela afirma que gosta de poder explorar a região ao redor da escola. “É muito bom, porque a gente pode fazer passeios. Pode falar que quer fazer trilhas e a gente faz.”

Educação ecológica

O interesse pelo ambiente é trabalhado na escola de acordo com estudos do físico e escritor austríaco Fritjof Capra, que desenvolveu e promove a educação ecológica, como explica Fernando no vídeo para o Edumission. Acompanhados dos professores, os alunos exploram as áreas ao redor da escola, fazem passeios, visitam cachoeiras e piscinas naturais. Também conhecem a vegetação e os animais. Depois, voltam para a escola e analisam e estudam o que viram.

“A escola olha o meio ambiente da forma mais ampla possível, desde coisas clássicas, como horta pedagógica, aula de cultivo, mas também conscientização”, explica Fernando. A Vila Verde tem um termo de cooperação junto aos gestores do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) que permite que os estudantes desenvolvam atividades dentro do parque e vice-versa.

Não adianta dizer: ‘Salvem o lobo guará’. Nosso olhar é para o que podemos fazer no dia a dia, agora, para salvá-lo

“Os estudantes estão em contato íntimo com a natureza. Não adianta levantar bandeira. Preciso primeiro conhecer para amar, depois amar para proteger. Não adianta dizer: ‘salvem o lobo guará’. Nosso olhar é para o que podemos fazer no dia a dia, agora, para salvá-lo. São ações práticas, ligadas ao meio ambiente”, explica Fernando.

O estímulo ao autoconhecimento é influenciado pelos ensinamentos do guru budista Lama Padma Samten, que segue a linha do budismo tibetano, “mas a escola não é budista”, afirma o diretor. O trabalho é guiado por cinco sabedorias, que falam da importância do desenvolvimento de boas relações entre as pessoas. São preceitos como empatia, oferecer, estruturar, parar ações negativas e ser livre.

“Quando os alunos chegam da escola tradicional, o mais difícil é se acostumar com a liberdade, de pensamento, de escolha, de oportunidades. Isso é complicado. Estão sempre olhando para ver se podem fazer, querem saber o que achamos”, diz Fernando. Há estudantes que não se adaptam, principalmente os mais velhos. “Estavam tão acostumados com a tutela que simplesmente não seguraram a onda, pediram para voltar para a escola tradicional.”

A educação para a felicidade é trabalhada para que os estudantes consigam pensar sobre o que gostam, o que querem e os que os deixa felizes. Para que, assim, possam fazer boas escolhas e saber lidar com as próprias emoções. Na cultura da paz, a escola procura desenvolver nos estudantes a preocupação com o outro e a pensar sobre o que pode fazer para tornar o mundo melhor.


TAGS

aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem colaborativa, autonomia, avaliação, competências para o século 21, educação infantil, ensino fundamental, escolas inovadoras, socioemocionais, sustentabilidade, tecnologia, uso do território

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