Se faltasse uma cena capaz de mostrar que Brasília é uma ilha de fantasias e o governo de Jair Bolsonaro vive no mundo da lua, mostrou-se perfeita a posse do professor Milton Ribeiro no Ministério da Educação.
Os estudantes brasileiros estão sem aulas presenciais desde março e, em janeiro, 5,8 milhões de jovens que concluíram o nível médio irão para o Enem sem o preparo necessário. A respeito dessa desgraça, nem uma palavra.
Ribeiro contou que sua Universidade Mackenzie foi a primeira a receber filhos de escravos e que estudou na rede pública. Bolsonaro lembrou que fez toda a vida em escolas da Viúva. Nenhum dos dois percebeu que, de acordo com dados de 2008, 3 em cada 10 jovens que concluíam o ensino médio não tinham acesso a internet. Sem ela e sem aulas, resta saber como podem se preparar direito. Os jovens Milton e Jair provavelmente estariam ferrados no Enem de janeiro.
Esse Enem será um massacre para os jovens do andar de baixo e não há educateca ilustre preocupado com isso. Sabe-se lá o que pode ser feito, mas a triste realidade é que eles nem fingem estar preocupados.
A única coisa que se fez foi pôr em circulação a cloroquina pedagógica do ensino a distância. Na teoria, resolve qualquer problema; na prática, resolve os problemas de alguns espertalhões.
Amanhã Ribeiro estará sentado de ministro. Pode começar sua gestão perguntando como foi preparado o edital 013 de 21 de agosto de 2019. Ele mexia exatamente com a informatização da rede pública de ensino. Pretendia jogar R$ 3 bilhões para a compra de 1,3 milhão de computadores, laptops e notebooks.
A Controladoria-Geral da União apontou a maracutaia.
Repetindo: a Escola Municipal Laura de Queiroz, de Minas Gerais, receberia 30.030 laptops para seus 255 estudantes. Na Chiquita Mendes, de Santa Bárbara do Tugúrio (MG), cada aluno ganharia cinco laptops.
Duas das empresas que mandaram orçamentos ao FNDE enviaram cartas com o mesmo erro de português: "Sem mais, para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessária". Noutra coincidência, as duas empresas pertenciam à mesma família.
O edital foi cancelado. De lá para cá, o FNDE (R$ 58 bilhões no cofre) teve três presidentes e ninguém contou como o jabuti foi parar na árvore.
Ribeiro anunciou que é homem do diálogo. Pode começar perguntando de onde saiu o edital. Se sobrar tempo, pode tentar saber o que é possível fazer pelos jovens que ficaram sem aulas e não têm acesso à rede.
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