30/05/2018

EJA: Concepção de Um Futuro Promissor

EJA: CONCEPÇÃO DE UM FUTURO PROMISSOR

Graziela Luz dos Santos

Rosalina Brusda de Oliveira

Fernanda dos Santos Paulo

Centro Universitário Leonardo da Vinci - UNIASSELVI

Curso: Pedagogia

RESUMO

Ante ao mundo promissor, justo e igualitário que almejamos, faz-se mister o conhecimento e análise acerca da Educação de Jovens e Adultos, a partir de uma concepção pautada na libertação e ascensão do educando. Logo, o respectivo trabalho, realizado a partir de uma pesquisa real, bem como, de determinadas obras bibliográficas, salientando principalmente os pressupostos de Paulo Freire, supõe a necessidade de considerarmos o processo de alfabetização emancipatória, fomentando a formação de indivíduos críticos e conscientes da sua efetiva inserção no meio social. Constatamos, no entanto, a partir da pesquisa real, que a prática libertadora ainda é um desafio a ser superado, considerando as situações de caráter excludentes que permeiam o contexto escolar, desde a prática de ensino, até as relações que se estabelecem. Por conseguinte, percebemos o quão importante se faz a atuação e compromisso docente, no âmbito do pleno exercício da cidadania e da democracia. Portanto, quanto maior o nível de conscientização, tanto mais, teremos um mundo melhor, no qual, condições existenciais dignas, não sejam privilégio de poucos, mas direito de todos.

Palavras-chave: EJA. Alfabetização. Conscientização

1 INTRODUÇÃO

O presente texto tem como tema central a abordagem da Educação de Jovens e Adultos, a partir do objetivo de conhecer e analisar a concepção da EJA, ante um futuro promissor, na condição do sujeito de “ser mais”, dialogando, assim, com as ideias de Paulo Freire e demais autores.

Esse trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa real, a ser complementada por materiais bibliográficos, referente ao tema em questão, destacando os pressuposto de Paulo Freire e autores como, Libâneo (1994) e Barbosa e Favere (2013), sendo estas, autoras do livro de Teorias e Práticas do Currículo, da Uniasselvi.

Ao longo do desenvolvimento, primeiramente será apresentada uma sistematização da história da EJA no Brasil, considerando a primeira experiência de alfabetização conscientizadora, realizada por Paulo Freire na cidade de Angicos. Por conseguinte, será abordada a pesquisa real, realizada na escola Wenceslau Fontoura, no município de Porto Alegre, dialogando com a concepção de Paulo Freire e demais autores, destacando assuntos como: fracasso escolar, currículo e didática e conscientização (ser mais). Por fim, nas considerações finais, será resgatada, de forma crítica e problemática, a pesquisa realizada, a partir dos materiais utilizados, propondo a continuidade dos estudos atingidos.

2 EJA: RELEMBRANDO UM PASSADO INESQUECÍVEL

Antes de adentrarmos à modalidade da Educação de Jovens e Adultos, faz-se mister, conhecermos a sua história, pautada no âmbito da Educação Popular, sendo Paulo Freire, seu idealizador e concretizador. Experiência esta, iniciada no estado do Rio Grande do Norte, na cidade de Angicos, a partir do método de alfabetização em massa.

Na década de 1960, o Brasil passava por grandes transformações, na luta por uma sociedade democrática. No entanto, podemos caracterizar esse período, inicialmente, a partir de uma pseudodemocracia, ou seja, sendo o povo, representado por seus governantes, através do voto. As decisões políticas eram assumidas pela minoria. Contudo, era necessária a participação ativa da população na esfera política e a afirmação da sua cidadania, conforme a Constituição da República Federativa do Brasil (1988, p. 5): “Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.

Nesse contexto, a fim de lutar pela garantia dos seus direitos, pelo seu reconhecimento humano, fazia-se essencial a imersão do indivíduo no âmbito social, através da alfabetização, sendo a maioria destes, analfabetos. Foi então, que Paulo Freire propôs uma educação formadora, a introdução do sujeito no mundo, através da conscientização:

A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual, nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste “estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens. (FREIRE, 1979, p.14)

Partindo dessa concepção de mundo, seu método de alfabetização iniciou-se na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, no ano de 1963. Como o índice de analfabetismo era crescente, essa experiência visava a alfabetização de cerca de quatrocentos adultos ao longo de quarenta horas. Sua ação alfabetizadora originava-se da cultura dos próprios educandos, sob a forma de palavras geradoras. Em torno destas, além do desenvolvimento da escrita e da leitura, por meio da decomposição das palavras, através de um processo dialógico, o homem apropriava-se conscientemente da sua capacidade de transformação social, reconhecendo-se como ser histórico: “Assumir-se como ser social e histórico como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto”. (FREIRE, 1996, p.41)

Em dois de abril do mesmo ano, Paulo Freire formou a primeira turma de jovens e adultos, sob a aprovação dos partidos políticos que concebiam a alfabetização em massa, como aumento de eleitores, Ao contrário dos partidos de esquerda, que entendiam este processo, como ameaça à sociedade vigente. Por este motivo, Paulo Freire foi preso e exilado, ao mesmo tempo em que, levou à outros países, como o Peru, sua proposta de educação libertadora.

Seus ideais, embora condenados, por se tratar do processo de desalienação do homem, fomentou as políticas públicas da EJA, servindo de base também, para a construção do Plano Nacional de Educação (2010, p. 29-30), segundo o qual, propõe:

[...] elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove anos), de modo a alcançar no mínimo 12 (doze) anos de estudo no último ano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE..

Em suma, seu discurso, atualmente, serve de observação e análise acerca da Educação de Jovens e Adultos, a partir da sua práxis, proporcionando aos educadores, a conscientização da sua ação pedagógica, bem como, levá-los à deflagração de todo ato desumano que permeia o contexto escolar. Logo, no próximo tópico, faremos uma reflexão acerca de uma observação realizada na escola Wenceslau Fontoura situada na zona norte do município de Porto Alegre, com oferta à EJA, anos iniciais.

3 PRÁTICA, AÇÕES. LIBERTAÇÃO OU DOMINAÇÃO: DESVELANDO O CONTEXTO DA SALA DE AULA

Estar disponível é estar sensível aos chamamentos que nos chegam, aos sinais mais diversos que nos apelam, ao canto do pássaro, à chuva que cai ou que se anuncia na nuvem escura, ao riso manso da inocência, à cara carrancuda da desaprovação, aos braços que se abrem para acolher ou ao corpo que se fecha na recusa. É na minha disponibilidade permanente à vida a que me entrego de corpo inteiro, pensar crítico, emoção, curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo em minha relação com o contrário de mim. (FREIRE, 1996, p. 134).

E foi exatamente com o coração repleto de curiosidade, desejo, sensibilidade, amor à vida e a certeza do caminho certo, que no dia sete de outubro de dois mil e quatorze, iniciamos as nossas experiências na EJA, enquanto pesquisadoras e futuras educadoras, conscientes da nossa práxis libertadora. Uma realidade se desvelava a nós, permeada de situações excludentes e fixadoras da sociedade atual, ao mesmo tempo, capaz de romper com a desigualdade e promover a libertação, a ascensão dos sujeitos envolvidos nesse processo dialógico.

Ao chegarmos à escola, fomos recebidas pela diretora Cláudia, que após as apresentações, nos acompanhou, gentil e educadamente à sala de aula. Ao adentrarmos, a professora da turma, Vera, veio nos recepcionar. Nesse momento, haviam sete alunos, sendo que os demais, embora a turma fosse pequena, foram chegando gradativamente e acomodando-se em seus respectivos grupos. Percebemos os olhares curiosos e tímidos que nos fitavam, como que desejando profundamente nos conhecer. Então, nos apresentamos à turma e os educandos, também o fizeram. Foi um momento importantíssimo de trocas de experiências, no qual, a professora falou-lhes sobre o nosso propósito, bem como, afirmou que um dia, seriam aquelas mesmas pessoas que poderiam estar em nosso lugar, realizando um trabalho de graduação. Nesse momento, fizemos nossas as respectivas palavras da professora, reforçando a capacidade de todos(as) aqueles educandos, bem como, enfatizando a nossa condição, pautada na humildade de eternos aprendizes, independentemente do nível de escolaridade no qual nos encontrávamos, como nos coloca Freire (1996, p. 121): “A humildade exprime, pelo contrário, uma das raras certezas de que estou certo: a de que ninguém é superior a ninguém.”

Ante um clima agradável, a turma acomodava-se, enquanto três alunos auxiliavam a professora Vera, sendo Marcos, um homem, por volta dos seus trinta anos, o mais solícito. Separadamente da sala de aula, havia um espaço, no qual, era preparado o chá que ficava disponível à turma durante à noite, juntamente com algumas guloseimas fornecidas diariamente por um determinado educando(a). Logo, foi o respectivo aluno que se disponibilizou a organizar o lanche.

Os outros demais discentes, fixavam acima do quadro, um alfabeto móvel, sendo Guilherme, o aluno mais novo da turma, com apenas quinze anos, egresso do diurno, devido à sua idade já avançada nos anos iniciais. Embora a solicitude do mesmo, percebeu-se sua dificuldade de interação com o grupo, já que este, se referia ao aluno com certa impaciência, pois, ao terminar de fixar o alfabeto, o mesmo, começou a caminhar constantemente pela sala. Logo, solicitou jogos à professora, porém a mesma, disse que ele necessitava escrever. Contudo, percebia-se a falta de motivação do educando. A professora, diante da situação, continuou conversando com alguns alunos, enquanto Guilherme, permaneceu andando pele sala de aula, dificultando, a concentração e consequentemente, a aprendizagem dos demais. Foi a partir do incentivo de determinados colegas, que fazem parte do seu grupo (somente alunos com dificuldade e que trabalham sozinhos, sem a mediação da professora) que o aluno Guilherme resolveu acomodar-se na classe. Entretanto, ao fornecer-lhe a atividade, a professora percebeu que não tinha mais xerox para o respectivo aluno, fornecendo-o assim, outro material.

Diante da realidade de Guilherme e de tanto outros educandos, cabe-nos o dever, mesmo que resumidamente, de dissertarmos sobre o fracasso escolar. Consideramos, entre vários aspectos que o caracterizam, primordialmente, o processo de ensino-aprendizagem, bem como, o processo avaliativo realizado ao longo dos anos escolares, que desconsidera as particularidades de cada sujeito, suas condições socioeconômicas, assim como, suas experiências de vida, responsabilizando-o, na maioria das vezes, pela sua própria frustração. Logo, segundo Libâneo (1994, p. 36), podemos enfatizar que: “[...] a educação não depende apenas do interesse e esforço individual porque, por detrás da individualidade, estão condições de vida e de trabalho que interferem nas possibilidades de rendimento escolar.”

É a partir dessa faceta excludente da educação, que mascara as dificuldades sociais, levando os indivíduos à negligência, levando-os a aceitarem-se como responsáveis pelo seu fracasso, que se encarrega de promover o abandono à escola. “De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada, que não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude de tudo isto, terminam por se convencer da sua ‘incapacidade’.” (FREIRE, 2011, p. 69). Assim, se afirmam identidades pautadas em estereótipos e se faz presente, firmemente, o medo da expressão diante do grupo, bem como, a preocupação com os julgamentos do mesmo. E isso, observou-se nitidamente com relação ao aluno Guilherme, pois este, ao longo do período que estivemos presentes, sentiu-se incomodado com a nossa presença e questionava constantemente à professora se estávamos ali para avaliá-lo.

Em última análise acerca do assunto acima abordado, considera-se o fracasso escolar como fator de destaque responsável pelo evasão dos bancos escolares e consequentemente, um problema a ser vencido pela escola, a fim de que tenhamos, uma sociedade justa e igualitária, com a efetiva participação de todos os indivíduos, ante a afirmação da sua cidadania. Lutemos para que se afirmem sonhos e a busca constantes pela realização dos mesmos, em detrimento da constante construção de subjetividades estereotipadas.

Em meio à nossa preocupação e desejo incessante de mudarmos a realidade que se descortinava à nossa volta, a aula continuava. A proposta de trabalho, ao longo daqueles dias, segundo a professora eram os Direitos Humanos (Direitos do consumidor, Direito à moradia e Direitos das mulheres). Nesse dia, seria abordado o Direito à moradia, sendo que, o respectivo assunto, iniciou-se a partir da Parlenda “Corre Cutia”, a qual, a professora Vera leu aos demais e explicou que a mesma, fazia parte do nosso folclore, dos ditos populares. Foram disponibilizadas cartilhas aos alunos, sendo que, um dos únicos materiais disponíveis em sala, são os livros didáticos.

Então, não poderíamos deixar de falarmos sobre o currículo e a didática, sendo esta, tão imprescindível no trabalho docente. Sabemos que, em sua grande maioria, os professores limitam-se exclusivamente aos livros didáticos, constituindo-se em seu único método de ensino. Materiais estes, fundamentados numa perspectiva social excludente e legitimadora de subjetividades.

No entanto, faz-se mister, salientarmos que, esses recursos, dos quais o professor dispõe e os faz únicos em seu cotidiano, talvez, devido à sua praticidade, pois os conteúdos já estão organizados para um determinado período de tempo, são articulados a partir de um currículo construído em esfera macro, ou seja, num campo prescritivo, que estabelece e organiza os conhecimentos historicamente acumulados, de forma fragmentada. Logo, estes materiais adentram ao ambiente, perpassados por um caráter dominante, fundamentados numa sociedade capitalista e excludente. “[...] o currículo está permeado de relações de poder, de verdades e de diferentes significados de um grupo social.” (BARBOSA; FAVERE, 2013, p. 10, grifo nosso).

O que nos remete, enquanto educadores, não seria a abolição destes recursos, pois a aquisição de tais saberes, faz-se indispensável ao exercício da cidadania e da democracia. O que se faz crucial, à prática docente, é a análise e confronto do discurso legitimador presente nestes materiais, com a nossa realidade, principalmente, com as experiências dos educandos, possibilitando-os a capacidade “[...] de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper [...]” (FREIRE, 1996, p. 33). Uma sociedade justa, se constitui a partir da deflagração das injustiças sociais, afirmadas por uma ideologia fatalista (FREIRE, 1996), ocultada no âmbito educacional.

Em suma, ante ao mundo que almejamos, comecemos a refletir sobre a nossa prática pedagógica. Façamos do nosso exercício docente, o rompimento com a sociedade na qual nos encontramos, permeada de injustiças e desigualdades, a partir de uma práxis reflexiva, transformadora e capaz de promover a superação dos problemas sociais.

Dando continuidade à aula, a partir da proposta de exploração da parlenda, Vera distribuiu aos grupos que encontravam-se em fase inicial de alfabetização, uma folha xerocada, na qual, deveria ser localizada a palavra “CASA”. Determinados alunos, como Ana, apresentaram bastante dificuldade nesse momento. Assim sendo, a professora escreveu a palavra no quadro, a fim de que os educandos identificassem-na, em seus respectivos materiais. Brevemente, ainda no decorrer desta atividade, um dos alunos, Marcos, levantou-se do seu lugar e comentou: “Profe, até eu tô me apaixonando pela casa que eu tô fazendo!” Porém, como a professora não prestou-lhe atenção, o mesmo, veio relatar-nos sobre a sua profissão. Falou-nos que era construtor de casas, sendo que as respectivas que ele estava construindo no momento, seria destinada à transferência de uma vila, que ocuparia tal local. Ainda acrescentou que tais pessoas eram bastante agitadas. Antes mesmo de a professora solicitar que o determinado aluno retornasse à sua classe, o mesmo finalizou: “Eu queria morar numa casa igual àquela que eu to fazendo!”

Eis que, a partir do relato acima, com clareza, chegamos ao núcleo da nossa discussão, à ideia central do nosso compromisso enquanto educadores, principalmente alfabetizadores, tão defendida por nosso eterno professor Paulo Freire: “[...] a prática primeiro gera saber.” (GADOTTI, 2014, p. 199). A dimensão da prática dos educandos, das suas experiências de vida, constitui-se em fator primordial ao alcance da sociedade que almejamos. Alfabetizar, se torna um processo dialógico, no qual, propõe “[...] ajudar o homem a partir de tudo o que constitui a sua vida, a chegar a ser sujeito.” (FREIRE, 1979, p. 18)

Novamente, faz-se essencial, abordarmos o conteúdo da aula, Direito à moradia, o qual, a professora explorou através de uma parlenda (Corre cutia), sendo esta, desconhecida pela maioria dos alunos, pois o animal ao qual se referia a mesma, não fazia parte da cultura dos educandos. Assim sendo, conforme Freire (2011, p. 80), enfatizamos que: “Em lugar de comunicar-se, o educador ‘faz comunicados’ e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem.”

Salientando outra vez o comentário de Marcos: “Profe, eu tô me apaixonando pela casa que eu tô fazendo!”, reforçamos o quão significativa seria a aprendizagem e consequentemente, a apreensão da realidade que nos circunda (FREIRE, 1996), a partir deste comentário, silenciado, sufocado pela próprio ambiente escolar, reproduzindo assim, a estrutura social excludente na qual estamos inseridos.

Considera-se então que, a pesquisa, análise e compreensão da realidade dos educandos é parte indispensável à prática transformadora, libertadora. A apreensão do universo existencial dos alunos, da sua cultura, bem como, das suas condições socioeconômicas, torna-se então, ponto de partida ao trabalho docente. Nessa perspectiva, dispomos de significações que os sujeitos atribuem à sua existência, sendo que estas, constituem-se em palavras geradoras, a partir das quais inicia-se o processo de alfabetização, de escrita e leitura do mundo, de codificação.

[...] a codificação, a princípio, toma a forma de uma fotografia ou de um desenho que representa uma situação existencial real ou uma situação existencial construída pelos alunos. Quando se projeta esta representação, os alunos fazem uma operação que se encontra na base do ato de conhecimento; se distanciam do objeto cognoscível. Desta maneira os educadores fazem a experiência da distanciação, de forma que educadores e alunos possam refletir juntos, de modo crítico, sobre o objeto que os mediatiza. O fim da descodificação é chegar a um nível crítico de conhecimento, começando pela experiência que o aluno tem de sua situação em seu “contexto real”. (FREIRE, 1979, p. 17).

Ante ao mundo que almejamos, digno e justo, seria imprescindível o apreço à relatos como aqueles compartilhados pelo aluno Marcos. Valorando comentários como este: “Eu queria morar numa casa igual àquela que eu tô fazendo!”, partindo do seu universo vocabular, poder-se-ia levar o grupo de educando-os, especialmente tal aluno, à deflagração de situações opressoras, como “Matar a vida, freá-la, com a redução dos homens a puras coisas, aliená-los, mistificá-los, violentá-los [...]”(FREIRE, 2011, p. 174) Explorar situações concretas como estas, faz-se de suma importância à conscientização das condições políticas e econômicas envolvidas na negação de condições mínimas existenciais.

Eis então que, a partir da deflagração das injustiças presentes em nosso contexto social, faz-se importante que, enquanto educadores, tenhamos claramente a concepção de uma sociedade, fundamentada na ascensão das classes populares, de cada sujeito, principalmente dos menos favorecidos, no exercício pleno da sua cidadania, em razão do “ser mais”, que “[...] não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-se nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos.” (FREIRE, 2011, p. 105).

Voltando à contextualização da nossa experiência na EJA, enquanto pesquisadoras, deixamos a sala da professora Vera, pesarosas pelas situações desumanas que identificamos, mas absolutamente conscientes da nossa missão enquanto educadoras comprometidas com um mundo melhor. Conscientes que a EJA, não caracteriza-se somente pela oferta de educação “[...] àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.” (LDB, 1996, p. 208), mas a verdadeira inserção e conscientização do indivíduo acerca do seu meio, através do processo de alfabetização. Entre o pesar, a certeza de que

[...] sem certas qualidades ou virtudes como amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa aos fatalismos, identificação com a esperança, abertura à justiça, não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se faz apenas com ciência e técnica. (FREIRE, 1996, p. 120).

Em suma, um futuro promissor, inicia a partir do respeito aos saberes, à cultura dos educandos, jovens, adultos, independente da sua idade, pois todos(as) possuem uma história de vida, a qual, sugere-se abordar com amor e lealdade, se realmente almejamos um mundo justo, de amor, dignidade e fraternidade.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término do trabalho realizado, a partir das obras exploradas, foi possível observar a relevância da prática docente, destacando-se a Educação de Jovens e Adultos, pautada nos princípios de alfabetização emancipatória. Contudo, a partir da pesquisa real, observou-se um distanciamento entre o ambiente escolar das experiências e saberes dos educandos, sendo estes, imprescindíveis ante à sociedade que almejamos.

Destaca-se então que, diante da ascensão dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, faz-se de suma importância o respeito, atenção e exploração aos saberes dos educandos. Assim, possibilitar a sua inserção efetiva no meio social e o seu pleno exercício da cidadania, a partir do processo de alfabetização e conscientização, levando-os à deflagração de todo ato desumano que caracteriza as situações opressoras. Contudo, sabemos que, isto é um desafio a ser superado, considerando as situações excludentes e alienantes, observadas dentro do próprio ambiente escolar, envolvendo professores e alunos. Supõe-se então, a reflexão continua do educador, acerca da sua prática, na qual docente e discente experimentem o valor da construção dialógica.

Em última análise, embora o índice de analfabetismo seja ainda crescente em nosso país, lutemos, a cada novo dia, por uma sociedade justa e igualitária, com integração dos indivíduos, a partir do desenvolvimento da consciência dos mesmos, enquanto seres sociais e históricos. A favor de tantos jovens e adultos, aos quais, foi negado o direito de aprender, enquanto educadores, lutemos com amor e desejo de vencer.

REFERÊNCIA

BARBOSA, Ana Clarisse Alencar; FAVERE, Juliana de. Teorias e Práticas do Currículo. Indaial: Uniasselvi, 2013

BRASI. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Congresso Nacional, p. 208.

BRASIL. Plano Nacional de Educação, n. 8. 035-B de 2010. Câmara dos Deputados, p. 29-30

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Corag (atualização), Porto a legre, RS, 2003, p. 5

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez: 1994

GADOTTI, Moacir. Alfabetizar e conscientizar: Paulo Freire, 50 anos de Angicos. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2014

FREIRE, Paulo. Conscientização. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996

______. Pedagogia do oprimido. 50. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011

TAFNER, Elisabeth Penzlien; SILVA, Everaldo da. Metodologia do Trabalho Acadêmico. Indaial: Ed. Grupo UNIASSELVI, 2008.

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