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Brasil

Educadores pedem mais tempo para debater base do ensino médio

Integrante da comissão que avalia proposta do MEC defende discussões até 2019, mas atraso pode afetar reforma do ciclo
O conselheiro do CNE, Cesar Callegari: ele quer mais tempo para debater uma base curricular para o ensino médio. Foto: Luiz Ackermann / O Globo Foto: Luiz Ackermann / Agência O Globo
O conselheiro do CNE, Cesar Callegari: ele quer mais tempo para debater uma base curricular para o ensino médio. Foto: Luiz Ackermann / O Globo Foto: Luiz Ackermann / Agência O Globo

RIO — A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio oferece poucos mecanismos para o aluno escolher a área de conhecimento que mais lhe interessa. O currículo das disciplinas não é claro. O tempo de aprendizagem é espremido e, por isso, muito conteúdo importante deixa de ser abordado. O diagnóstico foi apresentado em uma reunião ontem no Conselho Nacional de Educação (CNE) por um dos conselheiros, o sociólogo Cesar Callegari, que recomendou a rejeição do texto proposto pelo MEC e pediu mais tempo para a aprovação de um documento final. Ele propõe que a discussão se estenda até 2019. Especialistas ouvidos pelo GLOBO concordaram que é preciso fazer ajustes.

A revisão do documento atrasaria a reforma do ensino médio planejada pelo governo federal. O plano era ver as escolas adaptarem seus currículos em 2019 para adequá-los à Base até 2020. Procurado, o MEC afirmou que cabe aos conselheiros do CNE a análise das críticas.

Callegari renunciou ontem à presidência da comissão do CNE responsável por analisar a BNCC do ensino médio. Para seu lugar, foi eleito Eduardo Deschamps, que também comanda o CNE.

— A Base não deve ser aprovada até dezembro de forma alguma — defende Callegari. — Como estamos discutindo o ensino médio, é fundamental dialogar com os estados, porque eles têm a responsabilidade de implementar o que for resolvido. E, atualmente, dos 27 secretários de Educação, 20 acabaram de ser substituídos devido ao processo eleitoral. Desta forma, não é possível exigir deles compromissos de médio e longo prazo. O debate deve ser estendido às equipes que vão substitui-los no ano que vem.

Em sua carta, o sociólogo destaca que, de acordo com a nova legislação sobre o ensino médio, o conteúdo obrigatório das disciplinas foi reduzido “ao que couber em 1.800 horas, que corresponde a 60% da carga horária das escolas brasileiras”: “Pergunta-se, então: o que vai ficar de fora? (...) Quantos conhecimentos serão excluídos do campo dos direitos e obrigações e abandonados no terreno das incertezas?”.

A restrição é lembrada pelo professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do ABC, Fernando Cássio, que também é crítico do atual modelo em debate. Para ele, um dos principais defeitos do plano é ignorar a realidade orçamentária do setor educacional do país.

— A Base é irrealizável se não conseguimos atender a parâmetros mínimos de qualidade, como ter unidades de ensino com laboratório, quadras cobertas e um número razoável de alunos por classe — detalha Cássio, que também é membro do comitê paulista da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. — O debate atual ignora questões estruturais que deveriam ser priorizadas, porque exigem gasto público: a defasagem de salários, a elaboração de planos de carreira e a falta de infraestrutura escolar.

O Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) manifestou preocupação com a possibilidade de que a Base aumente a desigualdade entre as escolas de ensino médio. A expectativa é que o documento, ao elencar o que todos os estudantes têm direito a aprender, permita maior coerência entre as diversas políticas educacionais existentes.

Presidente do conselho do Cenpec responsável pela análise da BNCC, Anna Helena Altenfelder acredita que a proposta em debate tem “diversos pontos incompletos”, como o itinerário que deve ser seguido pelos alunos até a escolha da carreira que deseja seguir.

— De acordo com a lei do ensino médio, as escolas devem fornecer um conteúdo básico e, a partir daí, detalhar como desenvolverão cada área de conhecimento, para que os alunos escolhem aquela em que desejam se aprofundar. Mas ainda não está claro quais serão essas possibilidades — alerta. — É preciso discutir como apresentar esta trajetória de uma forma atraente para os jovens.

Divisão de disciplinas

Os educadores também ecoam a crítica de Callegari à falta de definições nítidas sobre o conteúdo de cada disciplina. Anna Helena acredita que, sem este esclarecimento, a qualidade de exames que testam as habilidades adquiridas no ensino médio, como o Enem, pode ser comprometida.

Diretor de Políticas Educacionais do Movimento Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho avalia que a Base estimula a interdisciplinaridade e o trabalho colaborativo entre professores, mas ainda há dúvidas sobre a capacidade de sua estrutura em atingir estes objetivos.

— O documento não deve ser aprovado de forma apressada. É preciso que os debates continuem ocorrendo — assinala. — A BNCC é uma política importante para definirmos outras, como o próprio formato do ensino médio e a formação de docentes, por isso precisamos garantir que ele promova melhorias nessa etapa escolar.

Eduardo Deschamps, agora à frente da comissão que examina a BNCC do ensino médio, nega a existência de um cronograma fixo para os trabalhos e evita rebater as críticas feitas pelos educadores ao documento.

— Primeiro quero saber o que as pessoas têm a dizer sobre cada tópico, para depois ter minha opinião. Não trabalho com a lógica de prazo. Quero um documento de qualidade e que seja aplicável, mas também não podemos nos comprometer com uma discussão que se arraste indefinidamente.