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Educadores criticam carta a escolas e falam em postura 'ideológica' do MEC

Especialistas da área criticaram carta de Vélez Rodríguez com slogan de campanha de Bolsonaro
O ministro Ricardo Vélez Foto: Divulgação/MEC
O ministro Ricardo Vélez Foto: Divulgação/MEC

RIO- A carta enviada pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, às escolas do país repercutiu mal na área. No comunicado enviado às instituições, Vélez pede que diretores de escolas leiam o texto para alunos e funcionários, que termina com o slogan da campanha do presidente Jair Bolsonaro nas eleições: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”. Para alguns educadores, a medida é contraditória com o discurso do governo contra a doutrinação ideológica.

No documento, o ministro diz que as escolas devem tocar o Hino Nacional, enquanto alunos e funcionários, perfilados diante da bandeira do Brasil, são filmados. Os vídeos, completa o ministro, devem ser enviados ao Ministério da Educação (MEC) e à Secretaria de Comunicação Social (Secom).

Carta assinada pelo ministro da educação aos estudantes de escolas públicas do Brasil Foto: Reprodução
Carta assinada pelo ministro da educação aos estudantes de escolas públicas do Brasil Foto: Reprodução

Diretor de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, Olavo Nogueira Filho considera que o MEC não sinaliza como os diretores devem proteger a imagem dos estudantes. Da mesma forma, a mensagem "Deus acima de todos" seria uma contradição à própria imagem que o governo federal tenta transmitir:

— O MEC criticava uma suposta doutrinação ideológica e coação moral promovida por outros governos, e agora, com este slogan, parece impor uma preferência.

Ele diz ainda que a carta pode provocar questionamentos legais e ignora as ações prioritárias do ministério.

— O início do novo governo, que chega com o capital político em alta, deveria ser usado para indicar como valorizar a profissão do docente, melhorar a educação básica, debater a continuidade da Base Nacional Comum Curricular e aumentar o diálogo com estados e municípios na área da educação. Nada disso foi discutido nos últimos dois meses - condena.

O Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), que representa os gestores estaduais da área, não soube dizer se todas as escolas estaduais do país receberam a orientação e afirmou que ainda não mediu o alcance da ação do MEC.

Na nota, o Consed afirma que a medida fere a autonomia dos gestores e dos entes da federação e defende que “o ambiente escolar deve estar imune a qualquer tipo de ingerência político-partidária”. O órgão finaliza:

"O que o Brasil precisa, ao contrário de estimular disputas ideológicas na Educação,  é que a União,  os Estados e os Municípios priorizem um verdadeiro pacto na busca pela aprendizagem."

O GLOBO procurou a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), mas não conseguiu contato.

Carta endereçada pela assessoria de comunicação do Ministério da Educação aos diretores de escolas públicas. Foto: Reprodução
Carta endereçada pela assessoria de comunicação do Ministério da Educação aos diretores de escolas públicas. Foto: Reprodução

'Valores patriotas'

A voz dissonante sobre a discussão foi a do presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) — entidade que representa cerca de 40 mil escolas privadas no país — , Ademar Batista Pereira. Para ele, o uso do slogan de campanha do presidente Jair Bolsonaro não configura propaganda política ou exclusão de religiões não cristãs.

— Não há problema em falar "Deus acima de todos". É bom fazer um apelo à religiosidade, independentemente da crença do estudante — avalia.

Pereira, que é proprietário de uma escola particular de Curitiba, considera que a filmagem das crianças perfiladas cantando o hino nacional também não seria problemática.

— Deve-se preservar a imagem das crianças, mas, quando elas são retratadas em grupo, não há como manipular a filmagem em uma rede social — assinala. — A carta do MEC pede apenas para aproveitarmos o início das aulas para mostrar os valores patriotas, como cantar o hino com a postura correta. Seria uma perda de tempo tentar barrar essa iniciativa na Justiça. É só uma orientação.