Brasil Educação

Educadores divergem sobre alfabetização até segundo ano

Versão final do texto alterou diretriz sobre letramento
Base contraria o que está descrito no Plano Nacional de Educação Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
Base contraria o que está descrito no Plano Nacional de Educação Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

RIO-  A versão final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para os ensinos infantil e fundamental apresentada ontem, pelo Ministério da Educação (MEC), estabelece que toda criança deve estar plenamente alfabetizada até o fim do segundo ano, entre 6 e 7 anos de idade — um ano antes do prazo previsto pela versão anterior da BNCC e pelo Plano Nacional de Educação (PNE). Entre outros pontos, o documento exclui o ensino religioso e indica a Língua Inglesa como idioma estrangeiro a ser ensinado nas escolas.

O documento, que servirá como referência para o currículo de todas as escolas do país, foi entregue ao Conselho Nacional de Educação (CNE) para avaliação e até o fim do ano deve ser homologado pelo ministro da Educação, Mendonça Filho, e então as escolas terão dois anos para se adequar às novas diretrizes — o prazo oficial para que as redes escolares cumpram a tarefa, porém, deve constar da decisão do CNE, segundo o secretário de Educação Básica do MEC, Rossieli Silva.

Ponto mais sensível das mudanças, a antecipação da alfabetização dividiu educadores.

— Finalmente o Brasil vai fazer o que outros países, como França e Inglaterra, já fazem. Isso irá construir uma base mais sólida e fazer com que o tempo da criança não seja perdido. A alfabetização mais cedo diminui a chance dessa criança abandonar a escola. A medida ajuda a aumentar o vocabulário da criança, que é um dos grandes fatores de separação de classes — diz a pesquisadora Ilona Becskehazy, especialista em currículo.

O diretor da Fundação Lemann, Denis Mizne, integrante do Movimento pela Base, também elogiou a decisão de antecipar a alfabetização:

— Estender esse processo até os 8 anos de idade é perder a chance de concentrar esforços no momento em que o estudante está com a cabeça mais apta a receber o conteúdo.

Alguns educadores, no entanto, argumentam que não há pesquisas que comprovem a necessidade de adiantar o processo de letramento — ponto debatido durante a aprovação do PNE, em 2014. Coordenador da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Daniel Cara, que na época participou ativamente das discussões, questionou a mudança de parâmetro.

— Em termos científicos não existe uma idade certa para alfabetizar uma criança. Depois de muita análise colocamos a alfabetização até o terceiro ano, considerando o grau de maturidade e os problemas de repertório de grande parte das crianças.

Para Maria Mortatti, professora titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a concentração da alfabetização no 1º e 2º anos atende à tentativa de bons resultados em rankings de educação, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), deixando de lado o que realmente importa.

— Não estamos discutindo a formação de crianças com essa meta, mas uma resposta aos rankings, que são muito perversos. O professor assumiu a angústia de ter que treinar seus alunos por resultados — acredita Maria, que é presidente emérita da Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf).

Com o parâmetro estabelecido pela Base Nacional Comum, os municípios serão os principais afetados, já que são os responsáveis pela maior parte das escolas de educação infantil e ensino fundamental. Presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação, Alessio Costa Lima não quis opinar sobre a mudança. Ele afirma que prefere esperar a análise do Conselho Nacional de Educação (CNE).

—  Recebemos o texto há pouco e ainda não discutimos internamente. O documento ainda vai passar pela análise do CNE e pode ser mudado. Na relatoria final muita coisa pode ser alvo de mudança. Vamos esperar essa análise para avaliar melhor.

Segundo o ministro da Educação, Mendonça Filho, a mudança atende a uma necessidade de dar foco à alfabetização para que os estudantes, sobretudo os mais pobres, tenham uma trajetória escolar mais efetiva e proveitosa. A medida é apontada como uma adequação do Brasil em relação a práticas já seguidas por países em desenvolvimento.

— Essa medida possibilitará que os estudantes mais carentes tenham o direito de ser alfabetizados como os alunos mais ricos, que frequentam as escolas privadas — argumentou.

TERMO "ORIENTAÇÃO SEXUAL" SAI DO TEXTO FINAL

Embora o MEC tenha divulgado para imprensa uma versão do documento que trazia a expressão “orientação sexual” ao falar sobre uma escola acessível para todos, a Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) identificou que uma versão diferente do documento, suprimindo o termo, foi veiculada pelo MEC na tarde de ontem. O GLOBO questionou o Ministério da Educação sobre o motivo da supressão do termo e a pasta respondeu que “a versão final passou por ajustes finais de editoração/redação que identificaram redundâncias”. O MEC argumentou ainda que “em momento algum as alterações comprometeram ou modificaram os pressupostos da Base.”

Outros pontos chamaram atenção na nova versão da BNCC: o texto traz dez competências para educação básica, ou seja, habilidades que devem ser necessariamente desenvolvidas ao longo da trajetória. Essas características abordam pontos ligados ao conhecimento e também aspectos sócioemocionais, como autonomia, espírito crítico, criatividade. A intenção é que, ao fim do processo, o jovem tenha recebido uma formação integral.

O documento também inova ao propor “direitos de aprendizagem” para as crianças da educação infantil. Atualmente, não há uma diretriz clara sobre essa fase da escolarização. A BNCC institui seis direitos, por meio dos quais as crianças serão estimuladas. Entre eles, conviver com adultos e outras crianças; brincar em diferentes espaços e com diferentes pessoas; explorar gestos, sons, formas. Os objetivos de aprendizagem são divididos de acordo com a faixa etária da criança. No ensino fundamental, outra alteração foi a supressão do ensino religioso do texto, o que gerou reação de setores da Igreja Católica. De acordo com o MEC, a medida segue o que está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que determina que o conteúdo seja oferecido em caráter opcional, ficando a cargo de cada sistema de ensino.

O texto também alterou o trecho que diz respeito à língua estrangeira. De acordo com a nova redação, as escolas deverão promover o ensino de inglês. Antes, não havia especificação de qual idioma deveria ser ensinado.

A parte da Base Nacional referente ao ensino médio foi postergada pelo governo. Agora que a reforma do ensino médio já foi sancionada, o texto será retomado para discussões. A expectativa do MEC é entregar também ao CNE o documento final ainda em 2017.

Colaborou Mariana Alvim