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Gil Castello Branco Gil Castello Branco
Gil Castello Branco Foto: AgIencia O Globo

Educação versus corrupção

Cingapura, a melhor colocada no Pisa/2015, é a sétima melhor colocada no Índice de Percepção da Corrupção

Faz sucesso há mais de dez anos o texto da capixaba Elisa Lucinda que foi recitado pela cantora Ana Carolina durante um show. O título é curioso: “Só de sacanagem”. Na penúltima estrofe a poetisa escreveu: “Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambau. Dirão: É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal. Eu direi, não admito, a minha esperança é imortal! Eu repito, ouviram? É imortal!”.

De fato, diante de tudo o que temos visto, haja esperança! A corrupção é o principal motivo de angústia para 62% dos brasileiros, à frente de itens como saúde, segurança, desemprego e pobreza. Curiosamente, a educação pública ocupa somente o sétimo lugar nessa lista de preocupações. A educação incomoda apenas um dentre quatro brasileiros. Esses dados da FGV são interessantes, pois mostram que os brasileiros não associam diretamente a educação precária aos demais problemas que enfrentamos no dia a dia, inclusive a corrupção. E os fatos estão juntos e misturados.

Conforme os resultados divulgados em 2017 da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), focada nos alunos do 3º ano do ensino fundamental, somente 45,3% das crianças entre 8 e 9 anos de idade estão alfabetizadas. Os testes foram aplicados em 2016 e envolveram 2,1 milhões de estudantes em 48 mil escolas. Em Matemática, a metade dos alunos não conseguiu acertar a soma de 112 + 93, tendo como opções de respostas a) 105; b) 115; c) 205 e d) 21.

Quando o nível de aprendizado brasileiro é confrontado com o de outros países, a diferença é alarmante. No último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, cuja sigla é Pisa, coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os alunos brasileiros (entre 15/16 anos de idade) revelaram elevado grau de insuficiência. Em Ciências, 57% ficaram abaixo do limite considerado como satisfatório. Em Leitura (51%) e Matemática (70%), a maioria dos estudantes também não atingiu o padrão básico mínimo.

A correlação existente entre os países com melhores resultados na educação e os países menos corruptos é alta. A ilha de Cingapura, a melhor colocada no Pisa/2015, é a sétima melhor colocada no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), divulgado em 2016 pela ONG Transparência Internacional. Os três países com as maiores notas no IPC, ou seja, os menos corruptos (Dinamarca, Nova Zelândia e Finlândia) estão entre os 14 melhores no Pisa. O Brasil está ruim em ambos indicadores. Foi o 79º no IPC e o 62º na média das notas do Pisa (Matemática, Ciências e Leitura).

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) estima que a corrupção brasileira anual situa-se entre 1,4% e 2,3% do PIB. Em valores atualizados, o montante pode chegar a R$ 150 bilhões por ano, o suficiente, por exemplo, para a construção de 42 mil escolas ou 79 mil creches.

O combate à corrupção no Brasil tem que passar pela punição exemplar dos corruptos e, necessariamente, pelo aprimoramento da Educação, em todos os seus níveis, como prevenção primária. O aprofundamento das desigualdades sociais, o aumento da violência, a precariedade da saúde, a baixa produtividade e o crescimento pífio da economia também são consequências da má educação que condena a nação ao atraso.

Mas há luzes além das salas de aulas. O Estado de Pernambuco possui os melhores resultados do país no ensino médio (Goiás é o segundo colocado), etapa em que o Brasil é mal classificado internacionalmente. No Ceará, 18% do ICMS são destinados à educação e distribuídos aos 184 municípios conforme a eficiência das prefeituras na questão escolar. Os professores são premiados com o 14º salário, se atingirem metas. Há cooperação entre o estado e os municípios para formação de professores e apoio pedagógico. O nível de aprendizado dos alunos é sistematicamente acompanhado, as famílias são integradas às escolas, e a gestão escolar possui critérios técnicos, sem descontinuidade por politicagem. A percentagem de crianças analfabetas caiu de 32% para 0,7% em menos de dez anos. Não por acaso, de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), 77 escolas cearenses estão entre as cem melhores do país. São exemplos que precisam ser difundidos, compartilhados e ampliados para que tenham escala nacional.

Voltando ao texto da Elisa Lucinda sobre a corrupção e a sua esperança em ver esse cenário ser alterado, penso na educação e leio o último verso: “Sei que não dá para mudar o começo, mas se a gente quiser, vai dar para mudar o final”. Educação já!

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas

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