O programa para apoiar jovens com ansiedade, depressão e baixa autoestima no retorno às aulas após a pandemia rendeu premiação internacional para a escola pública de ensino médio Joaquim Bastos Gonçalves, de Carnaubal (CE), com atendimento psicológico profissional voluntário via Google Meet. O exemplo mostra o alcance do uso da tecnologia na educação. Ferramentas como simulações avançadas, uso de dados e inteligência artificial para apoiar melhorias na gestão escolar e personalização do aprendizado, tutoria e domínio de habilidades avançadas estão entre benefícios da digitalização em salas de aula.
“Estamos em período de reflexão. O melhor modelo hoje é o híbrido físico e digital”, afirma Lucia Dellagnello, consultora de educação digital para instituições como Banco Mundial e Unesco.
O uso da tecnologia na pandemia, por outro lado, ampliou o fosso educacional por falta de dispositivos e conectividade e agravou a situação dos excluídos digitais, mais distantes do aprendizado e de aptidões como programação, ciência de dados e criatividade.
Segundo Marcelo Neri, da FGV Social, a satisfação com o sistema educacional caiu de 56% para 41% no Brasil entre 2019 e 2020. A queda foi pior entre os 40% mais pobres, 22 pontos percentuais, segundo dados Gallup. O Brasil não está isolado. A edição 2023 do relatório de monitoramento global da educação (GEM Report) da Unesco mostra desapontamento com a maior desigualdade e necessidade de visão crítica de educadores e formuladores de políticas sobre adoção de ferramentas. A alfabetização digital abre portas, mas é necessário mirar, além da desigualdade, segurança online, preparação de competências educativas e formação continuada dos professores, diz Ana Gardennya Linard, gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação.
No Brasil, a Política Nacional de Educação Escolar Digital incentiva o ensino de computação, programação e robótica e o uso de recursos de fundos ligados às telecomunicações para conectividade nas escolas. Em outubro, foram firmados contratos para levar 553 km de fibra ótica a 40 escolas públicas de 20 cidades do Tocantins e de Minas Gerais. “A conectividade é questão de tempo”, diz Katia Smole, diretora executiva do Instituto Reúna.
Tecnologia esbarra em conectividade, uso de celular em aula e falta de dispositivos
Estudo da Blink Learning deste ano traz que os principais desafios para uso da tecnologia na sala de aula indicados por 41 mil docentes entrevistados no Brasil foram falta de dispositivos (74%), conectividade (66%) e uso do celular (46%). A pesquisa TIC Domicílios, do Cetic.br, aponta que mais de 92 milhões de brasileiros acessam a internet apenas por celular. Mas o dispositivo serve mais para consumir do que produzir conteúdos, principalmente em texto, e dificulta a concentração. Além disso, quanto mais jovens os alunos, mais o uso da tecnologia exige espaço escolar e professores bem preparados. Crianças e adolescentes não têm habilidades meta cognitivas para resistir a distrações, criar concentração e monitorar a própria aprendizagem, explica o diretor do laboratório de tecnologias educativas da Universidade Columbia, Paulo Blikstein.
Mesmo benefícios para adultos, como estudar em qualquer hora e lugar, ficam em segundo plano ante estratégias simples de digitalização de aulas e materiais físicos tradicionais e colocam em risco até a formação de professores. O censo da educação superior do Ministério da Educação mostrou queda de 11% na oferta de cursos presenciais em quatro anos e aumento de 189% no formato à distância. Dos 789 mil ingressantes em cursos de licenciatura em 2022, 81% estão em EAD, gerando professores que chegam à escola sem prática didática ou contato com alunos. “Usar tecnologia para cortar custos impacta a qualidade”, diz Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, representante de mantenedoras de ensino superior.
Um dos caminhos é a formação continuada. “No Paraná, grupos de estudos de professores por plataformas digitais apoiam as discussões”, avalia Roseli de Deus Lopes, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.