Ricardo Henriques
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Ricardo Henriques


A ampliação da educação profissionalizante é uma ação relativamente consensual no Brasil. Consta como meta do Plano Nacional de Educação (PNE) e em programas de governo (estaduais e federais) de candidatos dos mais variados partidos. Consensos, porém, não necessariamente levam à ação efetiva. E a concordância com a necessidade de expansão não esgota o debate sobre objetivos e modelos distintos.

O potencial impacto positivo da educação profissionalizante foi novamente comprovado por uma série de estudos, sintetizados no recém-lançado livro “Impacto da educação técnica sobre a empregabilidade e a remuneração”. Por exemplo, jovens que concluíram esta modalidade têm, ao longo da vida profissional, uma remuneração média 32% maior do que aqueles que apenas terminaram o ensino médio regular, sem terem ingressado no ensino superior. As taxas de desemprego e de informalidade são também menores entre egressos do técnico.

Os retornos não são apenas individuais. Expandir com qualidade a educação profissionalizante contribui para aumento da produtividade. E, ainda que essa seja uma mensuração difícil, há estimativas de impacto no PIB entre 1,3% e 2,3% no longo prazo, caso sejamos capazes de dobrar ou triplicar o número de formados, segundo a pesquisa Potenciais Efeitos Macroeconômicos com Expansão da Oferta Pública de Ensino Médio Técnico no Brasil, publicada em 2023.

Apesar de todos os benefícios, colocar de pé uma política de expansão do profissionalizante não é simples. Tanto que patinamos nessa meta do PNE. O objetivo principal era triplicar em dez anos, até 2024, as matrículas desta modalidade vinculadas ao ensino médio. No entanto, entre 2013 e 2022, o crescimento foi de 29%. Seguimos em patamares muito baixos, de 11% de alunos do ensino médio em cursos profissionalizantes, comparados à média de 42% da OCDE.

Nos Institutos Federais e Estaduais Tecnológicos, o desempenho de seus alunos supera a média dos estudantes da rede estadual regular, conforme observamos no Enem, no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e até mesmo no Pisa. Para além do desejado resultado positivo, Naercio Menezes Filho, em artigo recente no jornal Valor Econômico, chamou atenção para uma consequência indesejada deste fenômeno. Comparou o percentual de estudantes que migram do ensino particular para escolas técnicas federais e estaduais e identificou que, com a adoção do sistema de cotas em federais, este percentual caiu nessas instituições, mas subiu nas estaduais, onde, em geral, não há reserva de vagas. A principal explicação para isso seriam as famílias que procuram o profissionalizante em redes estaduais – onde, muitas vezes, há processos seletivos na entrada – como um caminho para o ingresso no ensino superior. Por isso seria importante também a adoção de cotas nessas instituições.

Nosso maior desafio é ofertar ensino profissionalizante, em larga escala, nas escolas de ensino médio regular. Garantir o desenvolvimento de competências e habilidades técnicas para um amplo conjunto de estudantes, provavelmente a maioria dos concluintes do ensino médio. Reconhecendo que não faz mais sentido, em pleno século XXI, a visão conservadora e elitista que veria conflito na educação profissionalizante entre um atalho para os mais pobres ao mercado de trabalho ou uma porta de entrada para o superior.

Com efeito, não há indústria na fronteira tecnológica que opere hoje, por exemplo, sem técnicos em robótica e amanhã sem técnicos em internet das coisas. Da mesma forma, a economia criativa emprega técnicos altamente qualificados, da produção de vídeos à sonorização e iluminação digital. Na economia do cuidado, cursos técnicos adequados podem aprimorar a qualidade de vida das pessoas que precisam ser assistidas. Na área da saúde, há demanda crescente por técnicos qualificados para as diversas interfaces da telemedicina. No meio ambiente, por técnicos especializados em energia renovável e em reflorestamento. Mesmo na tecnologia, a maioria das vagas abertas no setor de TI poderia ser preenchida por técnicos em ciência de dados, apesar de as empresas, equivocadamente, exigirem formação superior.

Em um mundo em que o mercado de trabalho está em acelerada transição, a escolha pela trajetória profissionalizante não deve ser encarada como uma mera formação de mão-de-obra para uma função específica. Pelo contrário, pode e deve ser a ponta de partida de uma trajetória de aprendizagem ao longo da vida, com o desenvolvimento de capacidades de adaptação, ampliando os horizontes das juventudes, em vez de restringi-los.

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