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Colunistas convidados escrevem para a editoria de Opinião do GLOBO.

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Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

Por Beatriz Cunha*

A recém-lançada pesquisa de opinião revelou “A cara da democracia” do nosso país: 14% da população é indiferente à circunstância de estarmos ou não num regime democrático; e 15% admite a ditadura em algumas circunstâncias. Os números, isoladamente, chamam pouca atenção, mas, quando combinados, evidenciam que quase 30% do povo brasileiro não tem apego à democracia duramente conquistada em passado recente.

Em termos percentuais, se trata de uma minoria; mas é uma minoria numericamente volumosa, cujas práticas são alavancadas por algoritmos e incentivos explícitos à violência. A corrosão da democracia, então, se dá por dentro: sob o pretexto da legalidade e liberdade, são produzidos estragos cotidianos em matéria de direitos fundamentais e autonomia das instituições. É evidente que, após tempos de luta em busca da efetividade da Constituição, os últimos anos foram marcados pela ascensão de discursos e ações que parecem demonstrar existir um déficit de cultura constitucional em nosso país.

A educação revela-se um campo central para alterar esse percurso. Como a Carta de 1988 não adotou um modelo reducionista de ensino, as salas de aula também devem se preocupar com a formação de cidadãos aptos a participar, como iguais, de suas comunidades. Isso implica não só o ensino de direitos e deveres, mas a injeção de sentimentos que gerem engajamento na luta pela Constituição. Assim, a conquista de corações e mentes se dará com pretensão de permanência, unindo o passado, o presente e o futuro por meio da transmissão desse sentimento entre gerações.

O direito à educação é uma das principais ferramentas à disposição de governantes que pretendem tornar seus Estados mais igualitários. As escolas devem se ocupar não só em proporcionar igualdade de oportunidades, mas também em difundir valores inclusivos, a fim de que se tornem parte da própria subjetividade dos estudantes. Com isso, há a expectativa de que continuem reproduzindo tais princípios mais tarde na vida, contribuindo para uma sociedade que rejeita hierarquias e a discriminação.

Por fim, vale dizer que não se desconhecem os desafios que uma educação para a democracia impõe em nosso país. Afinal, ainda convivemos com uma forte cultura de desigualdade e com pessoas que vivem sem acesso aos direitos básicos, à margem do Estado de Direito. É inegável, pois, que existe um abismo entre os direitos estampados na Carta de 1988 e a realidade. Isso torna, no mínimo, desconcertante que professores ensinem sobre o direito à vida, quando os alunos convivem com a violência policial; sobre igualdade, quando salta aos olhos o racismo estrutural; e sobre os direitos sociais, quando há milhares em situação de extrema pobreza. Nesse cenário, o preparo dos estudantes para o exercício da cidadania deve ser realizado sem que se tente disfarçar a realidade. Ao contrário, impõe-se que os direitos sejam não só ensinados, mas, a todo momento, contrastados com o mundo real, instigando o espírito crítico e o ímpeto de transformação.

A educação, portanto, é esperança de que podemos construir uma cultura constitucional e alterar a nossa “cara da democracia”.

*Beatriz Cunha é defensora pública do Estado do Rio de Janeiro

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