publicado dia 15/07/2020

Educação Infantil: entraves e possibilidades para a volta das crianças após o fim da quarentena

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Embora a maior parte das redes e escolas de Educação Infantil ainda não tenha uma data definida para reabrir suas portas, elas já começam a desenhar estratégias para receber de volta os bebês e crianças com segurança.

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Mas essa não é uma tarefa simples. Os pequenos dependem de cuidados diretos dos educadores e educadoras, e aprendem sobretudo por meio dos toques, do afeto, da interação com o outro e das expressões faciais que agora estão escondidas sob as máscaras. Há ainda questões práticas envolvendo a infraestrutura dos espaços e de organização da rotina de entrada, saída e alimentação. 

Analisando essas questões, em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Maria Thereza Marcílio, presidente da ONG Avante – Educação e Mobilização Social, indica os principais pontos de atenção na condução dessa reabertura e aponta quais caminhos podem ser tomados para contornar os desafios. “A Educação Integral dá algumas pistas de como lidar com tudo isso.”. Confira os principais trechos da conversa:

Centro de Referências em Educação Integral: Quais devem ser as prioridades na hora de organizar a volta da Educação Infantil?

Maria Thereza Marcílio: Tanto agora, quanto na volta, o que tem que estar na frente de tudo é o direito à educação, com base nos objetivos que estão na BNCC: criança tem que se expressar, se relacionar, participar e brincar. Fico preocupada quando vejo normativas e conselhos preocupados com o cumprimento das 800 horas, porque o importante é garantir os direitos das crianças.

Outra tarefa é fazer valer o papel da escola na rede de proteção das infâncias, junto com a Saúde, os conselhos tutelares, e outros equipamentos públicos. Com a pandemia, os índices de violência doméstica, de pobreza e fome aumentaram, sobretudo para as crianças de escolas públicas, que em sua maioria fazem parte das populações mais vulneráveis. E depois, é preciso garantir que essas crianças voltem à escola, porque temos grande chance de evasão.

Também é fundamental que a instituição abra primeiro para os profissionais, para acolhê-los. Muitos deles têm pais idosos, perderam amigos e parentes para o novo Coronavírus, e ficaram esse tempo com os filhos em casa, tendo que trabalhar muito. Ao mesmo tempo é uma forma de treinar as novas posturas e formas de trabalhar nesse contexto de distanciamento. Receber as crianças com abraço não pode mais, e vamos todos sentir falta, mas vamos ter que inventar outros tipos de abraço e maneiras de criar ambientes afetivos. E nisso as crianças ajudam muito.

CR: O que a rede precisa avaliar para planejar essa reabertura?

MTM: Este provavelmente será o último grupo a voltar, porque com os mais velhos é mais fácil de administrar espaços, distanciamentos, o momento da alimentação, e o uso de equipamentos de proteção, todos pontos que precisam ser observados.

Então primeiro vai ser preciso fazer uma avaliação da rede física, porque temos muitas unidades sem água corrente, poucos sanitários, salas pequenas, sem ventilação, e poucos ou nenhum espaço externo. Além disso, a relação professor-criança é muito alta no Brasil, tem um professor para 12 bebês, e até 30 crianças. Então será preciso avaliar quantas unidades poderão voltar a funcionar, bem como comprar materiais de limpeza, álcool em gel, máscaras e instalar pias.

Outro ponto é a alimentação. Será possível fazer ambientes coletivos de almoço? Ou fazemos intervalos em horários diferentes para turmas diferentes? E tem a questão do recebimento da merenda. Na Espanha, por exemplo, estão entregando os alimentos fora da escola, onde higienizam e depois levam para dentro. 

“Para que tudo isso funcione, as redes precisam de investimentos”, diz Maria Thereza Marcílio

Tem ainda a questão dos professores: quantos fazem parte da população de risco? Quantos terão que ser incorporados? Como trabalhar junto com a Saúde para evitar que venham protocolos higienistas que afastam crianças e famílias dos educadores, mas que sejam protetivos do direito à saúde de todos? E como vai ser o uso de máscaras na volta dos bebês, que precisam ver as expressões faciais para reconhecer emoções?

E para que tudo isso funcione, as redes precisam de investimentos. Por isso, a defesa por um Fundeb para valer e que os órgãos responsáveis pressionem por investimentos. Da mesma forma como sentimos que o SUS é necessário e precisa de mais investimento e apoio, a Educação tem que ir na mesma toada. São lutas, nada está dado.

CR: E quais são algumas soluções possíveis para esses obstáculos? 

MTM: Isso tudo exige uma mudança de perspectiva, e que a gente abra mão da forma como as coisas funcionavam antes para encontrar novos caminhos para garantir os mesmos princípios, valores e direitos das infâncias. 

Nos países que já voltaram, por exemplo, estão fazendo rodízio das crianças, com um intervalo para desinfecção dos ambientes. Essa é uma possibilidade, estabelecendo uma prioridade para alguns bebês e crianças, como os que têm uma necessidade maior de alimentação, estão em situação de violência, ou por qualquer outro motivo, como as famílias que precisam voltar a trabalhar fora de casa.

Outra saída é usar espaços abertos e áreas externas à escola. Então as redes precisam mapear parques, praças e áreas que podem ser negociadas com a prefeitura para uso da escola.

CR: Explorar outros espaços da escola e do território é um dos princípios da Educação Integral. Vê nisso uma oportunidade de implementar esse e outros valores caros à Educação Integral?

MTM: Sim, a Educação Integral dá algumas pistas de como lidar com tudo isso, princípios que estão no discurso e quase nunca são colocados em prática. Mas agora temos essa oportunidade, e vai depender das redes, dos educadores, dos conselhos, e das autoridades de Educação realizar isso ou não.

CR: E quais são outros princípios da Educação Integral que podem auxiliar nesse retorno da Educação Infantil? 

MTM: Tem essa questão da importância do convívio com a natureza, algo internacionalmente reconhecido como um elemento educativo, e de aprender a valorizá-la. Quando não nos ligamos a ela, deixamos espaços verdes serem degradados, florestas queimarem, e tudo virar pasto. E precisamos reconhecer o patrimônio que é o nosso clima. Temos em todo país uma temperatura que permite uma convivência ao ar livre, diferentemente de outros países, que têm verão de 50 graus e invernos rigorosos.

Outro ponto é a intersetorialidade que precisa ser fortalecida. A escola tem que atuar junto com a Saúde, a Assistência, com o planejamento urbano da cidade, para poder ocupar mais espaços. 

E tem também a parceria com a família, tendo por base um diálogo efetivo. Nessa pandemia isso ficou bastante evidente e precisa continuar, bem como a atenção à dimensão emocional das famílias e das crianças, que precisam ser acolhidas, para se sentirem seguras naquele espaço. Sem isso, pode dar tudo errado.

Assista ao debate “Educação Infantil e pandemia”, sobre direitos e caminhos possíveis:

Educação Infantil e pandemia: um debate sobre direitos e caminhos possíveis

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