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Economia

Educação financeira é algo que se aprende na escola

Tema já faz parte da base curricular e pode permear várias disciplinas

Visão de futuro. Sofia: “Sempre penso antes no que realmente quero”
Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Visão de futuro. Sofia: “Sempre penso antes no que realmente quero” Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

SÃO PAULO - Sofia Gonçalves, de 16 anos, trabalha em um bufê infantil nos fins de semana. Por evento, ela ganha cerca de R$ 40. Mas, antes de começar a gastar esse dinheiro, ela primeiro guardou o equivalente a dois fins de semana de trabalho. Nas aulas de educação financeira que recebe na escola pública que frequenta, a adolescente aprendeu a importância de se manter uma reserva de emergência.

— Aprendo a lidar com o dinheiro, e isso me ajuda. Algumas coisas que vejo nas aulas acabo levando para casa — conta Sofia. — O dinheiro das festas eu não saio gastando. Sempre penso antes no que realmente quero.

Na avaliação de educadores, o exemplo dos conceitos de educação financeira deveria vir dos pais. Mas, como, na maior parte das vezes, não é isso o que ocorre, as escolas, inclusive as públicas, adotam conteúdos relacionados ao tema nas mais diferentes disciplinas. A ideia é que as crianças de hoje, ao chegarem à vida adulta, saibam manter o orçamento sob controle e poupar para projetos futuros. E, dessa forma, escapar de dívidas intermináveis — no Brasil há cerca de 60 milhões de inadimplentes, sendo boa parte dos casos resultado do descontrole financeiro.

Para ressaltar a importância do tema, governo e setor privado criaram a Semana Nacional de Educação Financeira. A quinta edição do evento será entre 14 e 20 de maio deste ano.

Uma das iniciativas para criar uma base de cultura financeira nas crianças e adolescentes vem da ONG Junior Achievement. A ideia é que os voluntários da organização levem conhecimentos de educação e gestão financeira para 34 mil alunos em todo o país, que recebem conteúdo de acordo com a faixa etária. No Ensino Médio, por exemplo, são abordados temas como juros compostos e investimentos, inclusive com estudos de caso em sala de aula.

‘ALGO PARA A VIDA TODA’

Nas aulas para o Ensino Médio, os adolescentes recebem um livro de atividades. Na primeira parte do curso, eles aprendem conceitos teóricos como juros, inflação e o uso correto do cartão de crédito. A segunda parte é dedicada a exercícios em grupo, nos quais os jovens discutem que decisão tomariam em situações hipotéticas, como pagar um curso de intercâmbio ou aplicar o dinheiro em ações de tecnologia que estão com tendência de alta.

A diretora-superintendente da ONG, Bety Tichauer, afirma que, além de preparar os cidadãos do futuro, as aulas estimulam as crianças a levarem esse conhecimento para dentro de suas casas, atuando como multiplicadores e fazendo com que os pais fiquem mais atentos à gestão do orçamento familiar.

— Nosso foco é a preparação para o mercado de trabalho, mas educação financeira é algo que vai ser usado a vida toda. Mostramos como avaliar o dinheiro e não ser seduzido por situações que só trazem ganhos de curto prazo, além da necessidade de se planejar — explica Bety.

No caso do Ensino Fundamental, a educação financeira passou a fazer parte da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) este ano. Na prática, isso significa que os mais de cinco mil municípios do país já começaram a discutir como incluir o tema nas disciplinas de forma integrada, ou seja, parte desse conteúdo pode estar presente nas aulas de matemática, mas também nas de ciências naturais. A etapa seguinte, em 2019, é levar esses conceitos para a sala de aula.

A adesão não é obrigatória, mas Claudia Forte, diretora-superintendente da Associação da Educação Financeira (AEF-Brasil), acredita que será grande, até porque há um volume elevado de material gratuito e já testado que pode ser utilizado. A AEF também estimula o treinamento de professores para que eles trabalhem melhor com esses materiais.

— O que vemos é que, quanto mais cedo começar a educação financeira, melhor. E esta deve ser feita de acordo com as particularidades encontradas em cada região do país. Não pode haver um formato engessado — afirma Claudia.

Às crianças, explica-se o que é o consumo consciente e fala-se da possibilidade de escassez de recursos, como água ou energia. Logo depois, são introduzidos temas como juros e não gastar mais do que se tem. Só no Ensino Médio são apresentados tópicos mais amplos, como investimentos.

ESTÍMULO AO CONSUMO É FORTE

Carlos Eduardo Costa, responsável pela área de educação financeira do Banco Mercantil do Brasil, lembra que o tema ganha ainda mais importância nos dias atuais devido à participação cada vez maior das crianças nas decisões de consumo.

— Nas gerações passadas, as crianças até podiam ficar de fora das decisões de consumo das famílias. Hoje, isso não é mais possível. Os estímulos para o consumo são muito grandes, então é importante ela ter o conhecimento sobre o tema desde a mais tenra idade — explica Costa, ressaltando que é importante ter o exemplo dos pais.

Segundo ele, os pilares da educação financeira podem ser divididos em quatro etapas: ganhar, gastar, poupar e doar. Além disso, os conhecimentos devem ser inseridos aos poucos na vida das crianças, para que elas desenvolvam maturidade para entender o valor do dinheiro e os ganhos que podem ser obtidos ao fazer algumas renúncias.

Um exercício para os pais, diz Costa, é levar as crianças ao supermercado. Lá, os pais devem determinar um valor que elas poderão gastar em um único item. A ideia, nessa atividade, é mostrar aos pequenos que eles precisam fazer escolhas e estabelecer prioridades.