Política Eleições 2018

Educação: escola sem partido é a principal bandeira de Jair Bolsonaro

Na prática, medida depende de diálogo com estados e municípios
Escola sem partido é a principal bandeira de Jair Bolsonaro Foto: Agência O Globo
Escola sem partido é a principal bandeira de Jair Bolsonaro Foto: Agência O Globo

RIO — Pressionado durante o segundo turno, Jair Bolsonaro deu algumas declarações amenizando o tom de falas suas ou de aliados em temas econômicos, políticos e ambientais. Isso, porém, não aconteceu na educação. As propostas mais repetidas pelo presidente eleito durante a campanha foram “expurgar a ideologia de Paulo Freire” das escolas e cursos de formação de professores, priorizando o ensino de “matemática, ciências e português, sem doutrinação e sexualização precoce”. Pautas polêmicas que certamente vão gerar debates ainda mais intensos à medida que o governo tente colocá-las em prática.

O caminho para promover mudanças profundas na educação brasileira não é tão simples. Presidentes no auge de sua popularidade, em momentos de expansão econômica e com sólida base no Congresso Nacional (casos de Fernando Henrique em seu primeiro mandato e de Lula em seu segundo), tiveram dificuldade para aprovar políticas estruturantes no setor.

Boa parte das medidas já anunciadas por Bolsonaro — ou especuladas como propostas suas a serem ainda apresentadas — dependem da aprovação de leis por maioria simples no Congresso ou de PECs (Proposta de Emenda Constitucional), que exigem o voto de 3/5 dos Parlamentares.

E, mesmo que aprovadas, há mudanças que podem ser declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por violarem outros artigos da Constituição. Pode ser o caso, por exemplo, se o governo tentar proibir que Paulo Freire (ou qualquer outro pensador) faça parte do currículo de cursos universitários.

Há, porém, ações em seu plano de governo que dependem de decretos ou iniciativa do executivo federal. A criação de novas escolas federais militares não requer grande esforço. O que limita sua expansão é o custo por aluno: três vezes maior do que as públicas estaduais ou municipais. Massificar esse modelo no atual cenário fiscal seria inviável.

Dentre as medidas que necessitam passar por lei, especialistas do setor dão como muito provável a aprovação do projeto Escola Sem Partido, principal bandeira bolsonarista na educação. Mesmo aprovada, há dúvidas quanto a sua eficácia, considerando a dificuldade de monitorar 2,4 milhões de professores atuando em mais de 200 mil escolas de ensino fundamental ou médio. A lei, no entanto, certamente fortalece grupos que, até em escolas privadas, têm criticado o que consideram “doutrinação” de professores com viés de esquerda.

COBRANÇA NA UNIVERSIDADE

Outra promessa que necessita passar por maioria simples no Congresso é o “fim da aprovação automática”. No caso da cobrança de mensalidades em instituições públicas (especulada como provável), a aprovação dependeria de uma PEC.

A criação de novas disciplinas — caso de moral e cívica — ou mudanças na Base Nacional Comum Curricular não dependem de leis, mas dependem de aprovação do Conselho Nacional de Educação.

O órgão é composto por 24 membros, indicados pelo Executivo para mandatos de quatro anos. Bolsonaro só poderá indicar 12 conselheiros em 2020. Portanto, nas condições normais de temperatura e pressão, qualquer alteração no currículo teria que passar pelo diálogo com os conselheiros indicados na gestão de Michel Temer.

Não se sabe quem será o futuro ministro da Educação de Bolsonaro. Dos nomes especulados, há diferentes perfis: acadêmico (Stravos Xanthopoylos, especialista em educação a distância); ligado ao setor privado (Eduardo Mufarej, da Somos Educação); militar (general Aléssio Ribeiro Souto, ex-chefe do Centro Tecnológico do Exército); ou mesmo político (Mendonça Filho, ex-ministro de Temer).

Independentemente do perfil do novo ministro, mesmo que mudanças sejam aprovadas, ele terá o desafio de alinhá-las na educação básica com municípios e estados. Juntos, eles respondem por mais de 81% das matrículas. O restante dos alunos está no setor privado (18% do total), ficando a rede federal, de influência direta do Ministério da Educação (MEC,) com apenas 1% das matrículas.

— Nosso país herdou um ranço, cultural e histórico, de políticas definidas de cima para baixo. A Constituição de 1988 deu mais autonomia a estados e municípios — diz Alessio Costa Lima, presidente da Undime, associação que representa os secretários municipais de educação. — Tem que haver diálogo. Nenhuma mudança, para que chegue à sala de aula, consegue ser implementada apenas por força de um decreto.