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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Educação básica e federalismo no Brasil: do pontual para o pactual

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Por Redação
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 Foto: arquivo pessoal.

Fernanda Macedo Pacobahyba, Doutora em Direito Tributário (PUC SP) e presidente do FNDE/MEC

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Flávia de Holanda Schmidt, Doutora em Administração de Empresas (PUC RJ) e Diretora de Gestão, Articulação e Projetos Educacionais (Digap) do FNDE/MEC

Marcus Vinicius de Azevedo Braga, Doutor em Políticas Públicas (UFRJ) e Chefe da Assessoria Especial de Controle Interno do MEC

Na manhã ensolarada, as redes sociais de norte a sul se agitam em mais uma operação especial da Polícia Federal no combate a desvios no âmbito de alimentação escolar em um município brasileiro. Na noite do dia anterior, matéria jornalística bem elaborada sobre transporte escolar filma crianças transportadas na parte de ré de umapick up, em uma situação de risco, totalmente irregular para aqueles estudantes. Um dia, como tantos outros, no pontual dos problemas da educação.

O desvio, a ineficiência, a precariedade na gestão da política educacional, chocam e viram notícia. São problemas que impactam diretamente a população, que clama por uma educação de qualidade, que passa por uma alimentação adequada, transporte regular, infraestruturas escolares adequadas à aprendizagem, conectividade disponível para usos pedagógicos e profissionais da educação valorizados e bem remunerados. Trata-se de um direito dessa população que precisa ser materializado pela ação estatal.

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Entretanto, o cenário pontual que estampa o noticiário e inflama as mídias sociais está inserido em um pacto institucional complexo, previsto no desenho constitucional da implementação da política de educação básica pelos municípios e pelos estados, com apoio técnico e financeiro do governo federal, que também estabelece regras de caráter geral. É um arranjo que possibilita, em um país de dimensões territoriais continentais e de profundas desigualdades e interseccionalidades, equilibrar autonomia e coordenação entre os milhares de atores, sem perder de vista o caráter nacional da política educacional.

Apesar dos benefícios e do consenso entre os estudiosos do federalismo sobre a pertinência desse modelo no caso brasileiro, ele esbarra em desafios relevantes, dentre os quais: i) heterogeneidade das capacidades estatais dos municípios e estados para a implementação dessas políticas; ii) as dificuldades de monitoramento de uma política pulverizada e dinâmica como a educação; iii)  um foco social mais ampliado nos problemas pontuais, que resta por não alcançar o debate mais substantivo sobre os aspectos da governança dessa política; iv) uma falta de métricas organizadas e claras quanto aos resultados que devem ser alcançados pelos nossos estudantes, a partir do trabalho de todos os profissionais da educação, e que tanto angustia a todos pelos resultados insuficientes do Brasil nas provas internacionais; e ainda, v) uma visão cartorial de prestação de contas, que desconsidera o desempenho histórico dos entes, e incide igualmente sobre níveis de risco assimétricos, em uma abordagem frequentemente padronizadora.

Considerando que, diferentemente de outras políticas sociais municipalizadas pela Constituição Federal de 1988, a educação ainda não avançou na construção de um sistema nacional de políticas públicas, como em outros setores ( Saúde e Assistência Social), tem-se que o reconhecimento no debate público da necessidade premente desse arranjo federativo pode contribuir para um desenho e implementação de um sistema nacional mais robusto e adequado à realidade nacional. A heterogeneidade das capacidades estatais nos municípios e estados ainda persiste, mesmo após algumas décadas de avanços e do fortalecimento da coordenação federativa pela indução financeira e pelo estabelecimento de padrões mínimos nacionais, mas isso não significa que um desenho unitário teria mais sucesso nesse desiderato.

Podem ser somados a essas questões postas, fatores adicionais, como a centralidade da educação na agenda política dos municípios, as suas trajetórias institucionais e seu perfil socioeconômico. Como já aponta a literatura, essa heterogeneidade refletiu especialmente em uma marcada iniquidade no direito à educação entre ricos e pobres, brancos e negros, manifesta nas dimensões de acesso, permanência e nos resultados. Há que se considerar, para o futuro e para os debates sobre o Sistema Nacional de Educação (SNE) - especialmente no foco da equidade, que os diferentes modelos de indução e coordenação federativa devem ter um portfólio de soluções que considere os diferentes níveis de capacidades nos entes, e ainda, na previsão de modelos alocativos que considerem o perfil dos estudantes das diferentes redes. Federalismo é gerenciar as diferenças regionais!

Resultados já documentados sobre a ação da CGU em 2017-18 no âmbito do Programa de Fiscalização em Entes Federativos (PFEF), baseado na assistência financeira da União aos municípios para a educação básica, em uma abordagem qualitativa a partir de 57 relatórios, apontam para uma maior incidência nas dimensões de má gestão e incapacidade institucional do que na de corrupção como causa dos problemas encontrados, o que adicionalmente aponta para uma necessidade mais efetiva de assistência técnica da União em relação aos entes municipais, mais frágeis em termos de capacidade estatais.

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Se uma das dimensões do financiamento à educação é o acompanhamento, é imperioso reconhecer que ainda persistem dificuldades de monitoramento integrado dos recursos alocados e dos resultados e impactos atingidos em diferentes níveis possíveis da política educacional. A discussão internacional sobre monitoramento e avaliação de políticas públicas (M&E - Monitoring & Evaluation) tem avançado para uma perspectiva de monitoramento, avaliação e aprendizagem (MEL - Monitoring, Evaluation and Learning), uma visão que abarca a dinâmica das complexas relações em um ambiente federativo.

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Ao incorporar a dimensão da aprendizagem no processo de produção da política pública da educação básica e de seus instrumentos de implementação, os resultados do monitoramento e avaliação são usados para assegurar que a política esteja alcançando os resultados planejados. Cabe assim, afastar a adoção do monitoramento e da avaliação de uma lógica predominantemente burocrático-gerencialista, para tratá-la, no âmbito do arranjo federativo nacional, como o potente instrumento democrático para que a educação seja, cada vez mais, uma política pública informada por evidências, e que esses diagnósticos realimentem os processos capitaneados pela União.

Assim como em diferentes outros temas nacionais, predomina na educação básica uma abordagem de natureza mais pontual sobre os problemas da política pública, em prejuízo das grandes e necessárias discussões da política educacional, o pactual. A existência de um debate social forte sobre os temas e acontecimentos que de fato importam para o futuro da educação básica no Brasil é central; e potencialmente nas relações entre o Estado e a sociedade em geral é que reside a arena ideal para a formação de coalizões, negociações e interlocuções para a busca de consensos, e aprendizados com os dissensos.

Dentre estes temas, cabe destaque para as questões federativas e educacionais ligadas às propostas do SNE em debate e suas repercussões futuras. É ainda necessária uma discussão sobre como a educação básica que hoje é ofertada nas redes públicas nacionais é capaz de preparar pessoas não apenas para os desafios do futuro do trabalho, mas especialmente para um contexto nacional e global que parece exigir um novo contrato social mais baseado em segurança, riscos compartilhados e uma arquitetura de oportunidades que não preserve a desvantagem histórica de mulheres, minorias sociológicas e crianças nascidas em famílias e localidades pobres.

Com todos esses desafios, resta temerário o discurso de que um wicked problem, como é a educação brasileira, possa ter solução a partir de perspectivas limitantes e simplistas; que apenas decisões unilaterais dos entes consigam dar conta da complexidade ou que não se exigirá um esforço de mais de uma geração para que se possa superar o atual cenário de ineficiência da política. Para se ter impacto, há de ter pacto!

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As discussões aqui trazidas, do campo da chamada governança multinível e de suas manifestações na política de educação básica, necessitam ser objeto não só da academia, mas também dos órgãos de controle, do Poder Legislativo, da sociedade civil, das associações de municípios, e claro, do governo federal, para que o problema das políticas sociais no federalismo ultrapasse o pontual do escândalo local que choca diariamente, e se encontre em uma pauta estruturada e continuada de debate entre esses atores, com os ajustes necessários no pacto federativo e na construção de mecanismos efetivos de gestão, monitoramento e construção de capacidades, sem prejuízo da devida responsabilização dos atores, para que estes sejam reconhecidos pelas boas práticas e sancionados pela má gestão e corrupção. E de forma inevitável surge nessa discussão o advento de um Sistema Nacional de Educação.

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