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Educação 360: 'Devemos deixar para trás o ensino que é igual para todo mundo', diz educador finlandês

Pasi Sahlberg fez a palestra de abertura do evento, que aconteceu em versão on-line e gratuita
O colunista do GLOBO Antônio Gois conversa com o educador finlandês Pasi Sahlberg Foto: Reprodução
O colunista do GLOBO Antônio Gois conversa com o educador finlandês Pasi Sahlberg Foto: Reprodução

O tema da incerteza foi destaque na abertura do Educação 360 Internacional , evento que coloca em debate questões urgentes da Educação e que acontece nos dias 14 e 15 de setembro, em versão on-line e gratuita. Confira a programação completa no site oficial do evento .

Segundo o educador e escritor finlandês Pasi Sahlberg, que proferiu a primeira palestra do encontro, a pandemia precipitou uma mudança de paradigma na educação, saindo de um modelo que já estava em crise e passando para um mundo de incertezas, tema central de sua conferência.

— Devemos deixar para trás tarefas e questões que tenham apenas uma resposta certa e seguir adiante para um modelo de problemas com resultados abertos, que demandam um pensamento divergente — afirmou Sahlberg, que já atuou como consultor em reformas educacionais de vários países, hoje é professor de Política Educacional na Universidade de New South Wales, em Sydney.

Clique aqui e assista ao primeiro dia de evento

O Educação 360 Internacional é uma realização dos jornais O GLOBO, Extra e Valor Econômico, com patrocínio do Grupo SEB, apoio do Itaú Social e apoio institucional de Unicef, Unesco, Futura e Fundação Roberto Marinho.

Incertezas no contexto educacional

De acordo com Sahlberg, os sistemas educacionais já estavam em crise no mundo antes da pandemia, com 260 milhões de crianças fora da escola e queda na média do desempenho dos alunos, mesmo com aumento de investimentos num nível constante nos sistemas educacionais nos últimos 20 anos.

— Esse paradigma em crise era baseado em padronização e competição. Então vivemos algo disruptivo, que foi a pandemia global — explica.

Esse ponto de virada, segundo o finlandês, levou a educação para um paradigma de incertezas, na qual complexidade é  palavra-chave. No novo cenário, ele explica, há a necessidade de algum grau de flexibilização de escolas e professores, além de profissionalismo, criatividade e confiança.

— A solução criativa tem facilitado o surgimento de uma resposta mais rápida do que aconteceu — diz.

Na avaliação do educador, uma lição fundamental é a de que devemos deixar para trás o ensino universal, igual para todo mundo, em busca de um ensino individualizado. Isso não significa, porém, o acirramento da competição, muito pelo contrário.

— Todos têm algo a contribuir, todos têm a aprender e a ensinar. A mentalidade de que o vencedor leva tudo deve ser deixada para trás por um modelo mais colaborativo. Sei que são grandes questões e nada é completamente novo, mas este é o momento de pensar sobre isso — defende.

'Agir na urgência, decidir na incerteza'

Ao fazer comentários sobre a palestra de Sahlberg, a educadora Guiomar Namo de Mello, diretora da Ebrap (Escola Brasileira de Professores) e ex-secretária de educação da cidade de São Paulo, defendeu que a saída da crise educacional brasileira passa pela confiança nos professores.

— O ensino é agir na urgência e decidir na incerteza. Todo dia — disse. — Para isso, é preciso ter confiança no professor. A confiança é a base em cima da qual eu posso lidar com a incerteza.

A educadora Guiomar Namo de Mello, que fez comentários sobre a fala do professor finlandês Pasi Sahlberg Foto: Reprodução
A educadora Guiomar Namo de Mello, que fez comentários sobre a fala do professor finlandês Pasi Sahlberg Foto: Reprodução

Segundo ela, no entanto, é preciso investir o professor. Isso significa ter uma política de formação docente no Brasil, que englobe não só a formação inicial na faculdade, mas também a educação continuada, o ingresso no sistema, o período probatório, a carreira e a remuneração.

— Aqui no Brasil nós vamos ter que continuar por algum tempo com essa escola nascida da segunda Revolução Industrial porque é com ela que temos acesso aos professores e alunos. Enquanto isso, precisamos ter uma política de formação e ingresso de professores levada a sério, o que não tem sido feito até hoje.

A avaliação de Guiomar Namo de Mello é de que o contexto da crise educacional é global, mas há no Brasil aspectos que a aprofundam, como uma "vergonhosa desigualdade social".

— A desigualdade impacta somente o fracasso na educação. Temos mais da metade das crianças do 3º ano que não sabem ler e uma juventude que não se identifica com o ensino médio — afirma.

Tecnologia e protagonismo dos estudantes

A pandemia da Covid-19 exigiu dos professores novas metodologias para garantir a aprendizagem dos estudantes mesmo à distância. Em um cenário de aulas suspensas, o uso da tecnologia veio para o centro das práticas pedagógicas. Nesse contexto, os profissionais da educação apostam em uma tônica para garantir o acesso à educação: o protagonismo dos estudantes.

Durante o painel "Nada será como antes?", educadores que atuam em diferentes realidades do país destacaram a importância de engajar os alunos durante as aulas e promover uma troca de conhecimento ativa. As estratégias para interagir com esses estudantes passam pela utilização criativa de tecnologias disponíveis, como um projetor, ou o uso de aplicativos de celular, como o Tik Tok, febre entre os jovens, para realização das atividades.

Os participantes da mesa "Nada será como antes?", no Educação 360 Internacional Foto: Reprodução
Os participantes da mesa "Nada será como antes?", no Educação 360 Internacional Foto: Reprodução

Com diferentes práticas, os educadores miram no objetivo comum de evitar que crianças e jovens deixem a escola devido à falta de interesse ou proximidade com a sala de aula no contexto pandêmico.

— Se eu acho que tudo vai mudar na educação? Não! Mas o professor passou a entender que a tecnologia não tira o lugar dele de mediador do processo de aprendizagem. Ela torna o professor essencial ao utilizar a tecnologia como uma ponte para atingir seus objetivos — analisou a formadora de professores em tecnologias e educação, Renata Capovilla.

Educação inclusiva

Fundador e CEO do Instituto Rodrigo Mendes, o especialista em educação inclusiva Rodrigo Hübner Mendes defendeu que o modelo de escolas especiais — destinadas exclusivamente a crianças com deficiência — pode parecer mais preparado para atender esse público, mas já foi testado e se mostrou ineficiente.

Rodrigo Hübner Mendes, na palestra sobre educação inclusiva Foto: Reprodução
Rodrigo Hübner Mendes, na palestra sobre educação inclusiva Foto: Reprodução

Essa é uma das bandeiras do governo Jair Bolsonaro, que decretou uma Política Nacional de Educação Especial na qual estimula que as famílias decidam se seus filhos devem ou não ser incluídos em classes regulares.

— O modelo de educação segregada já foi testado por décadas e fracassou — afirmou Hübner Mendes. — Incluir crianças em classes regulares requer soluções que não são triviais. Mas, se acreditamos que vale a pena criar políticas públicas a partir de evidências, o melhor caminho é a escola comum. No final do dia, a gente acaba tendo uma pedagogia mais eficiente, o que faz que todo mundo saia ganhando.

Convidado da conversa “Educação inclusiva: benefício para todos”, ele defendeu que uma política de inclusão adequada requer a garantia do convívio da criança com deficiência com o restante da escola, mesmo currículo para todos os alunos e que os professores mantenham as expectativas altas em relação aos estudantes.