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Educação 360: 'Crianças precisam aprender a ter iniciativa', diz o educador Pasi Sahlberg

Finlandês, já atuou em reformas educacionais de diversos países, fará a palestra de abertura do evento que acontece nos dias 14 e 15 de setembro; veja como se inscrever
O professor Pasi Sahlberg: ele falará sobre como olhar para a incerteza no contexto educacional Foto: Jan Heijmans / Divulgação
O professor Pasi Sahlberg: ele falará sobre como olhar para a incerteza no contexto educacional Foto: Jan Heijmans / Divulgação

O ano de 2020 foi uma grande aula para a humanidade sobre a incerteza. É sobre esse tema, mais especificamente sobre como lidar com a incerteza no contexto educacional, que o educador e escritor Pasi Sahlberg falará na palestra de abertura do Educação 360 Internacional , evento realizado pelos jornais O GLOBO, Extra e Valor Econômico. O finlandês, que já atuou como consultor em reformas educacionais de vários países, hoje é professor de Política Educacional na Universidade de New South Wales, em Sydney.

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O evento acontecerá nos dias 14 e 15 de setembro em versão on-line e gratuita, e as inscrições estão abertas no site educacao360.com. O Educação 360 Internacional tem patrocínio do Grupo SEB, apoio do Itaú Social e apoio institucional de Unicef, Unesco, Futura e Fundação Roberto Marinho.

Recentemente, o senhor escreveu que, em 2020, tivemos uma “masterclass” da vida real sobre a incerteza. O que aprendeu com tudo o que aconteceu?

Em termos educacionais, percebi o quanto criatividade e flexibilidade são fundamentais. Os sistemas de educação que se saíram melhor nesse período já cultivavam essas características. Na Finlândia, por exemplo, as escolas têm autonomia sobre como vão agir, não precisam esperar por uma ordem do governo para seguir por um caminho ou outro. São criativas, há flexibilidade. Outra questão está relacionada ao aprendizado na escola. Na maior parte dos sistemas, os estudantes fazem o que o professor pede que façam: “Abra o livro, vire a página...”. As crianças são educadas para que esperem passivamente por alguém que lhes diga o que fazer. Deveríamos ensinar, desde cedo, que aprender não é algo que acontece quando o professor manda e você faz, mas sim quando você vai à escola e diz: “Olá, professor, eu gostaria de aprender sobre isso ou aquilo”. Precisamos mostrar às crianças e aos jovens como assumir esse tipo de iniciativa e liderança. Dessa forma, se um dia fecharmos as escolas novamente, ouviremos deles: “Não se preocupe, vou continuar com o meu projeto. Vou ligar para os meus amigos e vamos pensar em algo”.

O que os professores brasileiros precisam ter em mente no retorno às escolas?

Acredito que as primeiras questões que eles devem colocar aos estudantes não estão relacionadas às suas disciplinas. A primeira preocupação deve ser com o bem-estar dessas crianças e jovens: “Como você e sua família estão? Como foi esse período para você?”. No Brasil, onde houve tantas perdas, a dor, o medo e o sofrimento precisam ser acolhidos. Eu falarei sobre incertezas no Educação 360, mas não precisamos ficar relembrando aos estudantes que ninguém sabe como será o futuro. Precisamos que tenham certeza de que estaremos aqui amanhã e depois de amanhã por eles e que vamos cuidar para que fiquem bem.

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Na Finlândia, a confiança que se tem nos professores é algo importante para o sucesso do sistema educacional, considerado modelo para o mundo. No Brasil, vivemos o oposto: os professores muitas vezes têm medo em sala de aula. Como sair desse estado de medo para um estado de confiança?

Isso levou muito tempo para ser feito na Finlândia, não é algo que pode ser alcançado por discursos políticos ou por leis. A confiança vem de atos concretos e não de palavras vazias. Conquistar confiança requer uma relação honesta entre os mais diferentes agentes. Mas é certo que, quanto mais esse sistema investe em profissionalismo, mais perto ele estará dessa confiança. O sistema finlandês tem vantagens. Por exemplo: todos os professores têm mestrado, o magistério é uma profissão extremamente reconhecida pela sociedade, a formação é sólida e há um comprometimento forte por parte de todos. Não quer dizer que não seja possível fazer isso no Brasil, mas requer tempo e mais atenção a esse profissionalismo dentro do sistema educacional.

Na Finlândia, os professores têm autonomia para criar currículos, para implementar esses currículos e também para definir como vão avaliar seus alunos. Qual é a melhor forma de avaliar um estudante?

Primeiro, depende do que estamos avaliando. Não há uma maneira única pela qual as avaliações devem ser feitas. A pergunta é: para que essa avaliação servirá? Se ela for para entender a performance de um sistema educacional como um todo, como estão indo os estudantes em matemática, porttuguês ou outras disciplinas, ela deve ser feita de uma maneira. Mas, se for uma questão para professores saberem como as crianças ou jovens estão aprendendo em sala de aula, ela deve ser feita de uma maneira completamente diferente. É muito importante que os professores brasileiros se certifiquem de que estão bem preparados para avaliar seus alunos. Ter um tipo de avaliação para todos, um tipo só, não é um jeito certo.

O senhor lançou o livro “Let the children play” (“Deixem as crianças brincarem", em tradução livre). Acha que os pais deveriam se preocupar com os recreios tanto quanto se preocupam com metodologias, quando buscam uma escola?

Sim. Foi inclusive a primeira pergunta que fiz na nova escola do meu filho, quando nos mudamos de Helsinque para Sydney. Na época, ele tinha 5 anos. Queria saber sobre os intervalos: como eram estruturados, o que as crianças faziam. O primeiro intervalo era chamado por essa escola de “chá da manhã”. Eu brinquei: “Meu filho não toma chá, o que ele deve fazer então?” (risos) . Por que não chamam de “intervalo de brincar”? Crianças e adolescentes passam, em média, cinco horas por dia na escola. Eles precisam ter momentos em que podem tomar suas próprias decisões. Num intervalo livre para brincar, isso acontece. E é assim que desenvolvem uma habilidade muito importante: aprendem a se responsabilizar por suas próprias ações.

O que o sistema educacional finlandês pegou como inspiração de outros países?

O sistema na Finlândia foi muito inspirado pelos sistemas ocidentais, especialmente pelo da Suécia. Era uma espécie de cópia, ele não foi inventado pelos finlandeses. Só que copiar um outro sistema por inteiro é uma bobagem, mesmo quando isso é feito entre países nórdicos, que são bastante parecidos.

A Finlândia foi muito boa em compreender que há aspectos em outros sistemas que não vão necessariamente funcionar no país. Por exemplo, nos anos 1980, houve um movimento de dar liberdade total, de deixar as pessoas fazerem o que quisessem nas escolas. Na Finlândia, eles sabiam que poderia ser uma boa ideia, mas ela não funcionaria no país. Então, esse modelo não foi adotado. Já nos anos 1990, a Suécia adotou uma política de dar aos pais "vouchers", para que usassem esse mecanismo para pagar por uma escola que escolhessem para os filhos. Foi o mesmo que aconteceu no Chile. Eu trabalhava no Ministério da Educação da Finlândia na época e nós sabíamos que isso não funcionaria. Não era uma boa ideia, como de fato não foi. O país ficou longe dessas tendências internacionais, de ver a escola ou o sistema escolar como um mercado. Poderia funcionar em outros países, mas, para a Finlândia, não.

O que o sistema de educação do Brasil deveria aprender com o da Finlândia?

Eu já estive no Brasil. Algo muito importante que precisa ser dito é que é muito difícil comparar os países. O Brasil é uma enorme e tem uma população gigantesca. A diversidade e as diferenças também são grandes internamente. Visitei algumas instituições e lugares incríveis e outros que não tinham basicamente nada. Qualquer um que faça essa sua pergunta precisa saber que essa diferença entre Brasil e Finlândia precisa ser levada em conta.

Falamos antes sobre o magistério, sobre a profissão. Esse é um ponto importante. Eu diria para que no futuro, no pós-pandemia, o sistema brasileiro precisa pensar com mais força sobre como devemos preparar e treinar os professores. Como devemos fazer para que mais brasileiros tenham mais interesse em se tornar professores?

Além disso, é possível aprender com a Finlândia sobre como construir um sistema com equidade. Vale a pena olhar como o país faz isso. Igualdade é fazer com que todos tenham acesso à educação ou a bons professores. Mas, quando falo de equidade, trato da importância de nos certificarmos que estudantes e comunidades com mais dificuldades e que precisam de mais ajuda tenham o que necessitam.

É algo que a Finlandia poderia ajudar, não com soluções diretas sobre o que fazer, mas sim apontando caminhos e mostrando que soluções caras não necessariamente servem para o Brasil.