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Veto inconsequente

Bolsonaro veta projeto de interconectividade das escolas públicas que beneficia alunos pobres

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Por Notas & Informações
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Em mais uma iniciativa desastrosa, que prejudica a formação e a emancipação intelectual dos segmentos mais pobres das novas gerações, o presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o projeto de conectividade do ensino público. O projeto autorizava a União a repassar R$ 3,5 bilhões para as Secretarias da Educação, com o objetivo de assegurar acesso gratuito à internet para alunos e professores da rede pública de ensino básico, em decorrência da pandemia.

De autoria conjunta de 23 parlamentares, o projeto foi aprovado em dezembro pela Câmara, com base em parecer da deputada Tabata Amaral (PDT-SP), e, em fevereiro, pelo Senado. Ele beneficiava alunos de famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais, num total de 18 milhões de crianças e jovens. Também favorecia alunos das escolas de comunidades indígenas e quilombolas e o professorado do ensino básico, num total de 1,5 milhão de docentes. O projeto previa ainda que os R$ 3,5 bilhões viriam do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações. 

Para ter ideia da importância desse projeto, números do Instituto DataSenado revelam que, dos 56 milhões de crianças e jovens que estudavam no ensino básico e superior no auge da pandemia, em agosto de 2020, 32,4 milhões passaram a ter aulas remotas. Desse total, entre os alunos da rede pública que tinham aulas virtuais, 26% não tinham acesso à internet, por falta de condições financeiras de suas famílias. Outra pesquisa, esta promovida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, aponta que, em 2020, 28 milhões de domicílios não tinham internet. 

Ao justificar o veto, Bolsonaro apresentou três argumentos. Em primeiro lugar, alegou que o projeto não apresenta estimativa de impacto da ajuda financeira no Orçamento da União. Em segundo lugar, disse que ele aumenta a rigidez orçamentária, dificultando o cumprimento da meta fiscal. E, em terceiro lugar, afirmou que seu governo já “emprega esforços” para melhorar a contratação de internet de banda larga para escolas públicas. Essas informações, porém, constam expressamente do projeto.

Por isso, os argumentos usados por Bolsonaro com o objetivo de justificar o veto não passam de mera cortina de fumaça para ocultar suas reais intenções. Como é contra a política de isolamento social, crítico do fechamento das escolas e a favor da retomada imediata das atividades econômicas, o presidente não quis sancionar um projeto de iniciativa do Legislativo que buscava aprimorar o ensino virtual no momento em que a suspensão das aulas presenciais é defendida por especialistas para conter a pandemia. Além disso, o presidente, que se confronta com os governadores, não quer repassar recursos federais que beneficiem as populações de seus Estados. Entre o interesse público e seus interesses eleiçoeiros, Bolsonaro não hesitou. Mais absurdo ainda, o próprio Ministério da Educação (MEC), que nada fez para articular nacionalmente medidas emergenciais no ensino público desde a eclosão da pandemia, deixando Estados e municípios à própria sorte, endossou o veto, evidenciando a servilidade e a mediocridade daqueles que estão à frente da pasta. 

As consequências do veto de Bolsonaro são trágicas, uma vez que penalizam estudantes das famílias mais pobres. Como não têm acesso à internet e as aulas presenciais estão suspensas, eles não podem se beneficiar das aulas virtuais, o que comprometerá sua aprendizagem. Com isso, em vez de uma educação pública de qualidade e com equidade, como é dever do governo federal, o que se terá é o aumento da disparidade de capital humano nas próximas gerações, aprofundando ainda mais as desigualdades sociais. 

Para derrubar o veto de Bolsonaro são necessários, no mínimo, 257 votos na Câmara dos Deputados e 41 no Senado. Diante dos efeitos desastrosos causados pela iniciativa do presidente, resta esperar que deputados e senadores façam o que deles se espera, decidindo em favor das novas gerações.