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Mais um Enem problemático

Prova deixou claro que os atuais responsáveis pelo MEC nem sequer sabem fazer contas.

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Por Notas & Informações
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Depois de ter publicado notas com erros no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2020 e convertido o cronograma das provas de 2021 em discussão política, gerando uma crise no Ministério da Educação (MEC), o governo Bolsonaro voltou a dar uma nova demonstração de irresponsabilidade e inépcia administrativa. Ao insistir em realizar o Enem de 2021 em meio ao avanço da pandemia, o MEC não teve competência para resolver problemas logísticos elementares, o que levou muitos alunos a não conseguir entrar nos locais das provas por causa da superlotação. 

No fim do ano passado, o órgão havia não só prometido cumprir regras de distanciamento entre os 5,7 milhões de alunos inscritos no Enem de 2021, como também garantia que haveria instalações escolares suficientes para atender todos, evitando com isso aglomerações. Infelizmente, não foi o que aconteceu.

Ao imaginar que muitos estudantes deixariam de comparecer por causa da pandemia, o MEC subestimou o número necessário de salas. Ou seja, os responsáveis pela educação mostraram não saber fazer contas. Ao todo, o Enem foi aplicado em 207 mil salas distribuídas em 14 mil locais de prova – números considerados insuficientes por gestores escolares. As consequências foram desastrosas. Em algumas universidades, quando as salas atingiram a capacidade máxima prevista, os fiscais passaram a impedir a entrada de novos estudantes, inviabilizando seus projetos acadêmicos, pois o Enem é a porta de entrada no ensino superior. Em outras universidades, os fiscais foram lenientes e as classes ficaram quase lotadas, contrariando as medidas sanitárias preventivas. 

Mais grave ainda, o MEC foi acusado de ter mentido. Algumas universidades alegaram que cederam suas dependências para a aplicação do Enem com a condição de que fosse respeitado o limite de 40% de ocupação por sala. Mas o MEC não cumpriu o acordado e distribuiu os alunos usando 80% do espaço de cada sala. A acusação mais contundente de que o MEC mentiu partiu da Universidade Federal de Santa Catarina. 

Embora o ministro Milton Ribeiro tenha tido a desfaçatez de afirmar que a aplicação do Enem foi um “sucesso”, procuradores do Ministério Público Federal anunciaram que pedirão abertura de investigações. Membros da Defensoria Pública da União, que no sábado já haviam acionado a Justiça Federal para barrar a realização do Enem, sob a alegação de que o MEC não teria garantido a segurança dos candidatos, colocaram-se à disposição para atender os estudantes cujo acesso às salas de aula foi negado. 

Consciente de que o “sucesso” do Enem só existiu na cabeça de Ribeiro, o Inep, preocupado com o risco de judicialização do Enem, prometeu que aplicará em fevereiro uma prova a quem não pôde fazê-la no domingo. O órgão sabe que, se não evitar a judicialização, o cronograma das matrículas nas universidades federais estará comprometido, levando a mais um ano de erosão do planejamento acadêmico. Mas, apesar de a preocupação do Inep ter procedência, isso não significa que as autoridades educacionais não venham a enfrentar problemas judiciais. Como a prova de domingo teve 51,5% de abstenção, isso significa que metade dos candidatos foi submetida a um rol de questões e que a outra metade será submetida a um outro rol em fevereiro. Não é improvável, assim, que a Justiça, com base nos princípios da igualdade e equidade, exija a aplicação de uma prova idêntica a todos os candidatos. 

O que o governo Bolsonaro vem fazendo na educação é mais do que uma delinquência moral. Incapaz de se esforçar para oferecer uma educação de qualidade e reduzir desigualdades agravadas pela pandemia, ele está negando a esses 5,7 milhões de jovens egressos do ensino médio as condições mínimas para que possam ter sucesso nas provas de ingresso no ensino superior. O governo não só não consegue superar as deficiências de conhecimento existentes, como também abandona esses jovens à própria sorte.