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Fora do mapa da modernização

A indústria mundial de semicondutores começa a redesenhar seu mapa de investimentos, mas o Brasil foi deixado de lado nesse rearranjo de um setor crucial

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Por Notas & Informações
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O Brasil escolheu ficar fora do mapa mundial das grandes transformações que o avanço tecnológico vem desenhando. O mundo, como mostrou o Estadão (7/6), “refaz o mercado de chips para a indústria”. A despeito da pandemia, ou por causa dela – e da guerra na Ucrânia –, a cadeia global de produção de semicondutores está mudando para reduzir a escassez desse item essencial para uma imensa rede de produtos. Investimentos estimados em US$ 140 bilhões em dois anos foram decididos pelos principais produtores. É dinheiro importante para estimular a atividade econômica nos países produtores e reduzir o impacto da pandemia e da guerra na economia mundial.

Não há registro de que uma parcela minimamente significativa dos investimentos previstos tenha o Brasil como o destino. A sensação que esse quadro deixa é a de que o País, depois de ter largado muito mal na corrida pela inserção no mercado dos produtos industriais de alta tecnologia, está sem forças para se recuperar. A demanda desses produtos é a que mais cresce no mundo.

A interrupção de linhas de produção de eletrodomésticos, comandos eletrônicos de uso doméstico, equipamentos de segurança e, sobretudo, de veículos em todo o mundo por falta de semicondutores é a prova mais evidente da importância que esse item assumiu na atividade industrial e na vida moderna. Estima-se, por exemplo, que, por falta de chips, o Brasil deixou de produzir quase 350 mil automóveis no ano passado. No mundo, a quebra de produção pode ter alcançado 10 milhões de unidades.

Com a suspensão ou o encerramento de atividades de unidades industriais por falta de componentes como os semicondutores, governos de diversos países lançaram programas de apoio financeiro para novos investimentos na fabricação desses itens. Ainda assim, e com os investimentos já anunciados pelos maiores produtores, prevê-se que a escassez, mesmo mitigada, se estenda até 2025.

É um quadro que projeta o crescimento continuado da produção de semicondutores, que hoje são o quarto produto mais comercializado no mundo, atrás de petróleo, veículos e derivados de petróleo.

Mesmo não tendo tido papel relevante no período inicial de crescimento desse segmento industrial, que vem puxando a expansão da economia mundial, o Brasil poderia inserir-se nessa onda e dela se aproveitar. Mas o rearranjo desse setor produtivo em escala mundial apenas vai aumentar o peso de alguns centros em operação em relação a outros. E esses centros estão em países e regiões como Estados Unidos, Europa Ocidental, China, Coreia do Sul e Taiwan. Já com um setor industrial altamente sofisticado e de grande produtividade, essas áreas ampliarão sua distância em relação ao resto do mundo quanto ao avanço tecnológico.

A participação do Brasil nesse mundo se limita ao segmento final da montagem. Como mostrou o Estadão, o Ministério da Economia promete apresentar proximamente um programa de estímulo à produção local de semicondutores, por meio de desoneração da cadeia produtiva, apoio a pesquisa e desenvolvimento, formação e capacitação de profissionais e facilitação de importações.

Tudo isso é importante. Mas, ainda que tudo comece a ser feito já – o que parece pouco provável no mandato do atual presidente da República –, será tardio. “O Brasil não tem como competir com os mercados maiores e, infelizmente, não tem política séria de exportação de produtos de alto valor agregado”, reconhece o analista do mercado automotivo José Augusto Amorim.

A indústria de transformação continua sendo o principal indutor da modernização do setor produtivo no Brasil, mas vive uma crise que já dura décadas. A redução notável de seu peso no Produto Interno Bruto (PIB) é a síntese perfeita de sua involução nos últimos anos. Há problemas estruturais graves, sobre os quais já se manifestaram todos os segmentos produtivos, mas que persistem. O agudo déficit de mão de obra qualificada, que se estende para diversos segmentos da produção, reflete o fracasso de políticas públicas no campo da educação. Há muito a fazer.