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Editorial: "Ensino público religioso: grades mentais"
Opinião

Editorial: "Ensino público religioso: grades mentais"

A experiência espiritual não precisa necessariamente traduzir-se em termos confessionais dogmáticos
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A oficialização do ensino religioso confessional na escola pública pelo Supremo Tribunal Federal é a última decisão controversa assumida por essa Alta Corte numa sociedade já intensamente seccionada por divisões. A aprovação da matéria dividiu o tribunal no meio (5x5), e só se efetuou graças ao voto de Minerva (desempate) de sua presidente, a ministra Cármen Lúcia. O único consolo para os discordantes é a constatação de que a relação Estado Laico x Religião também se apresenta de forma paradoxal em outros países, de viés católico, protestante ou ortodoxo. Uma prova de que o Iluminismo teve de fazer concessões à realidade político/cultural circundante.


O desafio de sua adoção, no Brasil, não é tanto o de fazer concessão ao confessionalismo religioso, mas o de garantir, na escola pública, a igualdade de condições para todos os credos, sem discriminação, como exige a Constituição. O País tem uma rica diversidade de crenças: haverá como atendê-la, de forma democrática, caso seja demandada por alunos da escola pública? Será possível evitar proselitismos e disputas que criem constrangimento e bullying para alunos que professem fé distinta dos padrões dominantes? Mesmo que os professores não sejam pagos pelo Estado, este tem de providenciar apoio logístico, o que implica custos. Seriam de interesse público essas inversões quando faltam recursos para garantir a universalidade do acesso e a qualidade do ensino público, em geral?


São questões das quais não há como fugir. Sem falar que o ambiente escolar deve ser o celeiro para o florescimento do pensamento crítico, devendo propiciar o contato dos alunos com a diversidade das ideias, o questionamento ao status quo, o respeito ao pensamento do outro (mesmo discordando dele) e o aprendizado da tolerância.


A experiência espiritual é parte integrante e importantíssima da dimensão humana, e não precisa, necessariamente, traduzir-se em termos confessionais dogmáticos. Se ocorresse de assim o fazer, deveria ser como fruto da alquimia interior prévia de cada indivíduo e de sua própria busca espiritual, sem o que, qualquer dogmatismo não passaria de prisão da alma. Ora, a escola pública não combina com grades mentais.


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