Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

É preciso resistir ao plano de elitização da universidade pública

O ministro da Educação destilou seu preconceito de classe e sua política de governo ao defender que a universidade ‘seja para poucos’

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Uma das coisas mais especiais das redes sociais, para mim, é poder estar em contato com professores do Brasil inteiro. Por meio do Facebook e do Instagram, tenho a oportunidade de conhecer práticas pedagógicas inovadoras, como também movimentos individuais e coletivos de resistência à precarização da educação e às tentativas incessantes de criminalização e desqualificação do fazer docente. Tudo isso alimenta a minha certeza de que uma educação comprometida com a igualdade e com a diversidade é possível, sim.

Nesta semana, Giselli Avincula, professora de Sociologia da Rede Estadual do Rio de Janeiro, presenteou os que a acompanham com uma história emocionante. Giselli, por quem tenho extrema admiração, publicou o print de uma conversa entre ela e uma aluna, por WhatsApp. Na mensagem, Sabrina Carla, que concluiu o ensino médio em uma escola de Nilópolis, município da Baixada Fluminense, contou que foi aprovada no curso de Engenharia de Agrimensura da UFRRJ. No post, Giselli escreveu: “O coração vibra de alegria! Uma conquista de uma vaga na universidade federal por uma aluna da escola pública e da Baixada Fluminense, em meio à pandemia, é muita emoção.”

Ao destacar os lugares sociais pelos quais a aluna passou até alcançar uma vaga na universidade, Giselli aponta para o fato de que a escola pública, infelizmente, ainda permanece como um espaço marcado pela descrença e muitas vezes pelos baixos investimentos por parte das esferas governamentais, dificultando que os estudantes alcem voos mais altos. A professora lembra ainda que a futura engenheira reside em uma região marcada “pela pobreza, desemprego e uma estrutura de violência muito antiga”, conforme pontuou o pesquisador José Cláudio Alves.

Como Giselli bem salientou, a vitória de Sabrina se deu em meio à pandemia, período em que um contingente enorme de estudantes da rede pública não concluiu os estudos por uma série de razões, dentre elas o luto, o desemprego, como também a dificuldade de acessar o ensino remoto em consequência da falta de celulares, computadores e internet. Os desafios do último ano foram expressos nas inscrições do Enem 2021: o número de participantes é o menor desde 2009.

A notícia que emocionou a mim e a Giselli Avíncula chegou no mesmo dia em que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, sem qualquer pudor, usou a TV Brasil, uma emissora pública, para destilar seu preconceito de classe e também sua política de governo, ao defender que a universidade “seja para poucos”. Além de ferir a Constituição, cujo Artigo 5º. reitera que a educação é um direito de todos, o responsável pelo MEC evidencia que em sua gestão não há qualquer compromisso ou ação para que conquistas como a divulgada pela professora Giselli se tornem cada vez mais comuns.

Muito pelo contrário. Ex-reitor em exercício e ex-vice-reitor de uma das maiores faculdades privadas do país, Milton Ribeiro imprime um viés elitista às ações do ministério. Sob a sua alçada, assistimos ao esvaziamento de políticas e projetos públicos voltados para a educação básica. No período em que as dificuldades ficam cada vez maiores no que diz respeito ao acesso, à permanência e à aprendizagem nos espaços escolares, verificamos cortes de verbas que chegam à marca de R$ 900 milhões somente em programas voltados para o ensino médio. Além disso, passados quase 17 meses do início da pandemia, não há qualquer diretriz que possa auxiliar e orientar as redes de ensino na retomada das aulas presenciais.

Desse modo, torna-se evidente que a conquista da Sabrina e da professora Giselli não é só delas e dos familiares. Trata-se de uma vitória coletiva: da escola pública, dos professores que resistem à precarização do trabalho e fazem de tudo para que o papel social da educação seja cumprido, de toda a sociedade.

A aprovação da Sabrina na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro também é uma vitória contra o ódio, contra a ignorância, contra o obscurantismo que tomam conta do país. É ainda uma vitória contra as tentativas diárias de destruir direitos básicos duramente conquistados.

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