Edu Lyra
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Edu Lyra

Fundador e CEO da Gerando Falcões

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Edu Lyra

Fundador e CEO da Gerando Falcões

Um dos momentos mais marcantes da minha vida aconteceu numa quarta-feira, dia de jogo do Corinthians, quando eu tinha 14 anos.

Era começo da noite. Meus amigos e eu jogávamos bola na rua quando ouvimos o som de muitos fogos de artifício. Parecia vir de alguma rua próxima. Não estranhamos — afinal, era dia de jogo do Corinthians, e a periferia fica em polvorosa nessas datas.

Até que um grupo de pessoas passou correndo por nós, como que fugindo de algo. Curiosos, como as crianças costumam ser, fomos investigar do que fugiam.

Dobramos a esquina e deparamos com um corpo estendido no chão, ensanguentado e crivado de balas. O som que tínhamos ouvido não era de fogos, mas de tiros. E o corpo no chão, para mim, tinha um nome e uma história: meu amigo Edson, que havia crescido comigo naquela mesma quebrada, fora assassinado.

Quando penso nessa tragédia, lembro que Edson tinha abandonado a escola e também não trabalhava formalmente. Hoje diríamos que ele era um “nem-nem”.

Há muitos outros Edsons Brasil afora. Um levantamento deste ano do Ministério do Trabalho apontou que pelo menos 7,1 milhões de jovens com idade entre 14 e 24 anos não estudam ou trabalham. Como sempre, desigualdades de gênero e raça acentuam o problema. Quase 70% dos “nem-nem” são pretos e pardos. A maioria (60%) é mulher, em geral com filhos pequenos.

Esse problema se insere num contexto ainda maior de desemprego sistêmico entre a população jovem. Basta lembrar que mais da metade (55%) dos desempregados brasileiros está na faixa dos 14 aos 24 anos.

Conviver com números desse tipo é aceitar de bom grado uma tragédia anunciada. Sem oportunidades, os “nem-nem” não se tornarão médicos, artistas, empreendedores, advogados, engenheiros, professores. Pelo contrário: dada a estrutura desigual e violenta da sociedade brasileira, é mais provável que tenham o mesmo destino do meu amigo Edson.

Mas por que, afinal, me peguei refletindo sobre essa lembrança terrível? Visitei recentemente o Inteli, um centro de formação de profissionais e lideranças para a área de tecnologia que tem um ótimo programa de bolsas para jovens de baixa renda.

O futuro do país será decidido em espaços como esse. É onde os jovens da periferia têm a chance de fugir da armadilha do “nem-nem” e construir uma carreira. Em espaços como o Inteli, o Edson poderia ter construído um destino diferente para si mesmo.

Até porque a concorrência é pesada. Enquanto a sociedade brasileira falha em oferecer oportunidades reais à juventude, o RH do tráfico trabalha a todo vapor, recrutando jovens sem perspectiva, oferecendo capacitação para operar armamento pesado, remunerando bem e formando empreendedores desse mercado ilegal. Um país que não aposta na sua juventude perde uma geração inteira para a violência, o crime e o desamparo. Perde, em suma, seu futuro.

O Brasil precisa acordar para o problema dos “nem-nem”. Precisamos de políticas públicas, de investimento privado, de novas tecnologias sociais e de muita filantropia para virar o jogo e mostrar aos jovens que vale a pena investir no próprio futuro.

É uma dívida que a sociedade tem com seus jovens — e que tenho com um bom amigo que partiu cedo demais.

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