Por Fabrício Araújo, G1 RR — Boa Vista


Luiz Gabriel é o único aluno trans com nome social na UERR — Foto: Fabrício Araújo

O ano é 2020 e pela primeira vez na história da Universidade Estadual de Roraima (UERR) um aluno transgênero usa nome social. Estudante do curso de direito, Luiz Gabriel Gomes, de 19 anos, tem uma caminhada curta, mas cheia de certezas e não hesita em ocupar espaços.

"Eu penso que é preciso se informar sobre os direitos que temos e depois é preciso ter coragem para sair da zona de conforto porque não é assunto fácil, acaba confundindo e as outras pessoas têm dificuldades para lidar", diz Luiz Gabriel para outras pessoas trans que almejam ingressar no ensino superior.

Acolhido pela turma de direito com cerca de 30 alunos, Luiz Gabriel se define como um "sujeito de sorte". Ele contou aos outros colegas sobre sua identidade de gênero porque nos primeiros dias de aula houve um problema com o nome que constava em parte das listas de chamada.

Todos os professores corrigiram o nome de Luiz Gabriel após serem avisados e os colegas trataram a situação com naturalidade. Segundo ele, houve apenas uma vez em que um aluno o desrespeitou propositalmente pelo gênero, mas logo foi repreendido pelo restante da turma.

Levantamento feito pelo G1 aponta que há 10 estudantes que usam nome social nas quatro maiores instituições do estado. O número não abrange uma faculdade privada que não respondeu à reportagem.

Desde 2018, existe uma regra nacional para usos de nome social na Educação. Todas as instituições consultadas disseram que nenhum professor ou servidor fez pedido para uso do nome social.

Por ser o primeiro a fazer o pedido na UERR, Luiz Gabriel relata que houve confusão para que os funcionários entendessem o que ele queria. Foi mandado de um setor para outro, até que o processo chegou a reitoria e finalmente fosse atendido.

"É complicado, não é uma maravilha, mas as pessoas precisam entender o processo e se arriscar um pouco. Não só nas escolas e universidades, mas, também, em outros setores, como no SUS que permite o uso do nome social, mas muitos nem sabem disso", disse o estudante de direito.

Criada em novembro de 2005, a UERR teve que parar as atividades pela primeira vez neste ano. Houve apenas duas semanas de aulas presenciais. O ensino foi interrompido em razão da pandemia de coronavírus. Desde julho, a universidade adotou o regime remoto para dar continuidade ao ano letivo.

Luiz Gabriel Gomes, estudante de direito e primeiro aluno trans a usar nome social na UERR — Foto: Fabrício Araújo/G1RR

Trans são as pessoas que não se identificam com o papel de gênero socialmente atribuído a partir do sexo biológico. Um homem transgênero é alguém que nasceu com uma vagina, mas se identifica com a identidade masculina.

Luiz Gabriel contou que desde criança a mãe lhe deu liberdade para se vestir como desejava, mas o a transição só iniciou aos 16 anos quando se mudou da Bahia para Roraima.No ensino médio, mesmo sem fazer um pedido formal, os colegas e professores usavam o nome social para se referir à ele no ambiente escolar.

"Hoje tenho uma compreensão mais abrangente sobre gênero, mas quando eu era uma criança, acabava associando tudo à expressão de gênero, dividindo tudo entre o que era de menino e de menina. Sempre me identifiquei mais com as coisas que via como de menino", explicou.

Banheiros

Mesmo com toda a segurança sobre o direito de ocupar uma cadeira em uma universidade e em outros espaços sociais, os banheiros são locais que Luiz Gabriel evita. Ele conta que não gosta porque sente que "banheiros são muito íntimos".

"Eu evito porque não gosto de banheiro, acho muito pessoal e porque tenho uma 'passabilidade' muito grande, mas sempre tenho medo de alguém descobrir. Evito porque pode ser muito perigoso ou humilhante, já vi casos de pessoas trans retiradas de banheiros", disse.

Passabilidade é o termo usado para definir pessoas da comunidade LGBTI (lésbicas, gays, bissxuais, travestis, transexuais e intersexuais) que são "discretas" e se passam por héteros e cisgêneros facilmente em espaços que não são conhecidos.

A socióloga e mestra em teoria de gênero Andréa Vasconcelas explica que o debate em torno dos banheiros se intensificou em 2015, quando uma falsa narrativa de "teoria de gênero" passou a ser difundida por setores conservadores ligados às igrejas.

"Criaram um pânico em torno disto e difundiram esta narrativa, principalmente em torno das escolas com uma divisão de crianças ou possível criação de um terceiro banheiro, mas isto é uma distorção porque as pessoas entram no banheiro e podem usar o espaço privativo", explicou Andréa.

Mais instituições, mais casos

Instituto Federal de Roraima (IFRR) — Foto: G1/Arquivo

Entre universidades públicas e privadas, há dez alunos que usam nome social em Roraima. Sendo, um na UERR, três na Universidade Federal de Roraima (UFRR) e um na Estácio Atual.

No Instituto Federal de Roraima (IFRR), há cinco alunos com nome social. A faculdade Cathedral também foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até a publicação desta matéria.

Conforme o advogado André Montenegro, o direito ao uso do nome social é amparado em várias esferas, inclusive no âmbito estadual que possui lei própria.

Desta forma, nenhuma instituição pode se negar a garantir o direito, mas, conforme Montenegro, podem haver resistências de professores, alunos e outros servidores para acolher transgêneros nas instituições de ensino.

"Se essas discriminações ocorrerem, a pessoa precisa acionar a Justiça. Em caso de professor, a própria instituição pode ser punida e definir como vai lidar com o docente que foi transfóbico", disse Montenegro.

Alunos com nome social
Fonte: UERR/UFRR/IFRR/Estácio

Como pedir o uso do nome social?

Na UERR, os pedidos não são regidos por nenhuma lei ou resolução específica. Os alunos apresentam os documentos pessoais com a ficha de solicitação ao setor de Registro Acadêmico.

Então, um conselho avalia o pedido. Após ser concedido o uso, o nome social passa a constar no sistema da universidade, nas listas de chamada e, inclusive, no diploma de conclusão do curso.

Atualmente, a UFRR se baseia pelo decreto nº 8.727 de 2016, que dispõe sobre o uso de nome social nas instituições federais. Mas, antes da medida, a universidade tinha resolução própria desde 2015.

"O requerimento não é burocrático, basta que a pessoa interessada apresente documento com foto que conste o nome social à Pró-reitoria de Assuntos Estudantis e Extensão (Prae) ou na Pró-reitoria de Ensino e Graduação (Proeg) ou no Departamento de Registro e Controle Acadêmico (Derca)", explicou a UFRR em nota.

Segundo a própria instituição, não existe possibilidade do pedido ser negado porque seria ferida a dignidade da pessoa humana, assegurada pela Constituição Federal de 1988.

A Estácio Atual passou a aceitar os pedidos a partir de 2016, após a regulamentação do MEC em unidades federais. Basta o aluno procurar a secretaria da instituição, que assegura que não existe a possibilidade do pedido ser negado.

O IFRR assegura o uso do nome social desde 2018 com base na Resolução 395 de seu Conselho Superior. Desde então, cinco alunos já formalizaram pedidos na instituição. O setor de Registro Acadêmico é o responsável pela mudança.

"O solicitante precisa preencher um requerimento com as informações necessárias e anexar a cópia dos documentos solicitados, como o RG, e, em casos judicializados, a cópia da decisão judicial", explicou o IFRR em nota.

No instituto, o pedido pode ser negado para alunos menores de 18 anos. Nestes casos, é preciso que o representante legal assine o documento ou que seja apresentada uma decisão judicial.

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