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Patrícia Rezende

É positivo o decreto do governo que possibilita separar alunos com deficiência em escolas especiais? SIM

Falta de classes específicas marcou evasão escolar da comunidade surda

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Patrícia Rezende

Doutora em Educação pela UFSC, é professora associada do curso de pedagogia no Instituto Nacional de Educação de Surdos e ativista surda pelas Escolas Bilíngues de Surdos; autora de ‘Implante Coclear: normalização e resistência surda’ (ed. CRV)

Qual o lugar de fala de quem responde “sim” à questão proposta? Sou professora, doutora em educação, uma das lideranças surdas de uma minoria linguística de nosso país. Um resgate histórico do que os surdos vivenciaram ao longo da última década explica o nosso “sim”.

Na realização da Conae 2010 (Conferência Nacional de Educação), os seis delegados surdos, em um universo de mais de 3.000 delegados ouvintes, foram vaiados e tachados de segregadores quando apresentaram a proposta para que as escolas bilíngues de surdos fossem mantidas.

Patrícia Rezende - Doutora em Educação pela UFSC, é professora associada do curso de pedagogia no Instituto Nacional de Educação de Surdos e ativista surda pelas Escolas Bilíngues de Surdos; autora de ‘Implante Coclear: normalização e resistência surda’ (ed. CRV)
A professora e ativista Patrícia Rezende em audiência pública no Senado contra a ameaça do fechamento do Ines (Instituto Nacional de Educação de Surdos), em maio de 2011 - Divulgação

Esse não foi um episódio isolado. Sentimos o impacto das decisões unilaterais dos então dirigentes do MEC quando ameaçaram fechar o Ines (Instituto Nacional de Educação de Surdos), em 2011. Só não foi fechado porque o movimento surdo, no mesmo ano, marchou para Brasília em manifestação histórica. No Conade (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência), protestamos contra a ameaça de fechamento do Ines e de várias escolas de surdos pelo Brasil afora.

Durante a tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE), a comunidade surda pediu o apoio a diversos parlamentares para a inclusão de escolas e classes bilíngues de surdos no PNE. Sofremos boicotes e lobbies por parte dos inclusivistas e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC).

Participamos de várias audiências públicas sobre o PNE. Paralelamente, em todos os estados e no DF, entregamos ao Ministério Público Federal uma carta-denúncia contra a então Secadi por ter promovido uma evasão escolar recorde dos alunos surdos, com fechamento de escolas e classes específicas, conforme demonstrado nos dados do censo escolar do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), de 2006 a 2010, fato ratificado pelo próprio Inep na redação do Enem, em 2017.

Por que a evasão escolar? Os alunos, ao se depararem com o fechamento de escolas e classes específicas, impostos pela política de educação inclusiva vigente, não se adaptaram à nova realidade, onde as aulas não são ministradas na língua de sinais.

O decreto nº 10.502 contempla nosso anseio por escolas e classes bilíngues de surdos, cuja língua de comunicação, instrução, ensino e interação é a Libras (L1, da maioria dos surdos), e o português escrito (L2, dos surdos) é a língua dos materiais instrucionais. Estes são os melhores espaços acadêmicos para o aprendizado real. Promovem a formação da identidade linguística da comunidade surda, conforme emana a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência.

Se a convenção nos garante o direito a uma educação condizente com nossa identidade linguística, por que esses espaços de aquisição linguística e convivência mútua entre os pares sinalizantes da língua de sinais têm sido rotulados de segregação?

Os candidatos surdos, ao longo de vários anos de edição do Enem, reivindicaram a tradução das provas do certame em Libras, mas o Inep negou, por anos. Por isso, a Feneis (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos) entrou com ação judicial em 2014. Fomos vitoriosos. A partir de 2017, as provas do Enem passaram a ser traduzidas em Libras para os candidatos surdos.

Os surdos foram bem-sucedidos na realização das videoprovas do Enem em Libras, em 2017? Não! O problema não está na Libras, está no parco conhecimento adquirido pelos surdos, ao longo de uma educação escolar oferecida sob a imposição da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), que desrespeitou nossos direitos linguísticos e prejudicou a aprendizagem e desenvolvimento escolar dos surdos. É hora de mudar e fazer valer nossos direitos linguísticos e educacionais.

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