E agora, Brasil?
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Por Cássia Almeida, Rafael Vazquez e Sergio Tauhata — Rio e São Paulo


Praça dos Três Poderes, em Brasília — Foto: Pablo Jacob
Praça dos Três Poderes, em Brasília — Foto: Pablo Jacob

O questionamento das bases da democracia, o embate entre Poderes e a desorganização institucional prejudicam desde a atração de investimentos ao combate à inflação no Brasil. A visão sobre como a instabilidade política afeta o cenário nacional em várias dimensões foi partilhada pelo ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e pelo ex-ministro da Fazenda Pedro Malan no “E agora, Brasil?”.

— As bases da nossa democracia estão sendo questionadas. Se vocês olharem as pesquisas de confiança no sistema de urnas eletrônicas, vão ver números preocupantes. Existe uma campanha nessa linha de desmoralizar esse sistema, mesmo que ele tenha se mostrado blindado. Isso representa um ataque frontal ao TSE e ao Supremo (Tribunal Federal) e tem implicações econômicas da maior importância — disse Arminio.

Já no diagnóstico do ex-ministro, desorganização institucional prejudica a economia. Malan defendeu um ambiente político mais estável que contribua para a economia. Arminio expressou temor pelo momento atual.

— Estou com bastante receio do que vem por aí, bastante mesmo — disse o sócio da Gávea Investimentos, em referência à possibilidade de um crescimento do populismo e de soluções “mágicas” para resolver problemas estruturais. — Tenho medo de políticas econômicas amalucadas.

Falta ‘paz’ para economia

O economista explicou haver uma relação direta entre instabilidade política e como se formam a confiança e expectativas de agentes econômicos:

— Passa a sensação de que nós não temos uma certa paz para alongar os horizontes e fazer com que as pessoas apostem no futuro. Isso parece distante da economia, mas, na verdade, não é. E isso se combina, de uma forma perversa, com uma dificuldade que nós, enquanto nação, temos para aprender.

Nesse sentido, Arminio reforçou que “um discurso populista e voluntarista tem grande apelo”.

O ex-presidente do BC usou uma comparação inusitada para ilustrar como a visão política acaba por enxergar as propostas econômicas mais como ferramenta de ganhar votos.

— O mundo político parece ver os economistas como um cardápio de restaurante. Se a gente está oferecendo uma salada com bom azeite, um peixinho grelhado ou uma feijoada com goiabada na sobremesa, que parece muito melhor.

Editoria de Arte — Foto: O GLOBO
Editoria de Arte — Foto: O GLOBO

Malan ressaltou a importância da estabilidade política para lidar com a inflação e principalmente para retomar o crescimento econômico:

— É importante a existência de uma relação funcional dentro do Executivo e na capacidade de articulação com o Congresso para conseguir avançar e tentar resolver nossas enormes mazelas sociais.

Editoria de arte — Foto: O Globo
Editoria de arte — Foto: O Globo

Conforme o ex-ministro da Fazenda, um dos problemas dentro da estrutura política brasileira vem do excesso de partidos políticos.

— O Brasil é um presidencialismo com um dos parlamentos mais fragmentados do mundo. Das quatro ou cinco eleições no mundo de 1919 a 2015 com maior fragmentação, quatro delas foram no Brasil — afirmou o ex-ministro, que citou estudos do cientista político Jairo Nicolau.

Malan lembrou ainda que o atual governo, para poder criar, tardiamente, uma base de sustentação no Congresso, teve de fazer muitas concessões.

— Hoje, o chamado Centrão tem enorme poder no Brasil, de definição de políticas e de alocação de prioridades no Orçamento.

Consumidora diante das prateleiras de um supermercado em São Paulo: alimentos subiram mais que a inflação nos últimos 12 meses — Foto: Maria Isabel Oliveira
Consumidora diante das prateleiras de um supermercado em São Paulo: alimentos subiram mais que a inflação nos últimos 12 meses — Foto: Maria Isabel Oliveira

Outro ponto comentado pelos economistas foi o choque entre Poderes da República. Arminio afirmou que “é natural” alguma tensão entre Executivo, Legislativo e Judiciário e citou o modelo americano de pesos e contrapesos, mas defendeu a estabilidade institucional como fundamental.

— Quando o sistema fica estressado e cada um procura assumir a responsabilidade por tudo, isso cria tensões crescentes inclusive no que diz respeito à própria democracia — disse. — Hoje há uma tensão imensa. Temos no Legislativo a formalização de uma política de varejo onde as contas normalmente não fecham e onde não há grandes prioridades.

Arminio avaliou que o Executivo atualmente é guiado por uma agenda pouco coerente quanto a prioridades:

— Os estresses vão desde a facilidade extrema de se comprar armamentos até o que está acontecendo com o meio ambiente, passando pela não reforma tributária e outras não reformas. Tudo isso nos cobra um preço. Essa situação não é sustentável e é uma ameaça adicional ao nosso futuro.

Malan observa que uma coisa é ganhar a eleição, outra é governar. Ele afirmou que o país tem bons quadros técnicos que podem ser recrutados para o governo e concordou com Arminio que há uma série de reformas que precisarão ser feitas no próximo governo:

— Precisamos de uma discussão séria sobre prioridades e reformas de médio prazo. Melhorar o debate.

Mais jovens na política

Apesar do tom pessimista das avaliações sobre o momento da política, Arminio deixou uma sinalização de que a crise pode desencadear mudanças:

— O que me dá alguma esperança é que tem mais gente jovem entrando na política. Do lado da economia, as coisas estão tão mal. Tem tanta coisa que dá para melhorar que acho que, para um governo arrumado, bem tripulado e que tenha clareza nos objetivos e capacidade de execução, o espaço para melhorar é muito grande. Isso pode soar sarcástico e (talvez) até seja, mas não deixa de ser uma oportunidade.

Políticas sociais e até o meio ambiente fazem diferença

O Brasil vai precisar ir muito além do ajuste das contas públicas para se manter nos trilhos da estabilidade e do crescimento econômico. Na equação para promover aumento de produtividade no longo prazo entram agendas de investimentos em educação, na redução da desigualdade social e na preservação ambiental. Essa foi uma das conclusões do debate entre Arminio Fraga e Pedro Malan no “E agora, Brasil?”.

'E agora, Brasil' debate inflação — Foto: Agência O Globo
'E agora, Brasil' debate inflação — Foto: Agência O Globo

O ex-ministro da Fazenda enunciou que “a essência da arte de governar é saber fazer escolhas” e listou prioridades que precisarão ser assumidas pelo governo.

— Há muitos passos que podem ser dados. Já temos evidências suficientes acumuladas, por exemplo, da importância de investimento em crianças nos anos iniciais, na primeira infância.

Para Arminio, o meio ambiente é um fator que não pode ser desconsiderado numa trajetória de crescimento econômico. Pode afetar, por exemplo, a oferta de alimentos, um dos principais componentes da atual escalada da inflação.

— Eu não creio que as pessoas entendam que o que acontece na Amazônia nos afeta aqui embaixo. Mas é fato que, se a destruição da Amazônia continuar, todo esse grande sucesso que é a agricultura brasileira vai ficar extremamente prejudicado. Vai faltar água — alertou. — Como é que você introduz isso numa discussão com o eleitorado? Não sei qual é a resposta, mas isso precisa acontecer.

Para Malan, o país não está mostrando a capacidade necessária de formulação de políticas públicas:

—Essas preocupações de cultivar a militância nas redes sociais afetaram a capacidade do governo de fazer políticas públicas dignas desse nome na saúde, na educação e no meio ambiente.

Faltam prioridades

Para o ex-ministro da Fazenda, a questão mais importante não é necessariamente a redução de gastos públicos, mas uma decisão mais criteriosa sobre onde aplicar os recursos, com decisões que poderão definir “o que seremos ou o que não seremos como sociedade no futuro”.

—A agenda não é de redução de gastos. É uma agenda de discussão sobre prioridades — afirmou. — Mesmo o teto de gastos não era uma redução, mas a tentativa de fazer com que a velocidade de expansão do gasto público não fosse tão acima do crescimento e da inflação.

Malan classificou como legítimas as demandas sociais para enfrentar a flagrante desigualdade, mas reconheceu que nem todas poderão ser atendidas em pouco tempo.

No entanto, defendeu que “é preciso construir um caminho crível e muitos passos iniciais podem ser dados”. Na visão do economista, “toda sociedade tem tendência de produzir hierarquias e desigualdades, mas a política pública tem de tentar fazer com que o hiato não aumente ao longo do tempo”.

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