Do SXSW EDU para o Brasil: 5 aspectos fundamentais para transformar a educação - PORVIR
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Inovações em Educação

Do SXSW EDU para o Brasil: 5 aspectos fundamentais para transformar a educação

Depois de acompanhar o evento em Austin (EUA), professor e consultor educacional compartilha reflexões para inspirar educadores brasileiros

por George R. Stein ilustração relógio 14 de março de 2019

Como participante e mentor do SXSW EDU 2019, que aconteceu na última semana, entre 4 e 7 de março, tive quatro dias intensos de compartilhamento, reflexão e aprendizagem em Austin, nos Estados Unidos. Mais do que uma coletânea de novos conteúdos, referências, conversas e relacionamentos, percebo que o real valor do evento está na forma como cada participante pode consolidar sua experiência com propósito e significado para impactar positivamente sua própria realidade educacional.

Com a proposta de promover a inovação em aprendizagem por meio de uma comunidade de profissionais que olham para o futuro da educação, o evento já está na nona edição. Na prática, foram mais de 4.200 participantes e 650 sessões, muitas delas simultâneas, que vão desde atividades individuais de mentoria, até palestras para mil pessoas, passando por workshops, atividades de networking e debates. O Brasil foi o terceiro país com mais participantes: tivemos 58 inscritos e três apresentações na programação oficial (confira detalhes no final do artigo). Além das sessões, o evento trouxe uma mostra com mais de 150 expositores de aplicativos, serviços e instituições de ensino.

Antes de continuar a leitura, vale um alerta: trago uma visão influenciada pela minha experiência como professor e consultor. Pelos eventos, experiências, conteúdos e conversas que tive por lá, cheguei a uma conclusão: se realmente queremos transformar nossa prática educativa, devemos ir ao encontro dos estudantes e dos professores.

Uma das razões pelas quais novas metodologias e abordagens não se consolidam na prática escolar é o fato de continuarmos educando crianças e jovens sem saber quem eles realmente são, quais são suas realidades, motivações e personalidades. E se isso vale para os estudantes, vale ainda mais para os professores, que são os principais agentes de transformações dentro da escola.

Uma das razões pelas quais novas metodologias e abordagens não se consolidam na prática escolar é o fato de continuarmos educando crianças e jovens sem saber quem eles realmente são

Não devemos simplesmente atender demandas de estudantes e professores, mas dialogar sobre como integrá-las a uma proposta pedagógica. Isso não quer dizer, em hipótese alguma, que devemos atendê-las cegamente, mas é preciso considerar que as melhores práticas e abordagens só serão efetivas se dialogarem com a realidade de professores e estudantes.

Dito isso, optei por consolidar e compartilhar minha experiência no SXSW EDU 2019 para que professores brasileiros consigam identificar e refletir sobre onde estão. Não trago casos pontuais e referências de destaque específicas de organizações, abordagens, práticas, produtos ou serviços para escolas e educadores. Mas, sim, cinco aspectos fundamentais para serem considerados e analisados em toda e qualquer transformação na educação. Eles estão apresentados de modo a estabelecer uma conexão, explicitando a interdependência entre os mesmos. Confira:

1) Tecnologia
Temos a tendência de pensar em tecnologia como exclusivamente ligada à informação e comunicação, baseada em dispositivos digitais. Porém, a tecnologia na educação existe desde que a humanidade começou a transferir conhecimento de uma geração para outra, usando instrumentos tão simples quanto pedras para desenhar. Mas, como era de se esperar, muitos fornecedores e sessões do evento apresentaram inovações como o uso de inteligência artificial na escola, até possíveis aplicações educativas de Blockchain, passando por aplicativos para escolas e comunidades, entre outros.

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Plataformas Adaptativas

O desafio complexo de reduzir a distância entre as mais modernas aplicações e a realidade escolar passa necessidade de considerar as aplicações e usos que os estudantes já têm acesso, além de pensar como a escola consegue incorporá-los de maneira coerente e significativa em uma proposta pedagógica que tenha os professores como protagonistas.

O desafio complexo de reduzir a distância entre as mais modernas aplicações e a realidade escolar passa necessidade de considerar as aplicações e usos que os estudantes já têm acesso

Uma das palestras do SXSW EDU que explicita os desafios de implementação de novas tecnologias na educação básica e a tensão de se considerar a realidade dos professores é do ex-governador da Flórida, Jeb Bush, que defende a adoção de um sistema de progressão baseado em competências, e não em anos/séries. Nesse caso, a tecnologia dá suporte para estudantes avançarem de acordo com sua proficiência nos objetivos de aprendizagem, e não de acordo com classes estruturadas em anos. (confira a apresentação, em inglês).

É tentador, ao se deparar com robôs, aplicativos, plataformas e tantos outros recursos incríveis, ter um impulso de querer incorporar novas tecnologias na realidade da escola. Mas, para isso, é necessário considerar os próximos aspectos deste artigo.

2) Impacto Social
O poder das tecnologias de informação e comunicação de conectar, aproximar e possibilitar a criação e o compartilhamento de conhecimento tem muito valor para a educação. Porém, como já trazia Paulo Freire, se a educação deve combater a alienação e desenvolver as potencialidades humanas para exercer responsabilidade em relação às demandas sociais, a educação e as tecnologias devem ser colocadas a serviço da transformação social.

O evento trouxe essa demanda pela ótica das minorias, dos desafios de comunidades, de questões éticas e desafios globais. Vale ressaltar que o termo “social” também faz referência aos desafios usualmente relacionados ao meio ambiente (mudanças climáticas, lixo, falta de água, etc).

Começando por assuntos que passam pela realidade da sala de aula, da escola e da comunidade, até desafios da vizinhança e questões globais, a melhor maneira de dar significado para a aprendizagem é oferecê-la como uma potencial solução para os problemas reais do universo cotidiano dos estudantes.

A melhor maneira de dar significado para a aprendizagem é oferecê-la como uma potencial solução para os problemas reais do universo cotidiano dos estudantes

É interessante notar que as 10 competências gerais da Base Nacional Comum Curricular, que devem ser desenvolvidas ao longo da educação básica, incluem algumas que estão diretamente ligadas ao impacto social de demandas comunitárias: empatia e cooperação, bem como responsabilidade e cidadania.

A sessão “Criando, debatendo e #HipHopEducando”, apresentada pela ONG #HipHopEd, trouxe de maneira impactante essa questão. Outro exemplo de destaque foi a palestra “Transformando desafios em oportunidades: o jeito Ashesi”, apresentada por Patrick Awuah Jr., fundador e presidente da Ashesi University de Ghana, que abriu uma universidade para formar a geração de líderes que a África precisa para realizar todo seu potencial de desenvolvimento (confira o áudio, em inglês).

3) Personalização da Aprendizagem
O desafio de atendimento às demandas sociais só terá sentido para o estudante se estiver conectado ao seu contexto. O simples fato de incluir no projeto pedagógico alguns temas, projetos ou unidades de investigação vinculados aos desafios sociais não garante uma conexão significativa com a aprendizagem do estudante.

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No SXSW EDU ocorreu um ótimo diálogo sobre casos que combinaram personalização da aprendizagem com impacto social: “Aprendizagem Personalizada com foco na Equidade”, mediada pela Chan Zuckerberg Initiative (em Inglês).

É necessário prover oportunidades para que os estudantes tragam sua curiosidade, suas questões e sua realidade de casa e da vida social para dentro da sala de aula. Ouvir a “voz” do aluno significa se conectar com a sua realidade fora da escola, além de considerar habilidades, sonhos e dificuldades com os objetivos de aprendizagem previstos. Nesse aspecto, observa-se também algumas das 10 competências gerais da Base Nacional Comum Curricular, que devem ser desenvolvidas ao longo da Educação Básica: repertório cultural, trabalho e projeto de vida e autoconhecimento e autocuidado.

4) Educação Integral
Considerar a educação a serviço da transformação social é impossível se o foco for desenvolver apenas habilidades acadêmicas. A própria definição de sucesso acadêmico foi trazida de maneira ampliada no SXSW EDU 2019, onde se frisou a necessidade de desenvolver os estudantes de forma integral.

A personalização da aprendizagem, por sua vez, só pode ser legitimamente praticada se os estudantes forem considerados nas suas dimensões intelectual, física, emocional, social e cultural. O assunto não é novo, e alguns dos ótimos exemplos que já temos no Brasil podem ser vistos aqui.

Na apresentação “Traduzindo a pesquisa na prática” (em inglês), um dos destaques desse aspecto foi a integração de tecnologia, personalização de ensino e uma abordagem científica para estimular o desenvolvimento integral. Outro destaque foi o caso brasileiro trazido pelo Instituto Península: “Uma abordagem integral para formação de professores”.

5) Propósito
Crianças e jovens passam a maior parte da sua vida em idade escolar em contato com a escola e com professores. A oportunidade que todo(a) e qualquer professor(a) tem de influenciar positivamente o desenvolvimento de quem passa pelas suas aulas é enorme. Dada essa realidade, o propósito de atuação dos profissionais da educação, e principalmente dos professores, é um aspecto crítico para os esforços de transformação da educação.

O papel dos professores é muito maior do que propiciar o desenvolvimento nos respectivos objetivos de aprendizagem das suas aulas. Os quatro aspectos apresentados anteriormente só podem ser viabilizados por meio deles. Felizmente, eles têm a oportunidade e o potencial de realizar um dos maiores desafios da educação: a conexão entre os desafios sociais que cercam a comunidade escolar e a realidade de cada estudante e os objetivos de aprendizagem a serem atingidos.

O papel dos professores é muito maior do que propiciar o desenvolvimento nos respectivos objetivos de aprendizagem das suas aulas

O SXSW EDU reforçou que a concretização do potencial de cada professor está intimamente relacionada ao seu propósito de atuação profissional. A energia, a motivação, a resiliência perante os fracassos (que ocorrem, certamente), a consciência e transparência para aprender com os erros e o impulso para romper os hábitos e assumir o protagonismo da sua própria transformação dependem muito da resposta a uma pergunta: qual meu propósito pessoal para ser professor.

Imagine a diferença entre esses dois professores de matemática (hipotéticos, mas criados com base em casos reais de conversas com pessoas no SXSW EDU) e seus respectivos propósitos:

Professor A – Propósito: Ensinar da melhor maneira os respectivos conteúdos de matemática (por exemplo), para os estudantes do sétimo ano.

Professor B – Propósito: Propiciar experiências e interações para que os estudantes desenvolvam habilidades específicas para perceber e conectar a realidade deles, bem como resolver problemas usuais com a matemática. Além disso, despertar a confiança e a curiosidade para que se desenvolvam continuamente na aprendizagem para serem capazes de aplicar a matemática em desafios maiores no futuro.

Esses dois professores surgiram da interação com três educadores(as), que também eram acadêmicos(as) e consultores(as). Nessas conversas, estavam reunidas experiências, hipóteses, resultados, erros e conhecimento de mais de 60 anos de projetos e aulas nos Estados Unidos e no Brasil.

A essência das conversas foi a convicção de que o sucesso das transformações na educação depende do propósito de atuação dos professores e gestores envolvidos. A transformação efetiva será possível naquelas classes, escolas, municípios em que os profissionais da educação estão a serviço da melhoria do desenvolvimento integral de seres humanos para transformarem suas próprias vidas e a sociedade. Um pouco disso apareceu na palestra: “Desenvolva sua paixão para descobrir o seu propósito”.

Reflexões para os próximos passos
O objetivo desse artigo, e especificamente dessa sessão final, é explicitar uma sugestão de próximos passos para que professores possam iniciar ou continuar a sua própria jornada. A transformação da prática educativa pode ocorrer em vários níveis, e não se pode desconsiderar que professores atuam em instituições de ensino que já possuem um projeto político pedagógico definido, bem como processos e abordagens metodológicas que envolvem os aspectos citados acima.

Muitas vezes a atividade docente é solitária, mas ela não precisa ser! Se tiver algum(a) colega de trabalho que leu esse artigo e gostou da ideia, conversem sobre essas reflexões e procurem criar algo coletivamente. As criações, os diálogos, os “tropeços”, as aprendizagens e as comemorações serão mais significativas e divertidas!

Aqui vão algumas sugestões de questionamentos para orientar sua jornada, mas não se prenda a essas reflexões. Continue e enriqueça seus questionamentos, dialogue com a instituição em que você atua e aproveite a ampla disponibilidade de recursos gratuitos online, inclusive aqui no Porvir, para ampliar seu impacto.

Tecnologia

– Quais dispositivos, aplicativos, softwares você usa fora das aulas?
– Quais dispositivos, aplicativos, softwares seus estudantes usam fora das aulas?
– Como você pode combinar recursos gratuitos tecnológicos disponíveis para uma abordagem mais integral e social do conteúdo nas suas aulas?

Impacto Social

– Quais desafios sociais você percebe no dia a dia?
– Quais desafios sociais seus estudantes percebem?
– Como você pode relacionar os desafios sociais com seus objetivos de aprendizagem?

Personalização da Aprendizagem

– Você tem atividades planejadas para conhecer melhor a realidade, as motivações e/ou a personalidade dos estudantes?
– O que seria algo simples e importante saber sobre cada um dos seus estudantes? Como você poderia fazer?
– Você oferece alguma atividade onde existem alternativas de como fazer e os estudantes são responsáveis pela escolha?

Educação Integral

– Você percebe o benefício de ter uma abordagem de educação integral mais ampla nas suas aulas?
– Quais das dimensões (física, social, emocional e cultural), além da intelectual você vê possibilidade de incorporar?
– Existem outros professores que podem estar mais familiarizados com essa abordagem para te ajudar?

Propósito

– Qual seu propósito pessoal para ser professor?
– Como isso tem se refletido na sua prática?
– Os outros quatro aspectos citados podem ser direcionados de maneira distinta para melhorar o alinhamento entre sua prática e seu propósito?

E a escola em que você atua?

– A escola em que você atua tem um Projeto Político Pedagógico (PPP) alinhado com seu propósito?
– Você já dialogou com a escola sobre o alinhamento do seu propósito e o PPP?
– A escola tem ações e abordagens nos outros aspectos que você poderia se envolver mais?
– Quem seria uma pessoa indicada na escola para você iniciar uma conversa nesse sentido?
– Como a escola considera a educação integral? Como você pode contribuir?
– Existem abordagens e formações que tratam da personalização do ensino?
– Quais desafios sociais são tratados no currículo? Como?
– Qual a situação atual e o planejamento de incorporação de recursos tecnológicos para a aprendizagem?

 

Apresentações de brasileiros no SXSW EDU 2019
Os participantes brasileiros que marcaram presença na programação do evento foram selecionados por meio de um processo de duas etapas: uma votação popular online e uma seleção por um comitê curador do evento. Confira:

1) Uma abordagem integral para formação de professores. Apresentada por Daniela Kimi, Heloísa Morel, Mariana Breim.

2) Fazendo a educação pública prosperar em áreas vulneráveis. Apresentada por Cleuza Repulho, Felipe Menhem, Pilar Lacerda.

3) Diferenciação Didática e Formação Docente baseada em Personalidade – Mentoria para profissionais e acadêmicos interessados no tema. Apresentada por George R. Stein.


TAGS

competências para o século 21, educação integral, formação continuada, personalização, tecnologia, uso do território

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