Do Ceará para o Brasil

Êxito cearense é trunfo do ministro Camilo Santana, mas há riscos na tentativa de nacionalizar o modelo para todos os Estados


Desde que foi anunciado no MEC, o melhor cartão de visita de Camilo Santana foi a exitosa experiência – para padrões nacionais – do Ceará no ensino fundamental. Em entrevista publicada há dois domingos na Veja, a repórter Mônica Weinberg perguntou a ele qual seria o plano para fazer o modelo “ser reproduzido na dimensão e complexidade do território brasileiro”. Sua resposta foi: “Vou pregar em prol dele em todos os estados, mostrando evidências científicas do que funcionou (...). Quero firmar pactos com os 27 governadores. Minha ideia é que os que fizerem bem a lição de casa, cumprindo metas, vão receber mais.” Em outro trecho, após ser lembrado que a gestão Dilma já havia tentado sem sucesso implantar um programa de alfabetização inspirado no Ceará, ele argumentou que faltou “estabelecer um pacto com estados e municípios” e “prover estímulos, inclusive financeiros, àqueles que alcançam as metas”.

O ministro é um político reconhecido por sua capacidade de articulação e diálogo, mas talvez esteja expressando uma visão demasiada otimista do imenso desafio que é promover mudanças em larga escala num país tão vasto e desigual. Sem falar no risco de a defesa convicta de um modelo soar como imposição a outros atores relevantes do sistema.

No Ceará, políticas de recompensa por desempenho – citadas duas vezes na entrevista – são utilizadas como incentivo tanto a municípios quanto a professores. Sobre isso, já citei aqui um artigo publicado em 2021 na revista científica da Associação Americana de Pesquisa Educacional, em que os autores (Lam D. Pham, Tuan Nguyen e Matthew Springer) realizaram meta-análise de 37 estudos. Esse tipo de abordagem tem o benefício de compilar evidências de um conjunto amplo de pesquisas, evitando limitar a conclusão apenas a um ou poucos estudos pinçados muitas vezes para confirmar tese prévias. Os pesquisadores encontraram em geral efeitos positivos na política, mas, como o Diabo mora nos detalhes, há uma série de ponderações sobre sua eficácia generalizada: esses resultados eram restritos ao fundamental, a redes que conciliaram a ação com estratégias de formação e desenvolvimento profissional, e os ganhos iniciais foram com o tempo perdendo fôlego.

O modelo cearense não se limita a políticas de incentivo financeiro, mas o ponto aqui é alertar para o equívoco de acreditar que resultados semelhantes serão obtidos com a mesma estratégia uniforme em larga escala, e em diferentes contextos. Também não se trata de desmerecer seus méritos. O principal indicador usado para justificar o sucesso do estado são os resultados do Ideb, o que leva inclusive uma parcela do setor educacional a criticar a ênfase dada às avaliações de aprendizagem. Mas há avanços também em outras dimensões, como as taxas de conclusão do fundamental aos 16 anos (91%, atrás apenas de SP e MT) ou do médio aos 19 (73%, inferior somente a SP, DF, SC e GO). Eles são ainda insuficientes, mas não deixam de ser notáveis para uma UF que não está entre as mais ricas da federação.

Cabe, por fim, a constatação positiva de que voltamos a focar o debate público nos temas relevantes. Há exatos quatro anos, na mesma revista, a entrevista do primeiro ministro da pasta no governo Bolsonaro repercutia por declarações como a de que “o brasileiro viajando é um canibal” e por um absurdo crédito dado a Cazuza de uma frase (“liberdade é passar a mão na bunda do guarda”) que era slogan do grupo humorístico Casseta e Planeta. A comparação favorável com o passado recente, porém, não deve ofuscar o necessário debate sobre riscos embutidos nas novas políticas, por melhores que sejam as intenções de seus formuladores.

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