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Ativista de 15 anos lamenta fala de ministro da Educação contra inclusão de pessoas com deficiência: 'Precisamos de acolhimento e empatia'

Laissa Guerreira tem Atrofia Muscular Espinhal e conta já ter sofrido preconceito de alunos e professores; pesquisa do IBGE apontou abismo entre pessoas com deficiência e restante da população
Bailarina e jogadora de bocha que sonha com a Paralimpíada, Laissa Guerreira diz que sofreu com preconceito de colegas e profissionais de educação Foto: Divulgação
Bailarina e jogadora de bocha que sonha com a Paralimpíada, Laissa Guerreira diz que sofreu com preconceito de colegas e profissionais de educação Foto: Divulgação

Hoje bailarina, atleta de bocha — com pretensão de ir à próxima Paralimpíada — e ativista, embaixadora da Amigos da Atrofia Muscular Espinhal (AAME-Brasil), Laissa Silva, ou melhor, Laissa Guerreira, como é conhecida, aos 15 anos já sabe bem o que o desnível entre as pessoas com deficiência e o restante da população, traduzido nos números da última pesquisa do IBGE , representa. Paraibana de Campina Grande, dependente da cadeira de rodas desde os 8 anos, Laissa viu portas de escolas se fecharem por sua condição, sofreu bullying por parte de crianças e de profissionais de educação, mas hoje, mesmo com a pouca idade, já inspira e luta pelos direitos de pessoas com deficiência.

— Já passei por muito preconceito, antes mesmo de conseguir ir para a escola. Diziam que pessoas com deficiência não podiam entrar porque dariam trabalho, porque precisariam de pessoas para ajudar e que não era responsabilidade deles. Mas era. Está na Constituição. No colégio, os próprios alunos e profissionais tinham preconceito comigo. As outras crianças me chamavam de quatro rodas, aleijada. Antes de eu parar de andar totalmente, diziam que eu tinha um defeito, enquanto minha doença avançava rapidamente. Os pais dos outros alunos, então… só o jeito que olhavam para mim, já me colocavam para baixo — lembra a bailarina.

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Para Laissa, o problema começa na educação de base e termina na falta de ocupação no mercado de trabalho. Ela criticou declarações dadas esta semana pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro , de que algumas pessoas com deficiência atrapalham as aulas regulares.

— Temos deficiência, mas isso não nos deixa pior ou menor que ninguém. Infelizmente, vimos o que aconteceu, de o ministro falar que nós atrapalhamos. O que atrapalha, infelizmente, é o excelentíssimo ministro, porque com essas palavras, ele acaba com a esperança e com a oportunidade de várias pessoas com deficiência. Precisamos de acolhimento e empatia e que saibam que somos pessoas normais. O que precisamos realmente é de investimento na área de acessibilidade e inclusão.

“As pessoas estão se sentindo cada vez mais excluídas. Como se fossem uma nuvem separada do céu azul”

Laissa Guerreira
15 anos, portadora de atrofia muscular espinhal e ativista

Segundo a jovem, as dificuldades enfrentadas hoje têm se traduzido em problemas que vão além dos mais variados tipos de deficiência, e têm afetado a saúde mental.

— As pessoas estão ficando cada vez mais tristes, excluídas e dentro de casa, porque não têm sequer a oportunidade de ir à escola. É como se estivessem separadas da sociedade, como uma nuvem branca separada de um céu azul. É algo muito nítido. Isso tudo gera ansiedade, sintomas psicológicos, depressão. É muito triste você ouvir que uma criança perdeu a esperança de ir à escola, que se sente um peso, que só vai atrapalhar.

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Quase 70% não possuem instrução ou ensino fundamental completo

Um estudo do IBGE traçou o perfil do abismo que separa os 17,3 milhões de brasileiros com pelo menos um tipo de limitação de suas funções do restante da população. Dados de 2019 mostram que 67,6% dessas pessoas não possuem instrução ou concluíram só o ensino fundamental, contra 30,9% daqueles que não têm deficiência. Os mais prejudicados são os que possuem alguma deficiência intelectual, que aparecem como os mais excluídos em todos os quesitos. O estudo é parte da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) e foi antecipado pelo GLOBO nesta quinta-feira.

— Os dados refletem baixa escolaridade e pouco acesso dessas pessoas às universidades. Apenas 5% concluíram o nível superior, enquanto os sem deficiência representam um número três vezes maior. Parte disso pode ser explicada pelo fato de que muitos não estão concluindo sequer o ensino médio. Nossos números convidam a investigar se há problemas no acesso ao ensino superior, se há falta de acessibilidade — comentou a analista do IBGE Maíra Bonna Lenzi, que participou da pesquisa, e é deficiente auditiva. — Há um desnível muito grande educacional, se comparado com as pessoas sem deficiência.

“As pessoas estão se sentindo cada vez mais excluídas. Como se fossem uma nuvem separada do céu azul”

Laissa Guerreira
15 anos, portadora de atrofia muscular espinhal e ativista

Contribuem para os números a idade das pessoas com deficiência no país. Praticamente a metade (49,4%) tem 60 anos ou mais. Pessoas com deficiênca nessa faixa etária costumam ter menor escolaridade. Há mais mulheres do que homens nessa situação. As mulheres têm expectativa de vida maior (de 80,1 anos, contra 73,1 dos homens) e acabam ficando nessa condição por causa da idade.

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O estudo detalha ainda a quantidade de pessoas com deficiência em cada estado. Enquanto em todo o Brasil eles representam 8,4% da população, em Sergipe, são 12,3%, o maior índice, seguido da Paraíba (10,7%), Ceará (10,6%) e Bahia (10,3%). São Paulo tem 7,4% da população com alguma deficiência, enquanto Rio de Janeiro tem 8,1% e Maranhão 9%.

Divisão na divisão

A pesquisa do IBGE mostra que o perfil médio do deficiente no Brasil hoje seria o de uma mulher (9,9% de toda a população), negra (9,7% ), idosa, nascida no Nordeste ou no Norte, com baixa ou nenhuma escolaridade e oportunidades reduzidas de emprego.

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Se a educação não vai bem, a situação no mercado de trabalho também está longe de ser a ideal. O levantamento ocupacional dos brasileiros com algum tipo de deficiência, levando em consideração empregos formais ou informais, e dividindo-os entre cada tipo de limitação, mostra uma grande separação com aqueles sem deficiência, como também entre cada segmento. Hoje, apenas 25,4% de todos os trabalhadores do Brasil são pessoas com algum tipo de deficiência. Dentro deste percentual, as pessoas ainda mais prejudicados são as com deficiência intelectual (4,7% dos trabalhadores), com limitações nos membros superiores (16,3%) e inferiores (15,3%).

— Embora os dados da pesquisa não façam essa distinção de trabalho formal e informal, mostram um desnível se comparadas as pessoas com ou sem deficiência. É uma população que está disponível para trabalhar, que poderia estar trabalhando — comenta a analista Maíra Lenzi. — Há de se incentivar essas pessoas a entrarem no mercado de trabalho, valorizar o trabalho delas, seja formal ou informal, potencializá-los.

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Fundador do Instituto Serendipidade, ONG que atua pela inclusão de pessoas com deficiência intelectual, Henri Zylberstajn comentou o cenário retratado no estudo.

— A inclusão de pessoas com deficiência ainda não é uma realidade em nossa sociedade. Associações equivocadas como a de deficiência com incapacidade ou como doença são muito frequentes e contribuem para a criação de barreiras. A inclusão não deveria ser vista como um favor ou como uma obrigação legal, mas com como uma solução para um mundo mais justo e plural. Informar-se sobre o tema e buscar oportunidades de convívio inclusivo costumam ser bons aliados.